As Olimpíadas das estrelas

Los Angeles 1932. A atribuição dos Jogos à pérola da Califórnia serviu a preceito para os Estados Unidos limparem a má imagem que deixaram na organização das Olimpíadas de 1904, em São Luís. Os atletas foram os que mais ganharam, em luxos pessoais nunca antes vistos em Olimpíadas
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Pelos vistos, o Comité Olímpico Internacional tinha decididamente aberto a temporada do "face-lift". Mesmo sem a presença objectiva do barão de Coubertin, que não deixava de ser uma omnipresença, havia pelo menos mais uma reabilitação que importava fazer para limpar a imagem dos próprios Jogos Olímpicos, cuja história recente tinha duas ovelhas negras: Paris em 1900, que apagara a má imagem com a organização das olimpíadas de 1924; e São Luís, em 1904, as primeiras olimpíadas nos Estados Unidos da América, que ocupavam ainda lugar de destaque no triste pódio das piores olimpíadas de sempre, com a ideia brilhante dos "dias antropológicos" a vigorar no top dos maus exemplos. O Comité Olímpico Internacional tinha decidido, estava decidido. Nos Jogos Olímpicos de 1932, era a vez de Los Angeles, pérola da Califórnia, a limpar a face dos EUA, passadas quase três décadas depois do fracasso olímpico de São Luís. Los Angeles, que já perseguia a organização de uns jogos olímpicos há muito, agradeceu e prometeu não desiludir. E, desta vez, os americanos, que invariavelmente dominaram desportivamente quase todas as olimpíadas da era moderna, não deixaram mesmo os seus créditos por mãos alheias. Não era ocasião a desperdiçar. Porque se fosse, provavelmente Los Angeles até a tinha dispensado à época. Em 1929, os Estados Unidos estavam mergulhados numa crise gravíssima, provavelmente a pior de sempre nos EUA, que ficaria apropriadamente na História como a "Grande Depressão". Bancos faliam em catadupa, nas ruas havia revolta, marchavam os veteranos da I Guerra Mundial a exigir o que desde 1918 ninguém lhes tinha pago pelo seu esforço de guerra, marchavam os 12 milhões de desempregados que esta crise tinha gerado, o grande gigante norte-americano sentia as pernas a tremer e a sua economia a entrar em colapso. No mar desta crise, nadava sem colete salva-vidas o presidente Herbert Hoover - não confundir com o pai do aspirador -, que já depois dos Jogos Olímpicos foi sufragado à humilhação perante Franklin Roosevelt, então governador do Estado de Nova Iorque, que em 1933 se transformou no 32.º presidente americano, um dos mais carismáticos. Na Europa, Hitler escalava. As eleições de 1930 seriam vencidos pelos comunistas e socialistas alemães, mas o partido nacionalista de Adolf Hitler já tinha do seu lado - ditado pelo voto -, mais de 12 milhões de alemães, que se preparavam para dar o aval ao nazismo e à sua História mais negra. Em Itália, Benito Mussolini - "Il Duce" -, vivia o apogeu do fascismo. Em Espanha, corria-se a galope para a Guerra Civil, que havia de eclodir em 1936. Em Portugal, nada de novo: Ou, aliás, algo: o ministro António de Oliveira Salazar, precisamente em 1932, deixou de ser ministro para assumir a presidência do Conselho, formando um pouco mais tarde a União Nacional, via única do Estado Novo. Neste contexto, as olimpíadas fizeram uma viagem intercontinental. O que, aliás, não foi possível a mais de 30 comitivas que haviam estado presentes quatro anos antes em Amesterdão, bem como a perto de dois mil atletas, que ficariam em casa. As viagens intercontinentais ainda eram um problema, de tempo e de dinheiro. Foi por isso que os Jogos Olímpicos de Los Angeles contaram apenas com 1420 atletas (seis portugueses), que no entanto tinham à espera acomodações como nunca tinham encontrado em olimpíadas. Los Angeles construiu de raiz o que os americanos chamaram a "primeira aldeia olímpica", coisa que não era bem verdade, já que os franceses, no seu "face-lift" de Paris, em 1924, já o tinham feito. O que os americanos construiram foi a primeira aldeia olímpica verdadeiramente confortável, com casas que não eram de madeira e com autênticos luxos, como toalhas frescas, material para lavar o corpo, saunas, massagem e até uma lavandaria, coisa inimaginável até ao momento. E, atenção, o próprio barão ficaria orgulhoso disto: na aldeia olímpica só ficaram homens. As 120 mulheres inscritas para participas nos Jogos Olímpicos de Los Angeles ficaram todas alojadas em hotéis na cidade. Coisa que, à parte das acusações veladas de discriminação, nem gerou muitas queixas. Quanto às olimpíadas, foram exemplares a todos os títulos, desde as estrelas de Hollywood que participaram, ao heróis e a recuperação do verdadeiro espírito olímpico e de respeito genuíno à verdade desportiva. Neste jogos, houve até um atleta que se recusou a receber uma medalha, por achar injusto. Raridades.

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