"As pessoas já são punidas pelo que dizem em privado"

A oitava edição do Festival Literário da Madeira começou com dois provocadores. Mick Hume e Ricardo Araújo Pereira discutiram a liberdade de expressão.
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Como se fosse um sketch dos Gato Fedorento, o parceiro de debate de Ricardo Araújo Pereira apareceu-lhe no hall do hotel de fato e gravata. Ou seja, Pereira que estava vestido de forma desportiva teve de voltar ao quarto trajar mais a rigor. O tema era quente, "O que é a liberdade de expressão?", também o primeiro desta edição do festival, por onde vão passar até sábado alguns dos melhores escritores, alguns bem premiados. Mick Hume, o engravatado, não se intimidou perante a sala imponente do Teatro Baltazar Dias, nem com uma platéia que desconhece o perfil político. De qualquer modo o seu recente livro, Direito a Ofender, deu lhe tantas dores de cabeça que pior nunca poderia ser.

O moderador, João Paulo Sacadura, desvendou que os dois tinham pensamentos semelhantes e escolheu para primeira pergunta o próprio título do livro de Hume e o direito de cada um dizer o que pensa. Hume gostou do desafio que lhe foi feito 'nesta bela ilha' e referiu que a liberdade de expressão passa por se discordar frontalmente em vez de se aceitar o banal e o que se vai estabelecendo socialmente. 'O slogan destes tempos é ao contrário do que defendo'', disse. Quanto a Araújo Pereira, também não há muitos limites. 'Não me passa pela cabeça definir as fronteiras dos temas que podem ser tratados' e lembrou o tempo em que fez uma sátira ao computador Magalhães através de uma eucaristia e logo um religioso lhe disse para falar antes das ondas do mar. 'Quando o fizer, virão logo os amigos do mar contestar a piada' , concluiu. Elencou outros temas perigosos, como falar de ciganos, mas considerou que hoje em dia como se declarou que as pessoas não sabem ver o contexto, então existem muitos temas proibidos.

Por seu lado Mick Hume, recordou o texto de George Orwell sobre liberdade de imprensa que o seu editor recusou publicar. Não é novidade, diz, que a 'liberdade de expressão esteja em perigo no ocidente, porque sempre esteve. O diferente e perigoso é a autocensura e o medo de pronunciar certas palavras com receio de se poder ser mal entendido. Acabou a divisão entre o privado e o público e as pessoas já são punidas pelo que dizem em privado'. Contestou ainda as leis que se criam para protegerem a privacidade porque elas vão ser estendidas aos políticos corruptos.

Araújo Pereira não deixou de criticar o Facebook e as redes sociais por mexerem com a privacidade e garantiu que 'a minha vida tem sido esconder o que estou a pensar'.

O politicamente correto foi um dos pontos altos do debate. Tanto um como o outro membro do painel consideraram que impedem a liberdade ds expressão e fazem definhar a democracia. 'Nas escolas americanas retiram se livros por criarem mau ambiente na sala de aula, mas o holocausto também não é fácil de estudar. Gera algum desconforto', disse Araújo Pereira. Alertou, no entanto para o facto de muitas pessoas de esquerda estarem a ser atraídas pelo politicamente correto e mais preocupadas em divergirem através da criação de várias organizações em vez de convergirem para terem mais força a nível político. Hume já criticara a criação de palavras para evitar o sentimento de exclusão de certas partes da população.

O festival continua amanhã com o debate moderado por Ana Daniela Soares com os escritores José Luís Peixoto, Sofi Oksanen e Eleanor Catton. Aldina Duarte protagoniza o espetáculo musical de sexta-feira.

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