As culpas de Sánchez no crescimento do Vox
resultado eleitoral do Vox, um partido por muitos classificado como de extrema-direita, foi amplamente noticiado em Portugal: de repente, na Andaluzia, a mais socialista das comunidades autónomas, apareceu meio milhão de fascistas. É normal o destaque dado aos resultados dessas eleições, até pelo que têm de inédito. Pela primeira vez a esquerda perdeu a maioria e os socialistas não formarão governo. Nem quando surgiu o escândalo ERE, envolvendo socialistas em corrupção, isso sucedera.
Os resultados foram uma hecatombe para o PSOE. Previa-se uma descida, pelo desgaste de décadas de poder, com perda de votos para a formação do Podemos (Adelante Andaluzia), mas nunca se imaginou a perda da maioria de esquerda que sempre lhes permitiu governar.
Porque é que os socialistas ficaram em casa ou votaram na direita? Porque é que o Podemos desceu? Porque é que o PP perdeu votos? Porque é que só Ciudadanos e Vox conseguiram crescer de forma fulgurante? A resposta está relacionada com a questão catalã, que condiciona o debate em Espanha de tal forma que os partidos são vistos à luz das suas posições sobre ela. E disso não se tem falado cá. E convinha prestar atenção à questão, porque ela explica muita coisa.
A maioria do eleitorado espanhol é soberanista, rejeitando a independência unilateral de qualquer uma das comunidades. O sentimento soberanista é tão maioritário que o Podemos nem se atreve a ser claro sobre o que pensa da matéria, refugiando-se em declarações equívocas, mesmo na Catalunha.
Esse eleitorado foi confrontado com a aliança, a nível nacional, de Pedro Sánchez com a extrema-esquerda do Podemos, com os partidos independentistas e os pró-etarras. Uma aliança que serviria apenas para a censura a Rajoy. Sucede que, uma vez na Moncloa, Sánchez esqueceu as eleições.
O PSOE ficou refém da extrema-esquerda, dos independentistas e dos pró-terroristas, a governar sem orçamento, com propostas negociadas na prisão, incapaz de condenar deputados que cuspiram em ministros do seu governo, a ceder para se manter no poder.
Tudo isso foi explorado na campanha, com Susana Díaz, desesperada, a querer falar apenas da Andaluzia. Os ministros socialistas, e o próprio Sánchez, quase nem apareceram. Debalde, porque só se falou de Catalunha e independentismo e cedências absurdas a inimigos da Constituição.
O eleitorado soberanista, moderado, reagiu em conformidade, como não poderia deixar de reagir. Não é possível assistir-se a uma normalização, pelo PSOE, de partidos pró-ETA ou independentistas ou de extrema-esquerda, dando-lhes um inusitado papel de comando, e depois não esperar uma reação de indignação, uma contrarresposta.
E eis porque, nestas eleições, os únicos partidos que cresceram, Vox e Ciudadanos, foram os únicos com um robusto discurso soberanista, capazes não só de representar a mudança mas também de travar a degradação que os socialistas estão a emprestar ao consenso constitucional.
O Podemos não conseguiu subir porque faz parte do problema. E o novo líder do PP, que reforçou o discurso soberanista, não está há tempo suficiente na liderança para fazer esquecer as críticas à vacilante reação de Rajoy ao independentismo, com a qual Casado de alguma forma colaborou.
Dir-se-ia que, existindo Ciudadanos, nada obrigaria ao voto no Vox. Sucede que a polarização à esquerda, ao independentismo, à tolerância com o terrorismo, abre espaço, quando não legitima, uma polarização à direita. É um círculo vicioso. E Sánchez, que jogou nisso para chegar ao poder, sofre agora as consequências.
(Sobre o Vox, recomendo a leitura de "Un muro infranqueable", de Cayetana Álvarez de Toledo, no El Mundo, e "El colectivismo de derechas también es una amenaza para la libertad", de Juan Ramón Rallo, no El Confidencial, dois artigos que resumem bem o que penso sobre o partido).
Advogado e vice-presidente do CDS