As batalhas do Donbass

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Após ter sido derrotado em Kiev a 2 de Abril, quando iniciou o seu recuo rumo ao Donbass, Putin entrou numa estratégia de encontrar a vitória possível, tentando cimentar o poder de Moscovo nas repúblicas de Donetsk e Lugansk e no controlo dos acessos ao Mar de Azov e Mar Negro.

Putin terá reafectado para o leste da Ucrânia o que sobrou do seu dispositivo militar da ofensiva em Kiev. Cerca de noventa batalhões.

Ao mesmo tempo, nomeou um novo comandante das forças russas, um general, Aleksandr Dvornikov, com créditos de barbárie na Síria.

Corrigiu o tiro, portanto!

A decisiva batalha de Donbass vai, assim, ser vital para as futuras ambições de Putin na sua agenda de supremacia territorial e ditará também como vai ser a Ucrânia como país.

O presidente russo quererá conquistar no Donbass, tanto território quanto possível, possibitando-lhe, no futuro, a médio e longo prazo, reactivar os seus desígnios de novas investidas em território ucraniano, sonhando com uma integração total da Ucrânia no espaço de influência russa.

Kiev, por seu turno, terá como objectivo evitar uma fixação das tropas de Putin em todo o Donbass, empurrando-as o mais possível para junto da fronteira original russa. E garantir um eficaz acesso ao mar.

Em última análise, uma vitória clara e inequívoca das forças de Zelensky significava a desrussificação da Ucrânia, a retoma do poder no Donbass e na península da Crimeia, reassumindo assim o território que possuía antes de 2014. Hipótese pouco provável, dado o poderio do exército russo? Sim, hipótese pouco provável, sem dúvida! Contudo, também no início do conflito na Ucrânia ninguém diria que as "invencíveis" forças armadas russas seriam destroçadas às portas de Kiev. E foram!

O exército da Ucrânia parte para esta batalha do Donbass organizado, fortemente apoiado pelo seu povo, que tem sofrido as maiores atrocidades às mãos dos soldados russos, e com o conforto de uma opinião pública mundial chocada com o que a tropa russa tem feito a civis indefesos.

E parte, ainda, com a esperança da concretização de um novo projecto político, expresso nas portas que a União Europeia lhe abriu com a decisiva visita a Kiev de Ursula von der Leyen e Josep Borrel . Portanto, a esperança do horizonte político que os ucranianos mais anseiam!

Não faltará, então, força anímica aos ucranianos para enfrentarem as duras e decisivas batalhas que se aproximam. E, armamento, também é coisa que não deve escassear, dadas as promessas que os numerosos líderes europeus e mundiais têm feito chegar a Zelensky, no sentido de mais armas, e mais modernas, para combater Putin. Está a chegar, diariamente, a Kiev uma dezena de aviões com material militar. Apesar disto a relação dos exércitos é de um para dez, favorável a Moscovo.

Por outro lado, garantir os acessos ao Mar de Azov e ao Mar Negro é vital para a futura consolidação da Ucrânia como estado soberano e independente. Como poderá, futuramente, a Ucrânia sobreviver, economicamente, sem ter saídas marítimas para a sua economia. Como exportará as suas mercadorias? E como importará os produtos de que necessita? Sobretudo como o fará de um modo competitivo e rentável? Ficar como um país, exclusivamente, continental não é coisa que deva estar nos projectos da nomenclatura política ucraniana. Daí, novamente, o carácter decisivo dos confrontos do Donbass.

Mas Donbass será também fulcral para a União Europeia. Está em causa a futura definição das fronteiras ocidentais, o desenho e o limite do projecto europeu a leste.

A União Europeia pode vir a ter um papel vital na reconstrução económica, logística, e nas infraestruturas ucranianas. Mas só o fará se existir uma situação estabilizada, que possibilite um investimento em condições seguras e com perspectiva de futuro.

A aproximação de Bruxelas a Kiev será, igualmente, um factor de segurança para os países que, mais directamente, sofrem as pressões de Moscovo, como os bálticos, a Polónia, a Finlândia e a Suécia.

Todos os factores que enumerei estão dependentes do resultado dos embates militares que venham a verificar-se no Donbass.

No fim da linha poderemos ter uma situação negociada, depois de combates sangrentos e com uma elevada perda de vidas e destruição. Será uma solução frágil e que deixará um acentuado grau de instabilidade na Ucrânia. Será a solução possível! Mas até que surja um processo negocial, teremos a narrativa da guerra, as batalhas de Donbass, que serão determinantes na geopolítica e na configuração futura daquela zona do mundo.

Não é, pois, coisa pouca, o que vai decidir-se em Donbass!

Jornalista

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