Contar um segredo a alguém é um ato de fé. Partilhar informações sensíveis com um aliado não é diferente. Ao revelar as informações fornecidas por um aliado dos EUA ao embaixador e ministro russo dos Negócios Estrangeiros numa reunião na Sala Oval na semana passada, o presidente Donald Trump demonstrou que não se pode confiar nele, e causou danos profundos à segurança nacional dos EUA..Todas as relações de intercâmbio de informações têm as suas regras e regulamentos. Mas, embora os acordos escritos façam muitas vezes parte do protocolo, a partilha de informações sensíveis não se baseia em qualquer contrato. Em vez disso, alicerça-se na confiança mútua construída ao longo dos anos, incluindo a proteção de segredos que cada lado obtém através de trabalho duro e muitas vezes perigoso..A confiança entre os serviços secretos é um bem perecível; na verdade, existe uma ameaça implícita de que uma traição, ou mesmo uma revelação por equívoco, pode levar a um rompimento de relações imediato. Na semana passada, Trump arriscou exatamente isso, ao demonstrar aos serviços secretos de todo o mundo que não faz ideia do que significa a palavra confiança..Os factos mais importantes sobre as revelações de Trump aos seus visitantes russos já não estão em discussão. Os grandes meios de comunicação usaram várias fontes para relatar um monólogo presidencial que descreve, entre outras coisas, planos novos e inovadores do Estado Islâmico para usar computadores portáteis e explosivos indetetáveis para abater aviões comerciais. Os detalhes que Trump forneceu aos russos incluíram a localização da maquinação e os danos que os dispositivos poderiam causar - factos que teriam sido negados até agora aos aliados europeus dos EUA, por causa das fontes sensíveis envolvidas. Trump afirma que tinha plena autoridade para agir dessa forma, porque os presidentes dos EUA podem desclassificar qua-se tudo o que quiserem. O general H. McMaster, conselheiro de segurança nacional de Trump, afirmou que este não revelou nada aos russos sobre as "fontes e métodos" usados para obter as informações divulgadas. Sem dúvida que surgirão mais informações sobre as conversas..Mas quaisquer que sejam os novos detalhes revelados não irão mudar o facto de que o que Trump fez foi histórico. E essa história terá impacto na comunidade dos serviços secretos dos EUA - e nos interesses americanos no exterior - no futuro..Para o diretor dos serviços de informação nacional americano, Dan Coates, e para os chefes das suas 16 agências de informação, a pergunta é óbvia: irá o presidente proteger as informações mais sensíveis do país? A questão vai mudar completamente a relação das agências com o presidente dos EUA, embora a principal prioridade daquelas tenha sido sempre estarem ao serviço deste..Consideremos o briefing diário do presidente. Criado na década de 1960 pela CIA, o PDB, como é conhecido, fornece ao presidente todas as manhãs a análise e os relatórios em bruto que a comunidade de serviços secretos obtém das suas fontes mais sensíveis. O briefing é adaptado a cada ocupante da Sala Oval. O que podem agora pôr na secretária de Trump as agências que gerem operações de recolha de informações, incluindo a proteção de sistemas técnicos no valor de muitos milhares de milhões de dólares e fontes humanas vulneráveis?.A questão não é menos urgente para os parceiros dos serviços secretos americanos no exterior. Nenhum serviço de informações pode sobreviver - e muito menos ter sucesso - operando sozinho, e estabelecer ligações com os EUA, em particular, é vital. Os laços dos serviços secretos dos Estados Unidos vão da colaboração íntima com os parceiros da Segunda Guerra Mundial, membros da NATO e aliados asiáticos até uma cooperação politicamente sensível e, portanto, menos divulgada com outras partes do mundo..Naturalmente, os riscos associados às ligações dos países com os EUA variam muito. Fugas, descarregamentos de dados e outras revelações - como as de Chelsea Manning e Edward Snowden - expuseram uma variedade de relações entre serviços secretos e informações confidenciais. Envergonharam alguns líderes políticos, perturbaram outros e, em vários casos, perturbaram as relações com os EUA..Neste ponto, não se pode saber como as revelações russas de Trump serão avaliadas pelos líderes de serviços de informação no exterior, inclusive se isso afetará a sua disposição de partilhar informações com colegas americanos. Mas, dadas as revelações passadas, o potencial de consequências deve ser considerado. Seria ingenuidade acreditar que as divulgações de Trump não desencadearam já avaliações de risco em capitais por todo o mundo, incluindo análises custo-benefício do fornecimento de informações sensíveis a parceiros dos EUA..Seja qual for o resultado dessas análises, fica claro que Trump não ajudou os agentes secretos dos EUA em todo o mundo. Muitos deles mantêm empregos que se concentram na construção de relações pessoais com colegas de profissão que têm a responsabilidade de proteger as informações duramente conseguidas e as fontes dos seus serviços. Embora as atitudes pessoais desses parceiros possam não mudar, é uma aposta segura dizer-se que as suas cadeias de comando vão pensar duas vezes em autorizar a libertação de informação sensível que poderia acabar nas caixas de entrada da Casa Branca, particularmente se essa informação incluir conhecimento sobre o que o Kremlin anda a preparar..Mesmo que o interesse pela última indiscrição de Trump se desvaneça, as suas relações - e as relações dos seus associados - com a Rússia continuam a ser um assunto de muito interesse, sublinhado pela nomeação de um conselho especial para investigar essas ligações. Perante isto, a resposta da administração Trump ao comportamento cada vez mais assertivo do Kremlin no que era anteriormente a esfera de influência da União Soviética - da Europa de Leste aos países Bálticos - também será observada com atenção nos próximos meses..É improvável que as manchetes de notícias revelem os danos que Trump infligiu nas relações de partilha de informação dos Estados Unidos com a sua incapacidade de compreender a sua responsabilidade de proteger informações vitais para a segurança nacional. Tal como as informações sensíveis cuidadosamente coligidas, as provas desses danos serão acumuladas gradualmente, à medida que amigos e aliados mantiverem os seus conselhos - e os seus conhecimentos - para si próprios. Os EUA podem ter sido durante muito tempo um parceiro crucial na troca de informações. Mas, com Trump no comando, a partilha de informações com os EUA pode apresentar-se mais como um risco desnecessário, se não incomportável, do que como uma vantagem..Kent Harrington, ex-analista sénior da CIA, foi diretor nacional de Informação para a Ásia Oriental e chefe da Delegação na Ásia, e diretor de Assuntos Públicos da CIA