As Fraquezas Armadas do Brasil
Não é incomum que os líderes da organização criminosa PCC recomendem, de vez em quando, recato aos seus subordinados numa estratégia de apaziguamento da relação com as autoridades. Incomum é o comandante do Exército sentir-se obrigado, como se sentiu na sexta-feira, 18, a pedir mais ou menos o mesmo aos soldados do Brasil: "Pautem-se pela legalidade", solicitou.
Sob Jair Bolsonaro, a instituição militar chegou ao ponto mais baixo da sua história. Não surpreende.
Revisitemos, para começar, o escândalo das joias do ex-presidente, que faz da comédia Snatch: Porcos e Diamantes (Guy Ritchie, 2000) parecer um filme sério.
O protagonista é um tenente-coronel do Exército preso desde maio por suspeita de adulteração dos cartões de vacinação dele e de Bolsonaro.
Cabia-lhe, na condição de faz-tudo da presidência, vender as joias recebidas pelo então chefe de Estado em viagens oficiais ao Médio Oriente e repassar-lhe o produto das transações (em dinheiro vivo para não deixar rastro).
Para o ajudar, pediu ao pai general, ex-colega de turma de Bolsonaro, para fotografar as joias e vendê-las em Miami. No reflexo de uma das fotos, aparece, incriminatória, a cara do dito general.
Já a um segundo-tenente do Exército foi dada a missão de vender um relógio num leilão em Nova Iorque. E a um coronel que cuidava do acervo presidencial a de manter cúmplice silêncio.
A operação de desvio de joias públicas para o bolso de Bolsonaro, entretanto, vem de 2021, quando um almirante da Marinha - e ministro - omitiu informações à Alfândega para fazer as peças entrarem no Brasil, com a ajuda de um contra-almirante e a participação de dois tenentes e de um segundo-tenente.
Para ajudar nas contas, já vamos em nove oficiais.
No caso dos ataques às sedes dos Três Poderes, há, segundo lista do jornal Folha de S. Paulo, dois generais, oito coronéis, um major e um sargento na mira da Polícia Federal por inércia ou envolvimento direto na tentativa do (atrapalhado) golpe de Estado.
Nove mais 12 igual a 21.
Um coronel está sob investigação por ter atacado, sem provas, a segurança das urnas eletrónicas e um sargento, por convocar militares para o golpe, consta de inquérito sobre "milícias digitais". Chegamos a 23.
O jornal O Globo enumerou, por outro lado, 10 militares indiciados pelos crimes na pandemia que matou 705 mil brasileiros: um general, três coronéis, três tenentes-coronéis, um capitão e um sargento, dois deles ex-ministros, além, claro, de outro general, o ministro da Saúde, acusado dos crimes de epidemia com resultado em morte, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e crimes contra a Humanidade.
O Governo Bolsonaro gerou, portanto, 33 potenciais ladrões de joias, golpistas e genocidas nas Forças Armadas, a instituição que no bolsonarismo foi ainda notícia por gastar fortunas em whisky, Viagra e próteses penianas.
Assim como o Exército Romano apoiou Nero, alguns oficiais brasileiros sedentos de poder e dinheiro abraçaram BolsoNero, perdão, Bolsonaro.
Mesmo depois de, numa avaliação interna de 1987 do Ministério do Exército, ele ter sido classificado como "dono de excessiva ambição em realizar-se financeiramente". E de, em 1993, Ernesto Geisel, penúltimo dos presidentes da ditadura, o descrever como "caso fora do normal de mau militar".
Não surpreende, pois, que a instituição militar tenha chegado ao ponto mais baixo da sua história sob Bolsonaro.
Jornalista, correspondente em São Paulo