"As pessoas tendem a votar quando são mais velhas. Em Portugal isso não tem acontecido"
É possível traçar o perfil dos abstencionistas?
Estamos a falar de um segmento grande da população portuguesa. Sabemos que há desigualdades que se têm vindo a acentuar de alguma forma, sobretudo em relação à idade. Não se pode traçar disto um perfil típico, mas em todo o caso, comparando grupos, sabemos que as pessoas com mais de 50 anos, têm uma propensão para votar que é muito maior do que as pessoas abaixo dessa idade. Esse é um traço típico. O resto verifica-se noutros países também, não é exclusivo de Portugal, mas sim acentuado. E ao contrário do que sucede noutros casos, essa menor predisposição para votar, nem sempre - ou num grande número de casos - é superada com a idade. É conhecida na literatura uma espécie de circunstância partilhada entre vários países: as pessoas não votam nas primeiras eleições e tendem a votar quando são mais velhas. No caso português isso não tem acontecido. Há mais pessoas desligadas da política entre as gerações mais jovens e isso tende a reforçar-se mais do que noutros países. Esse perfil geracional é importante. Por outro lado, há também desigualdades no voto consoante os recursos e a educação, e essas também se acentuam. O grande traço que tende a ligar estas pessoas, apesar de tudo, é a falta de identificação partidária e, muitas vezes, há também atitudes de desinteresse em relação à política. E há pessoas que não estando completamente desinteressadas estão mais zangadas ou desiludidas ou avaliam o funcionamento da democracia de forma negativa. Temos vários grupos dentro deste perfil do abstencionista.
No policy paper que fez para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, identifica uma discrepância entre as pessoas recenseadas e as pessoas que não são recenseadas mas que residem em Portugal. A que é que isso se deve?
A discrepância que estimamos já é conhecida, não é propriamente uma inovação do trabalho. É a discrepância entre o número de pessoas que estão no recenseamento eleitoral, registadas em território nacional. Portanto entre as pessoas que podem votar em todas as eleições. Por um lado, é entre esse número e entre o número de adultos portugueses com direito ao voto, que foram contabilizados pelo Instituto Nacional de Estatística nos últimos Censos, em 2021. Isto não é novidade. Aquilo que tentámos trazer de novo foi procurar avaliar diferentes explicações para essa discrepância, e a explicação que nos parece mais robusta prende-se com o facto de haver um número muito significativo de portugueses no estrangeiro, muitas vezes a título definitivo, mas que conservam a sua inscrição eleitoral e, para todos os efeitos, a sua residência oficial em território português. Em termos relativos, a abstenção nos círculos da emigração é maior em percentagem. Só que houve um aumento muito grande do corpo eleitoral, do número de recenseados nesses círculos, nas últimas Legislativas. Se avaliarmos a evolução em números absolutos, vemos que houve mais pessoas a participar nas Legislativas de 2022 e 2019 do que em eleições anteriores a essa reforma. Como o corpo cresceu em quase um milhão de eleitores [devido ao recenseamento obrigatório dos emigrantes], isso depois repercute-se num valor de participação mais baixo.