As incertezas de Trump

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São escassas as certezas quanto à política externa do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Sabe-se, é certo, que o relacionamento com a China se adivinha espinhoso. Sabe-se, também, que futuras negociações referentes às regras que pautam o comércio internacional não serão nada fáceis.

Sabe-se, ainda, que a afirmação do poderio internacional americano se irá fazer de forma mais crua e confrontacional. E, atendendo às afirmações recentes do presidente eleito, sabe-se finalmente que Trump tenciona arquitetar uma relação de proximidade com o homólogo russo, Vladimir Putin, por quem diz nutrir "admiração".

À semelhança de Donald Trump, Barack Obama chegou à Casa Branca determinado a inaugurar uma "era de cooperação" com a Rússia, intenção expressa no célebre reset das relações entre os dois Estados. Passados escassos meses, o irrealismo inerente a esta abordagem tornava-se evidente. Confrontado com o fracasso do reset e a agressão russa na Ucrânia, Obama limitar-se-ia a afirmar uma tépida resposta à invasão e subsequente anexação da Crimeia. Em reação à guerra iniciada por Moscovo no Leste da Ucrânia, responderia com um brando regime de sanções.

Se é verdade que, hoje, Obama reconhece que a Rússia se transformou numa potência revisionista, disposta a recorrer à força para alterar os equilíbrios europeus, é igualmente certo que se revelou incapaz de articular uma estratégia suficientemente robusta para dissuadir a agressão de Putin.

Ao contrário de Obama, Trump rejeita as evidências de que a Rússia se converteu numa ameaça estratégica para a União Europeia e para os Estados Unidos. No entender do presidente eleito, a Rússia é uma potência normal, que aceita a ordem europeia vigente. Na realidade, há muito que esta leitura benigna das intenções geopolíticas do Kremlin deixou de aderir à realidade. É certo que, durante os anos de Boris Ieltsin, a Rússia empenhou-se em desmontar as estruturas do totalitarismo soviético e em estabelecer um regime democrático. No tocante à política externa, as relações com a Europa e os EUA assistiram a uma melhoria significativa e ao desanuviamento das tensões que caracterizaram a Guerra Fria. Mas tudo mudou com Vladimir Putin, que transformou a Rússia numa ameaça à segurança e estabilidade europeias.

Tal como os dirigentes soviéticos que o antecederam, Putin visa provocar divisões entre os Estados Unidos e os seus aliados europeus, contribuindo assim para o enfraquecimento da NATO e da União Europeia. Recorrendo a inúmeras provocações e à agressão militar, Putin tem sistematicamente testado a coesão da União Europeia e da NATO. Através do apoio político e financeiro que concede a partidos populistas que advogam o desmantelamento da União Europeia e da NATO, a Rússia amplia a sua influência em todo o continente. Ao mesmo tempo, nas ex-repúblicas soviéticas, particularmente nos Estados bálticos, as declarações proferidas por Trump durante a campanha eleitoral suscitaram dúvidas quanto ao compromisso dos EUA com a defesa dos aliados europeus.

As afirmações de Trump sobre a partilha de custos no interior da Aliança Atlântica não são novidade na medida em que, há décadas, os americanos insistem que os europeus terão de assegurar uma fatia maior dos gastos de defesa. Trump disse o óbvio: porque apenas cinco dos 27 membros da NATO cumprem o acordo que estipula o dever de atribuir 2% do PIB à defesa, o esforço europeu é claramente insuficiente. Mas Trump não se ficou pela constatação da evidência. Acrescentou que, na ausência de uma partilha de custos equitativa, o compromisso de defesa americano com os aliados poderia deixar de ser incondicional. Dito de forma diferente, a garantia do chapéu nuclear deixaria de ser inequívoca. Levantou-se assim a dúvida quanto à validade do Artigo 5.º da NATO, o pilar fundamental da coesão da Aliança.

Ao suscitar a dúvida relativamente à garantia nuclear americana, Trump levantou interrogações quanto ao futuro próximo. Que concessões fará para selar o entendimento pretendido com Putin? Sacrificará a Ucrânia, aceitando a anexação da Crimeia? As sanções serão abandonadas? Qualquer capitulação desta natureza sinalizará a quebra de solidariedade com um país vítima da agressão russa - e o abandono do princípio da inviolabilidade das fronteiras europeias. As consequências de tal mudança de postura serão vastas, e particularmente nefastas para a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia, países que ocupam a linha da frente da resistência às investidas bélicas do Kremlin.

Numa conjuntura marcada pela incerteza e por vertiginosas alterações do clima estratégico mundial, torna-se imprescindível reforçar a solidez da relação transatlântica. Se é verdade que os europeus terão de se comprometer com uma fatia maior dos custos da sua defesa, é igualmente verdade que o novo presidente dos EUA terá de compreender que, perante uma Rússia ultranacionalista e expansionista, eventuais tentativas de apaziguamento servirão apenas para minar a coesão da Aliança Atlântica.

As declarações recentes de Trump fizeram estragos profundos. Resta esperar que, mais tarde ou mais cedo, perceba que a estabilidade europeia não se garante minando a coesão da NATO em troca de um ilusório acordo com Vladimir Putin.

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