As lutas do dinheiro
Desde que o início das privatizações, há duas décadas, emancipou a banca portuguesa da era da nacionalização, começaram as batalhas pelo domínio dos principais bancos, que nos últimos anos se tornaram tema de discussão nos cafés, nas páginas dos jornais e nos noticiários televisivos. Especializada em temas bancários e financeiros, a jornalista Paula Cordeiro acompanhou todo esse processo nos jornais Tempo, Jornal do Comércio, Diário Económico e, actualmente, no DN. Em 2001, foi distinguida com o prémio de Jornalismo Económico da Associação Portuguesa das Sociedades Gestoras de Património e de Fundos de Investimento (Apfin). 7 Bancos, 7 Lutas pelo Poder, editado pela bnomics, com prefácio do director adjunto do Expresso Nicolau Santos, é o primeiro livro de Paula Cordeiro e revela os bastidores dos conflitos entre os donos do dinheiro desde a polémica privatização do Totta, em 1989, até à mais recente OPA do BCP sobre o BPI. É dessas guerras que aqui ficam, em pré-publicação, alguns dos extractos mais significativos.
Totta
A venda da posição dos espanhóis do Banesto no Banco Totta & Açores (BTA) decorre em finais de 1994, num clima de tensão entre Portugal e Espanha. Depois de um ano de muitas negociações, mas poucos interessados, a resolução do caso desenrolou-se quase em contra-relógio.
«Champalimaud seguia de perto as negociações e estava pronto a avançar se José Manuel de Mello desistisse. Alípio Dias [presidente do BTA e ex-secretário de Estado das Finanças e do Orçamento] sabia deste interesse.
Com o fim do ano a aproximar-se e sem se vislumbrar uma solução, Catroga [ministro das Finanças] ameaçava os responsáveis do Totta com a intervenção do banco. Mas Alípio já tinha um trunfo na manga.
O presidente executivo do BTA tinha negociado directamente com António Champalimaud a venda dos cinquenta por cento, acordo que seria divulgado apenas no último dia do prazo para a operação (28 de Dezembro), caso os Mello desistissem do banco.
O ministro das Finanças começa a ficar impaciente perante a indefinição e a 26 de Dezembro telefona ao presidente do BTA, pressionando-o para saber como decorrem as negociações. Alípio garante-lhe que há um comprador, mas que só será conhecido no último dia. Catroga ainda argumenta que o primeiro-ministro [Cavaco Silva] quer saber o nome do futuro dono do Totta, mas Alípio não cede.
A 27, o ministro das Finanças partia de férias para as Caraíbas. Um dia antes, Alípio Dias inquiria José Manuel de Mello sobre se de facto vai apresentar a proposta. E aconselha-o a manifestar esse interesse por escrito, numa carta a enviar ao Banesto, dizendo que se comprometia a enviar a sua proposta até 15 de Janeiro (data-limite para a intervenção do Banco de Espanha, caso o Banesto não proceda à venda deste activo). Uma forma ardilosa de conhecer as verdadeiras intenções do velho empresário. Mello ignora o conselho, confiante nas negociações de Jardim Gonçalves. Tudo se proporcionava para o grande final montado por Alípio Dias. No último dia do prazo, a 28 de Dezembro, e perante a ausência de um compromisso formal da parte de José Manuel de Mello, Alípio Dias, Alfredo Saenz, António Champalimaud e o seu advogado Proença de Carvalho são recebidos, ao fim da tarde, pelo secretário de Estado do Tesouro, Walter Marques. Entregam-lhe a proposta de compra de Champalimaud. É a partir do próprio gabinete deste governante que Alípio telefona a Cavaco Silva para lhe dizer o nome do novo dono do Totta.»
Banco Pinto & Sotto Mayor
O grande «predador» do sistema financeiro português, o BCP, também somou alguns fracassos. A primeira tentativa de compra do BPSM, num concurso público, em 1993, resultou na rejeição da sua proposta pelo governo. O BCP tinha oferecido pouco, mas tinha as suas razões.
«A “proposta indecente” do BCP traduziu-se numa oferta de 65 milhões de euros, quando o Estado esperava um encaixe mínimo de 94 milhões de euros, ao valor unitário de nove euros. O banco liderado por Jardim Gonçalves tinha as suas razões para justificar um preço tão baixo. Depois de levantar o caderno de encargos, o BCP solicitou informação adicional, para conseguir avaliar correctamente o valor do BPSM. Tratava-se de dados referentes à sua carteira de crédito, em especial os montantes de malparado, que se julgavam elevados. Era um dado importante, atendendo às provisões que seriam necessárias fazer após a sua aquisição. Essa informação foi recusada ao BCP, pelo presidente do BPSM.
Face à falta destes dados, os responsáveis do BCP avançaram com uma estimativa para o valor do banco: 365 milhões de euros. No entanto, havia que descontar a perda de quota de mercado que estas operações acarretam para ambas as instituições envolvidas. O BCP calculava esta perda, baseando-se em estudos, em cerca de um por cento do mercado, que era quantificado em trezentos milhões de euros. Chegava-se assim aos 65 milhões de euros oferecidos. Jardim Gonçalves dispunha-se ainda a revelar o valor da carteira de crédito não auditada, com os índices de incumprimento estimado. Se comprasse o banco, a carteira seria objecto de avaliação independente: se o valor fosse superior ao estimado pelo BCP, pagava a diferença; se fosse inferior, não alterava o preço. Por outro lado, o adquirente comprometia-se a capitalizar o BPSM na medida exigida pelo Banco de Portugal, após todas as correcções contabilísticas que viessem a ser feitas, em função da certificação do valor dos activos. Estes compromissos foram assumidos na proposta de compra.
Mas outro facto contribuiu para que o BCP fosse a concurso pelo valor mínimo. Jardim Gonçalves tinha tido a informação de que o BBV, no desenrolar do seu interesse pela operação, tinha feito uma avaliação do BPSM e alcançado um valor negativo.
Perante tal os espanhóis informaram o governo português de que se retiravam sem apresentar qualquer proposta. Braga de Macedo pediu-lhes que não anunciassem o seu desinteresse, para não prejudicar o desenrolar da operação e os responsáveis do BBV acederam. No entanto, uma fuga de informação colocava Jardim Gonçalves a par de tudo, reforçando a teoria da oferta de um preço mínimo. O debate entre responsáveis do BCP tinha sido intenso, com administradores a defenderem uma dedução de apenas metade dos trezentos milhões de perda de mercado. Perante o episódio BBV, acabou por vencer a tese mais conservadora.»
BPA
Coube ao BCP de Jardim Gonçalves uma das maiores vitórias em matéria de aquisições bancárias, nos últimos vinte anos. A compra do Banco Português do Atlântico (BPA), depois de uma OPA parcial chumbada e de uma forte oposição dos seus accionistas privados, liderados por Belmiro de Azevedo, foi o exemplo máximo.
«Os antigos administradores do BPA começavam já a desmobilizar, com alguns deles a rescindirem os seus cargos. João Oliveira negociava já a sua saída do banco com Jardim Gonçalves, numa altura em que todos pareciam ter esquecido o carácter hostil da operação. Eduardo Rocha, número dois da administração vencida, ficava. A poucos dias do anúncio dos resultados, o BPA estava já nas mãos do BCP. Foi com a certeza do objectivo alcançado que se realizou a sessão pública da Bolsa para o apuramento dos resultados da OPA. A meio da tarde do dia 24 de Março, e na presença dos principais protagonistas (notada ausência de João Oliveira) e de um grande número de personalidades do meio financeiro, assistia-se à concretização do maior takeover de sempre na história empresarial portuguesa. Dez minutos bastaram para se ficar a conhecer os resultados. O BCP e a Império conseguiam adquirir 98,77 por cento do capital do BPA, tendo pago 1,521 mil milhões de euros, um valor total de participação que ultrapassava as melhores expectativas, com as apostas mais arrojadas a apontarem para uma posição em torno dos 97 por cento.»
Banco de Fomento e Exterior
O BPI comprou o Banco de Fomento Exterior (BFE) não à primeira, mas à segunda tentativa. Depois de Sousa Franco ter chumbado uma OPA sobre o banco, acabou por entregar o Fomento ao BPI, mas segundo a suas regras: em concurso público. Mas com uma particularidade. O BPI ganhou sem ter sido divulgado o preço que cada concorrente ofereceu. O Finantia, um dos concorrentes derrotados que levou o processo para tribunal e venceu, estava disposto a pagar mais pelo BFE.
«O anúncio da decisão final sobre o BFE trazia ainda outra novidade. Pela primeira vez, um processo desta natureza dava origem a um Livro Branco, anunciado com toda a pompa pelo ministro das Finanças. A iniciativa visava criar uma espécie de doutrina, em nome da transparência e da clareza, face à opinião pública e aos agentes económicos. E admitia a possibilidade de se seguir procedimentos idênticos em futuras privatizações, caso se justificasse. No final, o tão esperado Livro Branco resumia-se a um conjunto de fotocópias pouco esclarecedoras e ainda menos doutrinárias.
Mas o protagonista ausente, ou seja, o preço, acabaria por entrar em cena. Foi o que aconteceu a 28 de Agosto, dia em que decorreu a sessão pública da Bolsa para abertura do envelope onde se encontrava o valor oferecido pelo BPI. Foi mais uma surpresa, com o comprador a oferecer 13 euros por acção, trinta por cento acima do preço-base de 9,9 euros. O BPI propunha-se pagar 680 milhões de euros pelos 65 por cento do BFE, demonstrando-se desta forma que o banco tinha concorrido para ganhar. Para Miguel Cadilhe, tinha sido um “magnífico preço”, “acima de todas as expectativas”. “O BFE ficou muito bem entregue”, concluía. Para o presidente do BPI, aquele dia era “um marco importante na história da instituição”, à beira de completar 15 anos. Não podiam ser comemorados na melhor forma. O BPI ascendia ao “clube dos grandes”, transformando-se no quinto maior grupo financeiro nacional.
Nunca se soube o preço oferecido pelos dois outros candidatos preteridos. O governo optara por não abrir os envelopes, deixando no ar a dúvida se o preço do BPI era ou não o mais alto. Não importava, não era esse o elemento diferenciador, pelo que as Finanças não queriam introduzir mais polémica na questão. Soube-se, posteriormente, que Amorim ofereceu menos e o Banco Finantia mais.»
BES/BPI
A fusão falhada entre o BES e o BPI deixou o mercado à espera de muitas explicações, que nunca foram dadas. Como em pouco menos de três meses aquilo que parecia um processo desejado e estudado se desmoronou? A família Espírito Santo, detentora de um dos mais influentes bancos então existentes, não quis ver o seu poder diluído numa instituição que nascia para ganhar dimensão num mercado cada vez mais concorrencial.
«Mas inesperadamente tudo mudava. O mal-estar detectado por muitos tinha uma razão de ser. Na véspera da assembleia geral do BPI, na qual os seus accionistas iriam pronunciar-se sobre a operação, Ricardo Salgado comunicava a Artur Santos Silva que não havia condições para a fusão se concretizar. Foi um balde de água fria. E sem qualquer explicação.
No fim-de-semana antes das assembleias dos dois bancos tinha decorrido uma reunião da família Espírito Santo, onde o tema em análise tinha sido a operação com o BPI. Como já se referiu, com a fusão a família via reduzida para trinta por cento a sua participação no novo banco. A perda da maioria não deverá ter agradado a alguns dos seus membros, que fizeram saber o seu desacordo.
Ricardo Salgado, confrontado com esta oposição interna, nada mais podia fazer do que comunicar à outra parte a sua desistência.
Os dois bancos optaram por revelar ao mercado o fim da fusão num lacónico comunicado, sem explicações, emitido às dez da noite do dia 28 de Março. Guterres e Pina Moura foram informados nessa mesma altura, durante um jantar a decorrer na Câmara de Comércio Luso-Alemã. BES e BPI tinham acordado não dar mais explicações, uma espécie de pacto de silêncio para não perturbar o andamento dos mercados, ou seja, a cotação das suas instituições.»
BPP/Finantia
Este caso foi o primeiro e único «chumbo» de secretaria na história das fusões e aquisições bancárias em Portugal. O Banco de Portugal disse não à compra de 33 por cento do Finantia por parte do BPP de João Rendeiro, dois bancos que antes tinham também falhado uma fusão amigável.
«Mas era um BPP pujante e bem-sucedido que, em Março de 2001, decidia entrar na onda de fusões e aquisições em Portugal. O alvo definido foi o Banco Finantia e o objectivo visado era o de avançar para uma fusão.
No ano 2000, as duas instituições partilhavam uma intenção comum: crescer, com especial incidência na área do crédito.
O Banco Finantia, como já se viu, acumulava duas tentativas falhadas de crescimento pela via de aquisições, dois concursos públicos perdidos, o do Pinto e Sotto Mayor e o do Fomento e Exterior. Os planos de crescimento mantinham-se e o banco liderado por António Guerreiro continua a equacionar outras formas. O Finantia tinha nascido a partir de uma sociedade de investimentos transformada em banco em 1992 e tentara ganhar dimensão através da entrada no retalho, o que falhou. Mas o crescimento podia ser alcançado por outros caminhos.
Assim, os responsáveis do BPP e do Finantia iniciaram negociações com vista a uma possível fusão das duas instituições. Apesar de actuarem em segmentos de mercado idênticos, o Finantia apresentava uma mais-valia em relação ao BPP, ou seja, a sua actuação no crédito automóvel, um negócio em franco crescimento, além de uma presença igualmente forte no corporate.
A iniciativa do estudo de uma possível fusão partiu do presidente do BPP, que contactou o management do Finantia. Houve vários encontros, como conta ainda João Rendeiro. Mas todos eles inconclusivos. O desacordo incidia sempre sobre o mesmo ponto, segundo o presidente do BPP. “Ele (António Guerreiro) queria ser o presidente, enquanto eu defendia uma presidência partilhada”, refere ainda. Para o presidente do Finantia, tratou-se de “uma questão de cultura” financeira, como nos conta, atendendo às diferentes identidades e percursos profissionais dos dois presidentes.»
BCP/BPI
Foi o caso mais recente e talvez por isso o mais mediático de todos. O BCP lançou em 2006 uma OPA sobre o BPI, uma decisão do seu jovem presidente Paulo Teixeira Pinto, apenas um dos vários acontecimentos que varreram a vida do BCP em apenas dois anos.
«Não se sabe em concreto se a decisão de avançar com a OPA foi um acto isolado de Teixeira Pinto ou se teve o apoio de algum administrador mais próximo ou mesmo do próprio Jardim Gonçalves. O certo é que nem o administrador financeiro, António Rodrigues, soube da intenção, nem tão-pouco discutiu o contrato de assessoria assinado com a UBS, uma factura de cerca de 85 milhões de euros, contra um valor em torno dos trinta a 35 milhões praticado no mercado para este tipo de acompanhamento técnico… A administração do BCP tinha sido posta ao corrente da operação no domingo anterior, num jantar que teve lugar no Porto.
Não existe ingenuidade neste tipo de operações. Apenas, quem sabe, excesso de optimismo, ou até mesmo fé. Deveria ser este o caso de Paulo Teixeira Pinto, que não podia estar mais enganado quanto ao carácter “não hostil”. Quem o determina não é quem se propõe a comprar, mas quem está (ou não) disposto a vender. Com esta OPA, o BCP iria encontrar a maior oposição jamais manifestada a uma operação desta natureza em Portugal.
E não foi apenas o carácter combativo do presidente executivo do BPI, Fernando Ulrich, que marcou cada passo desta operação. Para uma OPA ter sucesso só necessita de uma premissa: que os accionistas queiram vender. No BPI, durante o ano que se seguiu, este foi o grande combate do BCP, ou seja, encontrar quem tivesse disposto a ceder a sua posição de forma a coroar de êxito a operação. Uma brecha apenas que conseguisse desmoronar a união accionista em torno da resistência à OPA.»