As perícias da PSP - visita guiada à "alma" das armas de fogo
Destacado na parede do laboratório, onde são feitas as peritagens das armas e munições, está um quadro com a fotografia ampliada de um cartucho. Em letras grandes, está escrito : "1st HIT" - que não tem uma tradução à letra, mas quer dizer mais ou menos "1.º Êxito" de "correlação positiva" entre vestígios de disparos. É um dos "grandes orgulhos" do Departamento de Armas e Explosivos (DAE) da PSP, cujo diretor, superintendente Pedro Moura, não se coíbe de exibir.
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Trata-se de um certificado da Interpol atribuído sempre que as perícias conseguem provar que uma arma está relacionada com mais de um crime, desconhecido até esse momento, servindo de prova contra os suspeitos. Esta distinção é de 2018 e a história "é um exemplo de boa colaboração entre três forças de segurança - a GNR, a PJ e a PSP - e o Ministério Público", sublinha o superintendente.
Tudo começou no início do ano passado, quando a GNR apreendeu uma pistola Walther calibre 7.65 mm a um suspeito. A arma foi examinada no Centro Nacional de Peritagens do DAE e logo ali, com uma comparação de características, se concluiu que se tratava de uma arma furtada a um agente da PSP, em 2005.
Era preciso percorrer o caminho desta arma nos últimos anos e, nesta fase, entraram em ação os peritos da PSP, com as suas batas brancas, os seus microscópios, endoscópios (uma câmara ligada a um cabo que penetra pelo interior dos canos), os testes na câmara de disparos e, principalmente, com a sua sabedoria e experiência.
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"Dos vestígios obtidos através dos disparos, no invólucro e depois de introduzidos na base de dados IBIS da Interpol, foi possível verificar que existiam dois processos com vestígios idênticos e cujos crimes estavam em investigação na PJ", conta Pedro Moura.
Eram dois crimes de roubo em caixas ATM, ocorridos em 2015 na zona de Lisboa, que estavam a ser investigados pela Judiciária. "Contactámos o Laboratório de Polícia Científica da PJ e os peritos de ambas as polícias concluíram que os vestígios que a PSP tinha introduzido na base de dados da Interpol correspondiam aos da PJ. A arma recuperada pela GNR era a mesma que tinha sido utilizada nos dois roubos", recorda o superintendente.
O "êxito" foi comunicado à Interpol, que entregou o certificado e, assinala o responsável da DAE, "considera este um caso de estudo e boa prática que envolve várias forças policiais". Estes "prémios" da Interpol são atribuídos no primeiro hit, nos primeiros 20, 50 e depois de cem em cem.
A PSP está ligada à base de dados balística da Interpol (o sistema IBIS) desde janeiro de 2018, através de um equipamento designado match point - serve para fazer pesquisas e procurar correlações entre os registos das polícias de todo o mundo. O primeiro hit surgiu logo em abril, menos de quatro meses depois de o match point entrar em funcionamento.
O Centro Nacional de Peritagens - a menina dos olhos do DAE - tem merecido uma atenção muito especial da direção da PSP. Por aqui passam todas as armas e munições apreendidas e entregues voluntariamente. No ano passado, por exemplo, foram peritadas cerca de 17 mil armas e mais de 11 milhões de munições.
Aqui, os polícias vestem batas brancas, usam luvas e máscaras, têm microscópios e lupas potentes e disparam contra tanques de água.
O diretor da DAE assinala que "a PSP constituiu uma rede a nível nacional com peritos em armas e munições em todos os Comandos" e que "a lista com todos os nomes foi remetida à Procuradoria-Geral da República e difundida aos magistrados do Ministério Público - ou seja, estes peritos estão à disposição das autoridades judiciárias para coadjuvar nas questões de peritagens de armas nas investigações".
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Este ano de 2019 será um ano histórico, em que se vão concretizar dois projetos importantes, com um investimento de mais de três milhões de euros.
Um dos planos será na própria sede da DAE e está mais adiantado. Conta com a aquisição de equipamento topo de gama para o laboratório de peritagens e para a câmara de testes e disparos, onde está instalado e já a funcionar um tanque de disparos, único em Portugal.
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As armas são testadas e as munições analisadas até à mais ínfima ranhura, sombra, curva - até às profundezas da sua "alma". "Cada uma tem as suas características próprias, uma espécie de impressão digital, e é isso que depois permite poder correlacioná-las com outras", explica Pedro Moura.
Somos levados até a um nível de subsolo do quartel-general da DAE, a divisões onde só se entra com códigos eletrónicos secretos. Cheira a novo, tinta e metal, e temos de pôr protetores nos ouvidos para não ouvir o estrondo do disparo em direção à água do tanque. Mesmo assim os tímpanos ainda estremecem um pouco. O invólucro é depois recolhido na rede metálica e analisado.
Na sala blindada ao lado ficará instalado o futuro laboratório de perícias. Uma das máquinas é um laser potente para fazer inscrições no metal das armas. Numa demonstração gravam Diário de Notícias no cano de uma espingarda.
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Nesta semana, o chefe Carlos Mateus e o agente principal José Torres começaram uma formação especial no Laboratório de Polícia Científica (LPC) da Judiciária, que lhes dará competências idênticas de comparação balística às de um perito daquela unidade. "Temos uma excelente colaboração com o LPC da PJ, em especial com o setor da balística e marcas. Esta formação resultou de um protocolo assinado pela PSP e pela PJ em junho de 2018", afirma Moura. Esta espécie de upgrade nos agentes permitir-lhes-á afirmarem-se como peritos, à semelhança dos técnicos do LPC , sobretudo se chamados a testemunhar em tribunal.
Mas o maior investimento de todos vai ser um pouco mais longe, em Viana do Castelo. Será um dos raros "bancos de provas de armas de fogo e munições" do mundo - há 14 no total -, em que todas as armas têm de ser validadas e certificadas, para atestar a sua qualidade antes de entrarem no mercado.
Este centro vai pôr Portugal no circuito mundial dos bancos de provas certificados pela Organização Internacional denominada CIP (Commission Internationale Permanente pour l"Épreuve des Armes à Feu Portatives), sediada na Bélgica. A PSP, através da DAE, será a entidade que terá ali os seus peritos e técnicos. Os terrenos com 8900 metros quadrados, adquiridos e cedidos pela câmara municipal, são paredes-meias com os da fábrica belga FN Herstal, responsável pela produção das armas Browning e Winchester.
Trata-se da maior fábrica de armas de Portugal, estando autorizada pela PSP para produzir até 150 mil armas por ano. "Esta fábrica está a certificar as suas armas na Bélgica, mas em breve poderá passar a fazê-lo aqui", garante Pedro Moura. Não esconde a sua satisfação e brio quando mostra os planos e as maquetas, indicando cada detalhe sobre a localização das salas de testes, bancadas, laboratórios.
No Centro de Peritagens o entusiasmo é partilhado pelos técnicos, os polícias de bata branca, que sentem o seu trabalho crescer, os desafios a imporem-se e nem por isso sentem um pingo de hesitação. "Queremos encher a parede com mais certificados daqueles, prova do mérito do trabalho de todos", afiança Pedro Moura.