As farmácias que vieram do espaço para ficar em Lisboa

São kits portáteis com comprimidos e ampolas, tudo identificado com etiquetas. Viajaram para órbita nos vaivéns da NASA e podem ser vistos no Museu da Farmácia
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O médico e cosmonauta russo Boris Morukov viajou no vaivém Atlantis, numa missão da NASA e da agência espacial russa Roscosmos, em setembro do ano 2000, com uma tarefa muito concreta: preparar a estação espacial internacional ISS para receber a sua primeira tripulação permanente, o que aconteceu menos de dois meses depois, a 2 de novembro. Cumpriram-se 15 anos na semana passada. Desse voo que serviu para montar baterias e conversores de energia, e deixar a estação habitável, Portugal guarda hoje, no Museu de Farmácia, em Lisboa, o kit de medicina que Boris Morukov levou a bordo para tratar da saúde da tripulação. Foi o próprio cosmonauta - falecido, entretanto, este ano em Moscovo, vítima de um acidente - que veio trazê-lo a Lisboa, para o doar ao Museu da Farmácia, em 2004.

No kit, cujas etiquetas e instruções estão escritas no alfabeto cirílico - indecifrável para quem não estudou russo -, há um pouco de tudo, e tudo muito bem arrumado num espaço reduzido. Há ali gazes em saquetas estanques, toalhetes, comprimidos, ampolas com líquidos incolores e, porque a saúde no espaço não quer dizer apenas medicamentos, não faltam ali também exemplos de uma boa alimentação espacial: sumo em pó, damascos secos, e até uma lata de costeletas de porco com ovo. Na vitrina ao lado, outro kit de farmácia, esse da NASA, que também fez uma viagem de ida e volta ao espaço, a bordo do vaivém Endeauvour, em 2002.

Foi, aliás, por aqui que começou a história dos medicamentos do espaço que podem ser visitados no Museu de Farmácia.O céu cheio de estrelas"Uma noite, no verão de 1999, estava a passear com a minha filha e ela chamou-me a atenção para o céu cheio de estrelas", conta o historiador João Neto, diretor do Museu da Farmácia. "Ocorreu-me então que não tinha nada relacionado com o espaço no museu e pensei que tinha de resolver isso."Começou ali um longo período de correspondência com a NASA, para que esta disponibilizasse material para exposição no museu, em Lisboa. "Lembro-me de que nas primeiras três cartas o endereço dizia, Museu da Farmácia, Lisboa, Portugal, Espanha. Tive de lhes explicar que Espanha é outro país", recorda João Neto, divertido.E, em 2003, foi a concretização da ideia. O museu promoveu nesse ano as suas primeiras jornadas sobre a saúde no espaço, nas quais participou o então conselheiro chefe da NASA para a saúde aerospacial, Arnauld Nicogossian, que trouxe consigo o kit de farmácia que no ano anterior tinha viajado para órbita com a tripulação do vaivém Endeavour. Um conjunto de frasquinhos e tabletes de comprimidos acondicionados em sacos de design moderno e de cor azul-celeste, que é marca da NASA.

"Faltava-nos um kit idêntico dos russos e então pus-me em campo", lembra João Neto. Com o apoio do então embaixador russo em Portugal, Bakhtiyor Hakimov, e com ajuda do próprio Arnauld Nicogossian, que tinha relações de colaboração com a Roscosmos por causa das missões conjuntas das duas agências espaciais, foi possível trazer no ano seguinte a Lisboa o cosmonauta Boris Morukov, que trouxe consigo o kit de farmácia que ele próprio tinha levado para o espaço na sua anterior missão, e que ele doou ao museu.Nas farmácias do espaço há um pouco de tudo, porque os problemas de saúde potenciais lá em cima, em situação de microgravidade, também são múltiplos. Alergias, náuseas, insónias, perda de massa muscular e óssea, o rol vai por aí fora. Por isso, naqueles vários compartimentos muito bem acondicionados de farmácias portáteis há anti-histamínicos para tratar alergias, calmantes contra as insónias, comprimidos de cálcio para combater a osteoporose - por cada mês em órbita, os astronautas perdem em média um a dois por cento de densidade óssea -, reguladores da atividade intestinal (no espaço ela também fica alterada), ou ainda produtos como a morfina, para dores muito intensas, atropina, para combater arritmias cardíacas, ou deconol, para tratar constipações e tosses. Agora, no Museu da Farmácia, só está a faltar um kit da ESA, a Agência Espacial Europeia. Mas o seu diretor já está a tratar disso.

"Estabelecemos contacto com a ESA nesse sentido, porque é importante termos aqui também o lado europeu, mas ainda não tivemos resposta", diz João Neto. E conclui: "Vamos continuar a tentar."

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