As contradições de Passos
No passado fim de semana, Pedro Passos Coelho decretou o fim do luto a que se tinha votado após os acontecimentos que se seguiram ao 4 de outubro de 2015. Os últimos meses foram marcados pelo ressentimento e a amargura, pela revolta e a indignação, pela azia e a crispação. Se calhar faz parte e é natural, afinal de contas foi o presidente do PSD quem ganhou as eleições e, apesar disso, não é primeiro-ministro. Foi aliás no Parlamento que caiu e acabou "nomeado" líder da oposição. Ao reconhecer a legitimidade do atual governo minoritário do PS e a consistência da solução de suporte que foi encontrada pelos partidos à esquerda, Passos Coelho prestou, honra lhe seja, um bom serviço à democracia. Desde logo, liberta o PSD do discurso da usurpação e do golpe que tem sido o seu permitindo o regresso à política e a afirmação do partido na liderança da oposição. Ao mesmo tempo, concede mais tempo ao governo do PS e, por definição, alarga também o prazo de validade da sua liderança na medida em que o seu futuro político é indissociável do destino de António Costa. Isto é, se o tempo lhe der razão, como se convenceu, e a experiência governativa das esquerdas correr mal, Passos Coelho pode beneficiar de algum oxigénio para aplicar o programa da coligação PAF. Mas se, pelo contrário, António Costa for bem-sucedido, o líder do PSD está condenado. Na verdade, num caso ou noutro, o destino do ex-primeiro-ministro não é brilhante, porque correndo mal a vida a António Costa o país é arrastado para o abismo e Passos Coelho não se livra da imagem de ter apostado no quanto pior melhor para assim tentar garantir a sobrevivência política. Assumidamente na oposição e "sem pressa" de ir para eleições, espera-se agora que Pedro Passos Coelha cumpra o seu papel. Não que se reinvente ou que seja o que nunca foi. Isso seria exigir-lhe a incoerência. Mas foi ele quem caiu na contradição de se travestir de social-democrata. Quem ouviu os discursos feitos em Espinho, na verdade foi sempre o mesmo, e olhou com rigor para a renovação (?!) que foi promovida não pode deixar de constatar o embuste: a afirmação da social-democracia sempre não passa de um slogan vazio que não é compatível com a visão de que o Estado é um empecilho que é preciso demolir, de que o SNS e a escola pública são para pobres porque os outros terão o seu lugar nos privados, e outras opções que resultam de uma visão pouco universal do Estado social. E é a identidade ideológica o maior problema que o PSD e Passos Coelho enfrentam. É que ninguém pode ser aquilo que nunca foi.