As decisões do Banco Central versus a dignidade da vida das pessoas
Seguramente para a maioria dos portugueses a grande preocupação do momento é a inflação e a subida das taxas de juro. A senhora Lagarde, de cuja política discordo (ainda que eu não saiba nada de economia e finanças), vem dizer que, se diminuirmos o poder de compra das pessoas, dentro de pouco tempo (2 a 3 anos) a inflação volta a índices normais e a nossa vida volta à normalidade. Nenhum de nós teria nada a opor a esta estratégia, se o nosso vencimento fosse igual ao da Sra. Lagarde. Em ordenados de 1000€ ao dia, não há necessidade de empréstimos bancários para comprar casa e, ainda que houvesse uma subida de 500€/mês na prestação da casa, representaria uma descida do poder de compra de 2%. Já para o cidadão português que ganha 1200€, se a prestação subir 120€, isso representa uma perda de poder de compra de 10%.
Nos tempos mais recentes tenho-me cruzado com gente que teve de encontrar um segundo emprego ou até com quem teve de deixar tudo, incluindo a família, e emigrar procurando vidas melhores, só para não ter de entregar a casa ao banco.
É verdade que António Costa se tem manifestado contra a política e as opções do Banco Central e prometeu ajudar no caso dos créditos à habitação, mas falta ter em conta outras situações igualmente alarmantes, como os que fizeram empréstimos para estudar e também não conseguem pagar as subidas das taxas de juro.
A Europa precisa de encontrar formas de dinamizar a economia, conter a inflação e ajudar as pessoas a terem vida, com trabalho justamente remunerado, com acesso à alimentação e à habitação a preços acessíveis. Nenhum povo se contém por muito tempo, quando percebe o desgaste da classe média e o seu empurrar para escalões cada vez mais distantes dos padrões médios de vida. Não podemos viver no continente dos iates, dos carros de luxo, das mansões, dos ordenados e lucros bilionários e não criar oportunidades para que os cidadãos que trabalham de forma merecedora e abnegada não tenham um salário que lhes permita falar de trabalho justo.
O Governo Português tem aqui uma missão difícil, mas absolutamente necessária: a de apoiar as famílias evitando que percam a casa, que deixam de estudar ou que entrem em falência económica, pondo em causa uma vida sã e digna. É que a crise não tem a mesma dimensão nos ordenados do lado de lá dos Pirenéus ou na Península... e mesmo na Península, o custo de vida, muito à custa de menores impostos nos combustíveis, começa a ser mais favorável no reino de Castela.
Esperamos, pois, que os supostos "últimos" milhões que a Europa nos disponibiliza através do PRR e do Portugal 2030 não sejam gastos, mas aplicados, na melhoria de vida de todos nós.
Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra