As marcas de oito anos de resgates na Grécia
Tempos houve em que a Grécia era o grande problema da União Europeia. Nas ruas do país tornaram-se habituais as situações de confronto entre manifestantes anarquistas e antiausteridade e polícia de choque. Uns atiravam cocktail Molotov. Outros granadas de gás lacrimogéneo.
Ameaçando fazer ruir o euro, os gregos irritavam em tudo e a todos. Na memória ficaram os duros enfrentamentos entre os ex-ministros das Finanças grego, alemão e holandês, respetivamente, Yanis Varoufakis, Wolfgang Schäuble e Jeroen Dijsselbloem. E as filas de reformados desesperados a tentar levantar as pensões à porta dos bancos durante o controlo de capitais.
Ninguém queria ouvir falar de perdão ou alívio da dívida grega. Agora, três resgates depois, o país governado por Alexis Tsipras prepara-se para sair do programa de assistência internacional e voltar aos mercados a 20 de agosto. O acordo, apelidado de histórico, foi selado na reunião do Eurogrupo desta sexta-feira no Luxemburgo.
"A crise grega termina aqui", disse o comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici. "Conseguimos assegurar uma aterragem suave após ajustamento longo e difícil", afirmou, por seu lado, o presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças português Mário Centeno.
Apontando que a análise da dívida grega - de 178% do PIB - demonstrou que eram necessárias medidas adicionais de alívio da dívida para garantir a sua sustentabilidade no futuro, Centeno disse que foi adotado um pacote, que prevê, entre outras medidas, o prolongamento por 10 anos do prazo de pagamento do empréstimo concedido pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira.
"Este acordo é também uma dívida moral dos europeus para com o povo grego que sofreu por oito anos", sublinhou, por seu lado, Tsipras - o político do Syriza que chegou ao poder com a promessa de expulsar a troika e sair do euro e acabou a pedir um terceiro resgate.
Declarada apta para regressar aos mercados internacionais, a Grécia apresenta marcas profundas de oito anos de resgates. Ao longo deste tempo a austeridade provocou uma queda de 25% na economia grega e o desemprego ainda se situa acima dos 20%, tendo levado muitos jovens a imigrar e a procurar melhores condições de vida no estrangeiro. Desde o início da crise financeira, 250 mil licenciados deixaram o país, segundo dados do Centro Nacional de Documentação (EKT). O pico situou-se nos anos 2012 e 2013.
A juntar a isto é preciso lembrar que os pensionistas viram 14 vezes as suas pensões cortadas e, segundo dados do Eurostat de 2017, 35,5% da população grega, ou seja, um em cada três cidadãos gregos, vive na pobreza e em situação de exclusão social. Muitos deixaram de ter dinheiro para pagar sequer a conta da electricidade e conseguir comida é a prioridade. A crise, que também contribuiu para destapar práticas de corrupção que existiam pelo país, também levou à queda de quatro governos.
A Grécia viu-se também envolvida numa tempestade perfeita: a juntar à austeridade a chegada em massa de migrantes ilegais que procuravam seguir a chamada rota dos Balcãs. Só em 2016 foram mais de 60 mil. Hoje a crise migratória espalhou-se e, com a recusa de governos populistas em ajudar migrantes e refugiados, como por exemplo o de Itália, a situação agravou-se e o tema está na ordem do dia dos líderes europeus. Estará no centro do debate no Conselho Europeu dos próximos dias 28 e 29. Se somarmos a isto, a questão do brexit, não é difícil constatar que hoje a Grécia já não é, de facto, o maior problema da UE.