As coisas podem piorar
As coisas podem piorar, mesmo quando ninguém espera. Isso é exatamente o que está a acontecer com as relações israelo-russas. Por si só, a relação bilateral entre Israel e qualquer país não deveria ser tão importante, mas desta vez é, tendo em vista o papel que a Rússia conseguiu construir no Médio Oriente nos últimos anos. Assim, a situação atual está longe de ser bilateral, diz respeito a vários países com consequências totalmente imprevisíveis no momento atual.
Tudo começou a descambar após as críticas à invasão russa da Ucrânia feitas por Yair Lapid, ministro israelita dos Negócios Estrangeiros. Moscovo entendeu as suas palavras como uma escolha por um lado do atual conflito e a resposta vinda do seu Ministério foi muito crítica. Agora, há troca de declarações sobre o antissemitismo e a colaboração com os nazis durante a Segunda Guerra Mundial. As palavras mais fortes vieram do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, ao dizer que, de acordo com o seu conhecimento, Hitler tinha algum sangue judeu, tentando desvalorizar as alegações de que as origens judaicas do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky o protegem de ser nazi.
A afirmação de que Hitler era judeu já é bem conhecida e é uma das piores acusações antissemitas de judeus como possíveis nazis. Não só esta afirmação nunca foi provada por nenhum historiador sério, como só contribui para mais acusações aos judeus pelas atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, a questão judaica, que não tem importância no conflito russo-ucraniano, está a tornar-se uma das armas mais fortes na guerra de propaganda, com consequências extremamente negativas não apenas para os judeus. A história está a tornar-se um assunto que pode ser adaptado às necessidades atuais neste tipo de propaganda, influenciando a geração jovem a basicamente esquecer os factos e começar a acreditar em mentiras totalmente infundadas. Quem pensou que o mundo conseguiria livrar-se deste tipo de problemas enganou-se. Eles estão de volta, são usados como arma, possivelmente mortais a longo prazo como qualquer outra ferramenta militar.
Para Moscovo, é óbvio que a questão síria, onde eles têm forças e influência fortes não é a prioridade no momento, mas pode facilmente tornar-se mais uma ferramenta que pode mudar a situação da segurança no Médio Oriente. Pode-se dizer que a guerra na Ucrânia mostra agora capacidade de espalhar influência muito negativa para as outras regiões, especialmente aquelas que nunca se estabilizaram o suficiente para resistir às pressões externas.
Do ponto de vista judaico, seria melhor deixá-los de fora desse conflito, no qual não têm influência nem qualquer papel. Dar-lhes uma posição tão artificialmente importante só pode aumentar as manifestações antissemitas em muitos lados do mundo, trazendo de volta os velhos tempos em que eles estavam sempre disponíveis para serem acusados de qualquer coisa em qualquer lugar.
Antigo embaixador da Sérvia em Portugal e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE