Assiste-se hoje a uma confrontação interessante quanto à dose certa de austeridade a aplicar em Portugal, na boca de figuras de topo do PSD. Pedro Passos Coelho reafirma o rumo seguido, os resultados animadores que a UE e o FMI vêm reiteradamente validando, e a vontade do Governo de acelerar a transformação estrutural da economia. Em sentido contrário pronuncia--se Manuela Ferreira Leite: a dose de austeridade aplicada é excessiva e está a destruir tecido empresarial a mais, logo tem de ser rapidamente abrandada mediante a renegociação de prazos para a redução do défice e da dívida do Estado com os parceiros da troika. Precisamente tudo aquilo que o primeiro--ministro repete não querer em circunstância alguma..O tema é importante e baliza dois caminhos para superar a crise de sobre-endividamento e para relançar a atividade económica em Portugal. Passos Coelho confia nos estímulos à reorientação produtiva, induzidos de cima para baixo, ou seja, com fortes constrangimentos austeritários para modernizar as empresas, os seus processos produtivos e a sua abertura à internacionalização. Para que tudo aconteça quanto antes, será feito sob a pressão da descida a marchas forçadas da procura interna. A destruição de empresas e de postos de trabalho, sendo dolorosa, corresponderia a uma acelerada "destruição criativa" (no dizer de Schumpeter), da qual nascerá a nova oferta competitiva e o crescimento económico por muitos anos..Já Ferreira Leite preconiza um processo menos penalizador para o consumo das famílias e para o investimento das empresas no mercado interno, que sustente, de baixo para cima, um arranque económico suscetível de ajudar mais a reduzir os défices públicos, com um crescimento real da economia mais robusto a curto prazo, mais receita fiscal e menos despesas sociais (desemprego). A nível europeu também as águas se separam neste ponto. Em fins de junho veremos qual das vias triunfará..A lição do Cairo.Cumpriram-se segunda-feira três anos sobre o discurso de Barack Obama ao mundo muçulmano no Cairo. Nele, além de sustentar a legitimidade da existência do Estado de Israel, o Presidente dos EUA pediu àqueles que "estão no poder pelo engano e pela corrupção" para "abrirem a mão". O discurso não pareceu surtir efeito nos regimes árabes e do Médio Oriente. Até que a morte de um pequeno comerciante em dezembro de 2010 na Tunísia veio mudar tudo. O que se passou desde então é história. Uma história que continua a escrever-se nas ruas da capital egípcia..A Praça Tahrir voltou ontem a ser palco de importante mobilização popular contestando o veredicto no julgamento do ex-presidente Mubarak e de alguns dos seus próximos. Esta mobilização não pode ser dissociada do processo eleitoral egípcio, da estratégia da Irmandade Muçulmana e das oposições ao poder dos militares. Mas é também sinal de algo mais importante, uma lição a reter por antigos, atuais e futuros dirigentes a quem era dirigido o discurso de Obama - a menoridade política está em vias de extinção no mundo árabe.