As minhas cuecas e a nossa TAP

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No momento em que escrevo estou de facto numa situação de especial vulnerabilidade: é o meu quinto dia numa viagem de sete dias sem as minhas cuecas, e sem tudo o resto, aliás, daquilo que é habitual colocar-se numa mala para se viajar uns dias, tendo confiado esse transporte à TAP. Comprei cuecas novas, entretanto, mas arrasto ainda, com algum pudor, para além de uma fatura de cuecas, uma imensa vergonha pelo serviço prestado por essa TAP, que os portugueses, pela via do Governo, entenderam recomprar, um mistério igualmente interior e nunca descrito com precisão, qual cueiro sujo e meio ajustado, num fraco elástico, à nossa realidade.

Já tenho, no entanto, uma relação especial com a senhora que me atende todos os dias, com benévola paciência, o telefone, invariavelmente após o almoço, quando ligo a saber da situação desta bagagem despachada de quatro pessoas que nunca chegou, num voo direto da TAP, de apenas 2 horas de duração e na Europa. Ela diz-me sempre a verdade, a verdade que lhe darão de Lisboa em cada dia, o que não é um serviço universal e comum: ou não sabe quando chega ou pode vir no dia seguinte. Na verdade, a mesma verdade. Uma espécie de verdade do atual serviço TAP: ou não existe ou pode vir a existir. Eventualmente. E ninguém sabe o que vai acontecer, porque isso faz parte da incerteza inerente à condição humana, e contratos de transporte ou a decência mínima no serviço prestado são excrescências burguesas.

Não invejo a atual administração da TAP: assumiram -- porque quiseram, é certo --, uma coisa que é um absurdo de serviço e de falta da assunção básica de contratos. Começa logo na chegada ao aeroporto de Lisboa. Mesmo chegando duas horas e meia antes do voo, um voo simples na Europa, e com check in pré-feito online, a fila para entregar as malas chega já à rua, centenas de passageiros numa estúpida e desnecessária fila, sem apoio da companhia na quantidade necessária e na sua eficácia. Felizmente não chove -- nem há, ainda, luar. Não há uma capacidade mínima da TAP para atender devidamente os seus clientes? Resolvei! São pagos para isso -- 2000 milhões de dinheiro dos contribuintes nestes últimos tempos, segundo consta. Parece que a única coisa com que se preocupam é em vender muitos bilhetes e não despenhar aviões. Acho bem esse desiderato, mas podem só também assegurar que quem os ocupa é minimamente tratado quando tenta chegar ao seu lugar a bordo?

É certo que o aeroporto de Lisboa seguramente não facilita. Entendeu a ANA, quando privada, construir um centro comercial onde antes existiu um aeroporto, com a complacência de todos nós. O resultado é que estão 100 passageiros em espera por algo pelo qual já pagaram, no mesmo espaço, nos mesmos metros quadrados, em que zero clientes ocupariam a loja da Tumi. Longe de mim dizer mal da Tumi -- como sabemos, são as melhores malas de viagem alguma vez feitas, com um material não sei quê da NASA, e posso comprová-lo pessoalmente (é, aliás, bastante deprimente: ganhamos cabelos brancos e frisos de pele encarquilhada, mas as malas da Tumi estão sempre na mesma, por mais que sofram e o tempo passe...). Mas, de vez em quando, um aeroporto tem de ser também um aeroporto e não apenas um centro comercial meio suburbano. A TAP parece não se incomodar com isso, infelizmente.

Foi preciso eu passar vários anos de muitas viagens para ficar sem malas ao chegar ao destino. A única vez que tal me aconteceu antes foi após alguns voos, na Aeroflot, que até eu reputaria como suspeitos, como sucedeu às autoridades russas, entre Yerevan e Kiev, via Moscovo, em 2006. E, mesmo assim, a mala chegou-me 24 horas depois.

É preciso, portanto, muita paciência e algum humor para viajar hoje na TAP, esse conglomerado de base histórica de prime donne no cockpit e de filhas família sem grande jeito para estudar como tripulação de cabine. Mas, aceito, pode isto ser só um desabafo de um homem circunstancialmente sem as suas cuecas -- graças à TAP.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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