As novas "nações indispensáveis" da Europa

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Depois do choque do referendo britânico que deu a vitória ao brexit e da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos em 2016, este será um ano decisivo para a Europa. As próximas eleições parlamentares em França, na Alemanha, nos Países Baixos e possivelmente em Itália decidirão se a União Europeia se manterá unida ou se se desintegrará sob a onda neonacionalista que varre o Ocidente.

Enquanto isso, as negociações do brexit começarão a sério, proporcionando um vislumbre do futuro da relação UE-Reino Unido. E a tomada de posse de Trump a 20 de janeiro (ontem) pode um dia vir a ser lembrada como um momento decisivo para a Europa.

A julgar pelas declarações anteriores de Trump sobre a Europa e a sua relação com os EUA, a UE deveria estar a preparar-se para alguns choques fortes. O presidente norte-americano, um expoente do novo nacionalismo, não acredita na integração europeia.

Aqui, ele tem um aliado no presidente russo Vladimir Putin, que há muito tempo tenta desestabilizar a UE apoiando forças e movimentos nacionalistas nos seus Estados membros. Se a administração Trump apoiar esses interesses ou lhes fechar os olhos, a UE - ensanduichada entre os trolls russos e a Breitbart News - terá de se preparar para tempos indubitavelmente difíceis.

As consequências para a UE serão ainda mais graves se, além de estabelecer novas bases de relacionamento com a Rússia, Trump continuar a questionar a garantia de segurança da América para a Europa. Uma tal atitude seria concretizada à custa da NATO, que institucionalizou o escudo de segurança dos EUA durante mais de seis décadas. Os europeus encontrar-se-iam de repente sozinhos a enfrentar uma Rússia que tem vindo a empregar cada vez mais meios militares para desafiar fronteiras, como na Ucrânia, e a reafirmar a sua influência - ou mesmo a sua hegemonia - sobre a Europa Oriental.

Em breve saberemos o que virá a seguir em relação à NATO, mas já muito mal foi feito. Garantias de segurança não são apenas uma questão de equipamento militar. O garante deve também passar uma mensagem credível de que está disposto a defender os seus aliados sempre que necessário. Assim, tais convenções dependem em grande parte da psicologia e da confiança de um país em relação aos seus amigos e inimigos em igual medida. Quando essa credibilidade é lesada, há um risco crescente de provocação e, com ela, de ameaça de escalada para crises maiores ou mesmo para conflitos armados.

Tendo em conta este risco, a UE deveria agora reforçar o que resta em relação à NATO e concentrar-se no resgate da sua própria integração institucional, económica e jurídica. Mas também deve procurar que os seus Estados membros providenciem uma segunda opção de segurança.

A própria UE baseia-se no "poder suave": não foi concebida para garantir a segurança europeia e, na sua atual forma, não está em posição de enfrentar um desafio de poderio militar. Isto significa que o encargo de reforçar a defesa da Europa vai cair sobre os seus dois países maiores e economicamente mais fortes, França e Alemanha. Outros países como a Itália, a Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo, a Espanha e a Polónia terão também um papel a desempenhar, mas a França e a Alemanha são indispensáveis.

É claro que viver na Europa continental significa ter a Rússia como vizinha, e as relações de vizinhança, em termos gerais, devem basear-se na paz, na cooperação e no respeito mútuo (especialmente quando o vizinho é uma potência nuclear). Mas os europeus não podem albergar ilusões sobre as intenções da Rússia. O Kremlin aborda a política externa como um jogo de soma zero, o que significa que irá sempre dar prioridade à força militar e ao poder geopolítico sobre os acordos de segurança cooperativos.

A Rússia não vê a fraqueza ou a falta de uma ameaça dos seus vizinhos como base para a paz, mas sim como um convite para alargar a sua própria esfera de influência. Assim, a assimetria de poder na Europa de Leste levará apenas à instabilidade. Se a Europa quiser uma paz estável e duradoura, é preciso que ela seja levada a sério, o que não é claramente o caso hoje. A Europa só pode reforçar credivelmente a sua segurança se a França e a Alemanha trabalharem em conjunto para o mesmo objetivo, o que terão oportunidade de fazer depois das eleições deste ano.

Os diplomatas da UE costumavam murmurar que a Alemanha e a França nunca se iriam pôr de acordo em questões militares e financeiras, devido às suas diferentes histórias e culturas. Mas se as condições de segurança sofrerem alterações para pior, isso poderá deixar de ser verdade. Na realidade, chegar a um compromisso de ambos os lados do Reno não deve ser assim tão difícil: a França, sem dúvida, tem a experiência para liderar na defesa; e o mesmo se passa com a Alemanha em questões financeiras.

Se a prossecução desta opção de segurança europeia levar os EUA a renovar a sua própria garantia de segurança, tanto melhor. Entretanto, a UE também deve forjar um acordo estratégico cooperativo pós-brexit com o Reino Unido, cuja posição geopolítica e interesses de segurança permanecerão inalterados.

A velha UE tornou-se uma potência económica porque estava protegida sob o escudo dos EUA. Mas sem essa garantia, ela só poderá gerir as suas atuais realidades geopolíticas desenvolvendo a sua própria capacidade de projetar poder político e militar. Seis décadas após o Tratado de Roma ter constituído a Comunidade Económica Europeia, a história e os acontecimentos atuais estão a pressionar a França e a Alemanha a moldarem o futuro da Europa mais uma vez.

Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e vice-chanceler de 1998 a 2005, foi líder do Partido Verde alemão durante quase 20 anos

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