As maiorias positivas
Numa entrevista recente, o jornalista mais importante da rádio espanhola, que se chama Carlos Herrera e oficia todas as manhãs na emissora COPE, perguntou a Pedro Sánchez, o secretário-geral do Partido Socialista e candidato a dirigir o meu país nas próximas eleições que se realizam a 20 de dezembro, se estaria disposto a ser presidente a qualquer preço. A qualquer preço quer dizer se, no caso de conseguir menos votos e deputados do que o partido conservador de Mariano Rajoy, trabalharia para uma maioria alternativa de esquerda para chegar ao Palácio da Moncloa. Ou seja, por uma "maioria negativa". Esta expressão, a da "maioria negativa", devemo-la ao responsável do Partido Socialista de Portugal, António Costa, que apesar de ter obtido um bom resultado ficou atrás dos conservadores e mostrou-se contrário, num primeiro momento, a chegar a acordo com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda para desalojar a direita portuguesa do poder.
A resposta de Sánchez ao jornalista Herrera foi ambígua. Sugeriu que faria todos os possíveis para que as ideias sociais-democratas voltassem a inspirar a política espanhola e algumas banalidades mais. Mas eu, que conheço a peça, asseguro-vos que o Sr. Sánchez jamais teria feito as declarações do Sr. Costa - ainda que este acabe por as violar -, porque sempre teve na cabeça a ideia de chegar ao poder mesmo que tenha de pactuar com o diabo. O diabo no meu país chama-se Podemos, o partido de Pablo Iglesias, que ainda que agora se apresente com um rosto moderado aspira a promover uma espécie de revolução social aumentando a despesa pública, nacionalizando empresas e aumentando os impostos aos ricos. Em Espanha temos sempre muito presente o que aconteceu durante a Segunda República espanhola, em cuja última legislatura uma Frente Popular constituída pelas forças de esquerda e muito rapidamente dominada pelo radicalismo conseguiu subir ao poder. O seu sectarismo, os seus excessos e os seus crimes acabaram por dar origem à dramática Guerra Civil. Há quem pense, como eu, que o socialista Sánchez não terá problemas em ressuscitar esta Frente Popular, no caso de isso ser inevitável para governar. E esta é uma diferença enorme em relação à vontade e à predisposição inicial que mostrou o português Costa, o qual agora tem dúvidas sobre o que fazer, pois a tentação do poder é poderosa, as pressões parecem às vezes insuperáveis, mas que, na minha opinião, deveria manter-se fiel à sua desconfiança das maiorias negativas.
Os espanhóis, sempre tão arrogantes com Portugal, têm muitas coisas que aprender com os vizinhos. As últimas eleições mostraram quais são. A primeira e mais importante é a gratidão que mostraram os cidadãos portugueses ao partido que restabeleceu os equilíbrios do país e assentou as bases de um futuro melhor. Passos Coelho teve de lidar com uma nação desesperada e intervencionada pela troika, dada a impossibilidade de obter um financiamento externo. Hoje, o país cresce, gera emprego e tem as contas públicas saneadas. Os sacrifícios que teve de fazer foram imensos. Sei que a intervenção externa é uma espécie de humilhação, mas tem uma vantagem: as reformas necessárias são feitas ao mesmo tempo. Sem dilação. O resultado das eleições portuguesas demonstra que os cidadãos são capazes de aceitar a dureza que um plano de estabilização económica traz consigo se antevirem um futuro melhor depois da severidade do ajustamento. E um dos fatores-chave neste tipo de processos é a urgência com que é necessário efetuar as mudanças.
Em Espanha, onde precisámos da assistência europeia para sanear o nosso sistema financeiro, mas onde evitámos a intervenção externa, as reformas tiveram uma abordagem mais gradual do que em Portugal. E ainda que esta estratégia possa causar menores tensões sociais, um período demasiado dilatado de reformas moderadas acarreta o risco de que tanto os políticos reformistas como a população acabem irritados. Também pode dar lugar a que os grupos de pressão contrários às reformas mobilizem as suas forças e consigam estrangular a mudança prevista de início. Isto é um pouco o que está a acontecer no meu país. Apesar de os resultados do governo de Rajoy serem espetaculares - crescemos a um ritmo de quase 3,5%, muito acima da média europeia, foi criado um milhão de empregos em dois anos, o défice público reduziu-se quase cinco pontos desde 2012 e temos uma inflação negativa - os juízes estão a fazer os possíveis por desvirtuar a reforma laboral e a oposição está a demonstrar uma eficácia extraordinária no combate aos sucessos da mudança com o reverso amargo da moeda: o predomínio dos empregos precários, dos salários baixos, assim como o impacto dos cortes nas prestações sociais.
Todos estes argumentos são frouxos e perdem a força perante a trajetória de um país que, em quatro anos, passou do colapso a ser o aluno mais bem classificado da UE. Não parece, no entanto, que os espanhóis estejam dispostos a ser tão agradecidos como os portugueses. As sondagens dizem que Rajoy está praticamente empatado com o Partido Socialista e que em nenhum caso obteria a maioria absoluta. Mas, em tais condições, os socialistas do meu país têm uma vontade política algo diferente da dos portugueses. Em Espanha, volta-se sempre à origem. Quer isto dizer que, ao contrário de Costa, o Sr. Sánchez ficará encantado por forjar qualquer "maioria negativa" que o leve ao poder. Já há precedentes. Na Comunidade Valenciana, onde o PSOE perdeu as eleições, retirou o PP do poder pactuando com a esquerda radical. Na autarquia de Madrid tornou presidente a senhora que encabeçava a lista dos radicais do Podemos apesar de, também aí, o PP ter ganho as eleições. Ou seja, temos provas suficientes de que o Partido Socialista espanhol pactuará com quem for preciso para chegar ao governo. E isto será um retrocesso tremendo para Espanha. Embora os dois países tenham sistemas eleitorais parecidos, a minha opinião é que os chamados a governar devem ser sempre os mais votados, como acontece em modelos maioritários como o inglês. O contrário pode ser legítimo do ponto de vista da democracia representativa e parlamentar, mas degenera sempre em maiorias artificiais, em governos desequilibrados, fracos e excêntricos e, finalmente, em políticas insensatas. Como sugeriu Costa num primeiro momento - mesmo que depois venha a desdizer-se -, as maiorias negativas acabam por impor um custo social enorme aos cidadãos. Seria muito mais produtiva uma grande coligação à alemã, entre a direita de Passos e a esquerda de Costa. Uma maioria positiva. No entanto, receio que no meu país isso seja impossível, assim como em Portugal, do qual temos tanto que aprender, mas onde também não há uma cultura a esse respeito. Uma pena.