As mudanças na Coreia do Norte estão mesmo ao virar da esquina?

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A banda de k-pop Red Velvet fez um concerto no início de abril num teatro à pinha em Pyongyang, com Kim Jong-un na audiência - foi a primeira banda da Coreia do Sul a dar um espetáculo na Coreia do Norte em mais de uma década.

Esta é apenas uma de várias iniciativas surpreendentes tomadas recentemente pela Coreia do Norte, a mais notável, sendo a possível cimeira do líder norte-coreano com o seu parceiro de contendas Donald Trump. Um degelo nas relações pode parecer promissor, mas é cedo de mais para dizer se estamos a assistir a uma mudança permanente de políticas ou a algo passageiro.

A falta de informação proveniente de dentro do país significa que, para muitas pessoas no exterior, ainda persiste uma imagem da Coreia do Norte assolada pela fome e com carências nos serviços básicos. É verdade que o país é ainda pobre e muitos dos seus cidadãos continuam a passar fome, mas economicamente já percorreu um longo caminho desde a era de Kim Jong-il. Ao contrário do pai, Kim Jong-un tem revelado a ambição de fazer crescer a economia, mesmo no contexto de sanções da comunidade internacional, e aprovou tacitamente a existência, até o desenvolvimento, de pequenas empresas.

Infelizmente isto não quer dizer que mais pessoas estejam a fruir direitos humanos. A Amnistia Internacional documenta generalizadas, flagrantes e sistemáticas violações de direitos humanos em campos de presos políticos, onde 120 mil pessoas permanecem em risco de tortura, trabalhos forçados e outros maus-tratos, assim como a serem executadas. Algumas são condenadas apenas por serem familiares de outras consideradas uma ameaça pelo regime, ou "culpadas por associação".

Existem também graves restrições ao direito de liberdade de expressão. Apesar de aproximadamente três milhões de norte-coreanos já possuírem telemóveis, os aparelhos funcionam essencialmente como um sistema interno de comunicações. A vasta maioria dos norte-coreanos continua sem acesso legal a serviços de comunicações móveis internacionais ou à internet. A Amnistia Internacional entrevistou pessoas que foram perseguidas e detidas por tentarem contactar familiares e amigos que saíram da Coreia do Norte, especialmente aqueles que vivem na Coreia do Sul.

Mas há boas notícias. Recentemente, tivemos conhecimento do caso de Koo Jeong-hwa, forçada a regressar à Coreia do Norte em novembro passado após ter conseguido atravessar a fronteira com a China junto com o filho de 4 anos. As autoridades mantiveram-na num centro de detenção em Hoeryeong, acusaram-na de traição por ter saído do país e esperava-se que fosse condenada a prisão perpétua.

O marido desta mulher, Lee Tae-won, disse à Amnistia Internacional estar convencido de que o governo norte-coreano reagiria a pressão externa. E em março, logo após terem sido anunciados os planos de realização da cimeira entre as Coreias, recebemos a boa notícia de que Koo Jeong-hwa fora posta em liberdade.

Esta inesperada libertação constitui um raro vislumbre de esperança e há razões para acreditar que as autoridades norte-coreanas sabem que o mundo está atento. Outros cidadãos com os quais falámos dizem ter a convicção de que o ativismo e o escrutínio internacionais podem impedir que a situação de direitos humanos se agrave.

Com efeito, a Coreia do Norte parece ter-se tornado mais recetiva a envolver-se na ONU no que se refere a direitos humanos, incluindo a submissão de relatórios e o envio de delegados às revisões feitas no ano passado por comités sobre direitos das crianças e direitos das mulheres.

Há muito ainda que tem de mudar para os direitos humanos serem uma realidade na Coreia do Norte, mas esta é uma interessante escolha de momento para tão raras boas notícias.

Na Amnistia Internacional, trabalhamos com governos, com a sociedade civil e com ativistas, incluindo norte-coreanos - muitos dos quais foram vítimas de abusos de direitos humanos. Alguns destes ativistas estão a fazer um trabalho maravilhoso de recolha e difusão de informação sobre direitos humanos ou de campanha e defesa desses direitos.

Através do envolvimento continuado com estes ativistas, aprendemos aquilo que eles pensam ser possível e trabalhamos juntos para tornar as mudanças uma realidade. Ao mesmo tempo, partilhamos com eles o nosso conhecimento sobre leis e padrões internacionais de direitos humanos, assim como a nossa experiência global a fazer campanhas e pressão institucional.

Com a reunião com o presidente da Coreia do Sul hoje e a proposta de cimeira com o presidente Trump em maio, temos de exercer pressão para pôr os direitos humanos nas agendas das conversações.

O presidente sul-coreano já descartou abordar os direitos humanos, sustentando que a reunião deve centrar-se no tema da desnuclearização. O Departamento de Estado norte-americano, por seu lado, sinalizou estar aberto a discutir direitos humanos num eventual encontro Donald Trump-Kim Jong-un.

Neste importantíssimo momento, em que Coreia do Norte, cujo secretismo é bem conhecido, pode estar recetiva à aproximação e em que responsáveis de topo no país se mostram dispostos a conversar sobre grandes temas como a desnuclearização, é fácil que a terrível situação de direitos humanos seja ignorada.

A Amnistia Internacional juntamente com outras organizações de direitos humanos mantém-se vigilante para que tal não aconteça.

Investigador da Amnistia Internacional para a Ásia Oriental

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