As mulheres reais de Meryl Streep em seis filmes
A paixão de Karen Blixen em todo o seu rosto - África Minha (1985)
Qualquer atriz dos nossos dias que hoje fizesse de Karen Blixen, escritora dinamarquesa e baronesa, e dissesse "eu tive uma quinta em África/I had a farm in Africa " com sotaque nórdico poderia cair no ridículo. Com Meryl essa frase ganhou um lado majestoso que hoje perdura. O tempo veio dar a esta obra de Sydney Pollack uma sedução ainda mais clássica.
Meryl está ao serviço do romantismo do filme e não das obrigações do chamado método character acting. Diríamos que se guia segundo o "método Meryl". O que está em causa não é a composição fidedigna da dinamarquesa, mas sim uma projeção literária que a própria fez de si mesma, também conhecida como Isak Dinesen. Para muitos, sobretudo para os fãs, é a obra-prima de Meryl. Talvez seja mais sensato referir que é o seu trabalho mais elegante. Depois, há ainda toda a química com Robert Redford, um dos seus grandes pares...
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A autenticidade como Karen Silkwood - Silkwood, um Retrato de Coragem (1983)
Karen Silkwood está na galeria das grandes criações de Meryl. Uma espécie de passagem de testemunho entre Jane Fonda e ela de um certo tipo de personagens femininas com "causa social" e com uma forte tradição liberal. Não é de espantar que o realizador seja Mike Nichols, que anos mais tarde, em 1990, lhe deu um dos papéis mais felizes em Recordações de Hollywood, em que de alguma forma está a fazer uma versão de Carrie Fisher.
A sua Silkwood exala contenção notável, é como se a atriz no corpo de uma metalúrgica contaminada e perseguida se diluísse. Curiosamente, um ano antes, não se lhe pedia que se apagasse no bem mais expansivo A Escolha de Sofia, do falecido Alan J. Pakula . Nos anos 1980 já era a rainha de todas as transformações... Qualquer filme que fizesse era só por si um acontecimento... Em Silkwood há um outro bónus: Meryl mais bela do que nunca, mesmo sem maquilhagens... Mike Nichols sabia filmar.
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A luta pela inocência com sotaque australiano - Um Grito de Coragem (1988)
Para interpretar uma mãe acusada de matar o seu bebé no outback australiano, Meryl conseguiu encontrar o perfeito sotaque australiano mas, mais importante, conseguiu fazer-nos acreditar na sua inocência. De referir, que em 2012, 24 anos depois da estreia de Um Grito de Coragem, de Fred Schepisi, o processo contra esta mulher, Lindy Chamberlain, foi reaberto pelas autoridades australianas. Lindy sempre insistiu que foi um dingo quem atacou o bebé num caso que chocou a Austrália e que ainda hoje tem um impacto semelhante ao caso do desaparecimento de Maddie, no Algarve. Notável a forma como a atriz americana tem ido aos quatro cantos do mundo para encarnar mulheres de diferentes nacionalidades. Obviamente, aqui foi nomeada ao Óscar, mas perdeu para Jodie Foster em Acusados.
O filme, diga-se de passagem, evita os truques dos telefilmes e é o momento maior de Schepisi.
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Uma alma gémea chamada Roberta - Melodia do Coração (1999)
Meryl não é nada igual a esta mulher real que ainda hoje é um símbolo do ensino no Harlem, a professora de violino Roberta Guaspari, uma italo-americana de pelo na venta. Não faz mal, a alma da professora que ajudou alunos desfavorecidos é incorporada de forma credível por Meryl numa interpretação em que carrega sozinha o filme aos ombros, um projeto de Wes Craven pelos domínios do melodrama depois de uma longa carreira como autor de horror. Na altura, houve quem questionasse por que razão o filme e a própria Meryl não incutiam uma maior dose de realismo a esta professora, descrita como mulher de aço e de disciplina férrea, mas convém referir que o marketing da Miramax, na altura, determinou que o filme teria de ter uma certa "ligeireza". Seja como for, trata-se de uma interpretação cheia de vida que acaba por galvanizar o próprio filme. Mais uma vez, Meryl e a música... Que prazer que aqui deve ter tido!
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Ternura real no papel de Julia Child - Julie & Julia (2009)
Evocação sobre a vida da famosa mestre da cozinha americana Julia Child cruzada com uma blogger que se inspirou nela. Num registo ligeiro da realização de Nora Ephron, Meryl é prodigiosa nos detalhes de caracterização da personagem. Há detratores que se queixam de ter adocicado demais a imagem desta mulher mas a sua interpretação é de tal modo orgânica que se torna inatacável. Mais uma vez, foi nomeada com justiça ao Óscar. E é curioso verificar que mesmo quando tem personagens de ficção que emulam mulheres reais há sempre uma verdade em tudo o que faz... (exemplos: O Diabo Veste Prada, de David Frankel, e Recordações de Hollywood, de Mike Nichols). O ser real para esta atriz não significa imitar ou recriar. A palavra mais certa talvez seja habitar... Este é um dos seus mais recentes sucessos numa altura em que o seu nome passou a contar (e muito...) para as contas das bilheteiras.
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A Sra. Primeira-Ministra e o fantasma - A Dama de Ferro (2011)
É com uma elevação grandiosa que Meryl Streep encarna Margaret Thatcher neste biopic. Tudo começa com uma envelhecida Thatcher a falar com o fantasma do seu marido.
No filme do terceiro Óscar consegue ter diversas idades, diversos registos mas essencialmente uma enorme capacidade camaleónica: às tantas esquecemo-nos de que aquele é o seu rosto. Ou, se calhar, confundimos depois o rosto da antiga primeira-ministra com o dela. É uma simbiose gloriosa numa composição assustadora. Para atriz que é capaz de tudo, este foi um dos grandes riscos de carreira. Interpretar alguém tão marcante como Thatcher tinha mil e uma rasteiras. Streep é inesquecível num filme que não é inesquecível... Questionamo-nos o que um cineasta como Oliver Stone seria capaz com uma história com uma personagem destas, mas ele não sabe filmar mulheres de verdade. O problema é que Phyllida Lloyd (Mamma Mia!) também não...
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