As novas alterações à legislação do arrendamento urbano
A discussão em torno do arrendamento urbano não é, de forma alguma, uma novidade. Contudo, o mais recente desenvolvimento do mercado imobiliário em Portugal colocou o tema no centro da discussão pública e levou à apresentação de propostas de alteração do atual regime do arrendamento urbano.
O mercado do arrendamento em Portugal não oferece atualmente soluções satisfatórias para senhorios e inquilinos, fruto não só do crescente investimento que se tem verificado, como também do aumento do turismo e do alojamento local: por um lado, verifica-se um aumento acentuado do valor das rendas (com a celebração de contratos de arrendamento com prazo certo e, por regra, muito curto); por outro lado, encontramos senhorios sujeitos a contratos de arrendamento antigos com rendas desfasadas da realidade e que se vêm impossibilitados de terminar aquela relação contratual ou, pelo menos, aumentar a respetiva renda para um valor que lhes permita obter um rendimento real.
Das propostas apresentadas, podemos concluir que todos os partidos com assento parlamentar parecem concordar que o regime atualmente em vigor necessita de uma reforma (mais ou menos profunda) e de novas regras que permitam fazer face à nova realidade que se vive no mercado imobiliário.
E, não obstante encontramos diferenças relevantes inerentes à natureza de cada um dos partidos políticos e às suas ideologias, as propostas que foram ou serão levadas a discussão têm como objetivo tornar o mercado do arrendamento mais acessível para uns e ao mesmo tempo mais apetecível e rentável para outros.
Desde a implementação de uma nova Lei de Bases da Habitação, à criação de apoios financeiros para inquilinos e senhorios, de subsídios e seguros e de programas para um mais fácil acesso ao arrendamento, encontramos, também, propostas de redução da carga fiscal que, atualmente, é suportada pelos senhorios no que diz respeito aos rendimentos prediais e ao imposto municipal sobre imóveis (redução essa associada à estabilidade que se pretende implementar no mercado do arrendamento urbano, ou seja, à celebração de contratos de arrendamento de duração indeterminada ou celebrados por prazos superiores àqueles que atualmente se praticam).
Entendemos, porém, que uma reforma do regime do arrendamento urbano deverá centrar-se na criação de mecanismos que conduzam efetivamente ao equilíbrio do mercado, o qual não será obtido se os esforços apenas se centrarem nas necessidades dos inquilinos, sendo igualmente urgente ter em consideração a atual situação dos senhorios.
A título exemplificativo, se será justo apenas conceder subsídios para o pagamento de renda quando os senhorios demonstrem carência económica? Não deveriam todos os senhorios ter direito ao recebimento de uma renda adequada e que lhes permita obter rendimento do imóvel de que são proprietários? Por que motivo não garante o Estado o realojamento dos inquilinos que não têm capacidade financeira para pagar determinada renda, sempre que o respetivo senhorio comprove ter proposta mais vantajosa para o arrendamento do mesmo imóvel (sem prejuízo, claro, do integral cumprimento do contrato de arrendamento em vigor)?
Ao invés, e no que se refere aos inquilinos, são apresentadas medidas adicionais de proteção dos inquilinos com mais de 65 anos ou com um grau de deficiência superior a 60%, os quais terão garantida a renovação do seu contrato de arrendamento, caso habitem no imóvel há mais de 25 anos (e mesmo que o contrato tenha transitado para o Novo Regime do Arrendamento Urbano). A dúvida que se impõe suscitar é por que motivo são excluídos os demais inquilinos que cumpram o critério da idade ou do grau de deficiência, caso não habitem no imóvel há mais de 25 anos?
O equilíbrio que se mostra necessário no regime do arrendamento urbano não pode passar por uma regulamentação excessiva de um mercado que precisa, para se manter vivo, de ser livre e autossuficiente. É certo que o Estado tem como dever garantir o direito à habitação consagrado na Constituição da República Portuguesa. Mas essa mesma garantia deverá também ter como limite a esfera dos direitos privados dos vários intervenientes neste processo.
Este desiderato só será atingido se os partidos políticos com assento parlamentar, pondo de lado valores e ideologias, olharem para este problema com razoabilidade, sensatez e com vista à sua concreta resolução. Caso contrário, a realidade que já assola os grandes centros urbanos europeus (e que passa pela circunstância de a maioria da população ser forçada a abandonar a cidade) será uma inevitabilidade neste nosso país à beira mar plantado (e que nos parece não dispor, neste momento, das infraestruturas necessárias para enfrentar essa nova realidade).
Advogada do Departamento de Imobiliário da CCA ONTIER