As palavras malditas da resistência europeia à mudança
Um dos oradores explicou que "o futuro já não é o que era", mas nem essa frase feliz preparara a audiência de dirigentes de partidos europeus do centro-direita para o que vinha aí. A conferência tentava perceber o Mundo em 2020 e o novo orador era um homem alto, elegante, cabelo revolto, sem fato ou gravata. Destoava do público, com a camisola negra, de griffe, estampada de prata. E, sobretudo, com o passado de extrema-esquerda.
O filósofo francês Bernard-Henry Lévy foi ao CCB explicar como as mudanças do mundo geraram uma resistência que alterou o próprio significado das palavras. E falou de apenas cinco delas, estranhamente rodeadas de opróbrio, "impronunciáveis" neste mundo contemporâneo onde parece ter triunfado um "pensamento único".
Lévy foi a provocação total na última conferência, ontem, de uma série de eventos organizados pelo Partido Popular Europeu (PPE), em Lisboa. A audiência era sobretudo de dirigentes conservadores de vários países da UE. Mas regressemos às palavras malditas América, Liberalismo, Globalização, Conservadorismo, Europa. O filósofo foi explicando como cada uma se tornou sinónimo de vergonha.
O antiamericanismo é hoje um íman que atrai "o pior" que existe, como nacionalismo, xenofobia, anti-semitismo, afirmou Lévy. "Quando se quer desacreditar um político, no meu país, chamam-lhe liberal", continuou o antigo enfant terrible da esquerda. "A globalização é o horror" e produz debates de "uma frivolidade insuportável", disse, lembrando como foi outrora internacionalista, agora "revoltado" com o discurso antiglobalização, após conhecer o ponto de vista dos povos excluídos e que não hesitariam em participar.
E que dizer do conservadorismo, "que não é crime contra a humanidade, como ser americano, mas anda lá perto?" E sobre a Europa, que segundo Bernard-Henry Lévy começa a ser uma palavra maldita para os próprios europeus. A União Europeia, contestou, "é uma invenção política radical e o bom vírus democrático".
aliança. Antes de Bernard-Henry Lévy tinha havido três intervenções notáveis do ex-primeiro-ministro sueco Carl Bildt; do economista António Borges; e do académico afegão Ashraf Ghani. Qualquer resumo das suas ideias seria redutor.
Borges falou da globalização, mas a sua frase mais forte foi em resposta a perguntas da audiência, perturbada com a visão liberal que o economista exibira - os partidos do PPE são quase todos de direita. "O maior problema que enfrentamos na Europa", disse Borges, "é a reacção dos interesses económicos, muito conservadores". Numa referência à forma como os europeus estão a reagir à tremenda mudança imposta pela globalização, Borges concluiu existir uma "aliança" entre trabalhadores e interesses económicos que não especificou.
Carl Bildt surgiu nesta conferência em tom mais optimista. Apontou para o painel atrás de si, onde se via parte do monumento aos Descobrimentos, e lembrou aquela primeira vaga de globalização para sublinhar que o fenómeno, hoje, é mais oportunidade para a UE do que ameaça. "A Europa nunca foi tão livre, tão segura e pacífica como agora, em toda a sua História", concluiu o antigo primeiro-ministro sueco. Na sua opinião, é necessário recuperar a autoestima dos europeus e, no plano político, travar o que definiu como "declínio simultâneo" do hard power dos americanos - "nos pântanos da Mesopotâmia" - e do soft power europeu, devido às dúvidas sobre os futuros alargamentos.