Artrite psoriática. Sabe o que é? Provavelmente, só cerca de 50 a 55 mil pessoas é que já ouviram falar da doença, tantas quantas se estima que estejam diagnosticadas em Portugal. Ou melhor, se calhar menos, porque é desconhecida a percentagem de subdiagnóstico da doença. A grande questão - ou melhor, alerta - é que se trata de uma doença que quando não é detetada ou tratada precocemente pode tornar-se irreversível, provocando deformação articular e destruição óssea..A médica, reumatologista e investigadora Elsa Sousa, habituada a ver doentes diariamente na sua consulta que sofrem com a doença e com o impacto que esta provoca nas suas vidas, decidiu avançar com um projeto: uma tese de doutoramento que procurasse respostas que aumentassem o conhecimento científico e melhorassem a qualidade de vida dos doentes..Mas não só. A investigadora confessa ao DN, na véspera de apresentar este trabalho publicamente, que juntou uma equipa de mais de cem profissionais de saúde para conseguir alcançar os resultados que pretendiam, que tinha um outro objetivo para esta tese: "Que constituísse um alerta para a comunidade médica e para a população em geral, de forma a que se possa prevenir e atenuar o impacto da artrite psoriática.".Ao fim de mais de seis anos, a especialista acredita que o objetivo foi alcançado ao conseguirem: mais conhecimento que permitiu definir recomendações e melhorar a prática clínica para um adequado controlo da doença. Elsa Sousa diz ter ficado surpreendida, mas também agradecida com a distinção de melhor tese de doutoramento de 2019 e com o Prémio de Mérito João Lobo Antunes, instituído pelo Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) do Centro Académico da Universidade de Lisboa, logo na sua primeira edição em 2020. "Este é o resultado de um trabalho de equipa em que a metodologia assentou na investigação de translação, mas sem nunca perder de vista os doentes e a prática clínica, numa perspetiva integradora" que considera uma mais-valia para a ciência e para a medicina..Mas, afinal, o que é a artrite psoriática? Nas palavras da médica, é simples de descrever: "Uma doença reumática inflamatória crónica, associada à psoríase, que afeta articulações, tendões, ligamentos e a própria estrutura óssea." Mais. "É uma doença que provoca dor, deformação articular e destruição óssea, e portanto, com um importante impacto no doente, na sua qualidade de vida, mas também com profundas repercussões sociais e económicas.".Elsa Sousa confessa que foi a experiência de mais de 15 anos em consulta que aguçou a sua curiosidade, que suscitou muitas questões e que a levou em busca de respostas para poder fazer mais e melhor pelos doentes. "Se formos curiosos, enquanto médicos, estamos numa posição privilegiada para desenvolver investigação, porque os doentes trazem inovação em si próprios e uma diversidade de desafios que deveremos ter interesse em compreender ", explica do DN..No seu caso, conta, esta curiosidade e formação em metodologias de investigação foi ainda mais estimulada após um estágio em Amesterdão e na Escócia, onde, por exemplo, observou que "os doentes com artrite psoriática já eram abordados em conjunto por dois médicos especialistas, um reumatologista e outro dermatologista, com o objetivo de olhar para a doença como um todo. É esta abordagem holística da medicina que devemos procurar para doenças mais complexas e mais heterogéneas, como é o caso da artrite psoriática". Assumindo: "O desafio para um médico com interesse em investigação, não é assumir e aplicar o conhecimento já estabelecido, mas o de querer gerar conhecimento inovador. Essa é a nossa função e foi esta a motivação que, fez com que surgisse esta tese de doutoramento, com características muito particulares e com uma metodologia de investigação diversificada, mas que teve sempre por base a resposta a questões relevantes para a prática clínica"..Na véspera de apresentar publicamente a tese, dia 4 de maio, Elsa Sousa sublinha que este trabalho teve o apoio do Centro Académico de Medicina de Lisboa, no qual trabalha, e que facilitou a conjugação do trabalho clínico e laboratorial, "de forma profícua, permitindo chegar a resultados interessantes e inovadores, quer na abordagem aos doentes quer em mecanismos da doença"..O resultado está à vista: a distinção pelo empenho e pela inovação que trouxe ao conhecimento científico. Mas não só. Elsa Sousa espera que este trabalho cumpra o seu propósito de sensibilização para esta patologia já que, por vezes, doentes e profissionais poderão desvalorizar os sintomas, associando-os a outras patologias ou à idade, impossibilitando o seu diagnóstico e tratamento atempado. Estimamos que "dos cerca de 250 mil portugueses diagnosticados com psoríase em Portugal, entre 20 a 30% poderão vir a desenvolver artrite psoriática. Se todos estivermos atentos poderemos prevenir e atenuar o impacto da doença, diagnosticando e tratando-a precocemente e melhor, e evitando as consequências mais graves da doença..Foram estes pressupostos que estiveram na base da sua tese de doutoramento que assenta em quatro perguntas fundamentais. "A nossa primeira pergunta era sobre as terapêuticas biotecnológicas, mais inovadoras e eficazes, e como estas eram consideradas pelos reumatologistas dentro da diversidade de opções para o tratamento da doença. Isto levou, em primeiro lugar, a uma revisão da literatura já existente e, depois, ao desenvolvimento de um consenso a nível nacional com recomendações sobre como tratar a artrite psoriática com estes fármacos.".Nesta primeira questão, sustenta a médica, "compreendemos que os reumatologistas portugueses consideravam os fármacos biotecnológicos bloqueadores do fator de necrose tumoral (TNF) como a principal opção para tratar todas as manifestações de artrite psoriática, por terem um efeito muito abrangente e uma eficácia clara. Desde então outros fármacos biotecnológicos sugiram com um perfil similar..Depois, e também motivada pela prática clínica, surge a segunda questão: Quais os fatores que permitiam aos doentes permanecer bem, e durante mais tempo, com os tratamentos biotecnológicos inibidores do TNF? Para obter respostas tiveram de recorrer à base de dados do Registo Nacional de Doentes Reumáticos (Reuma.pt) com diagnóstico de artrite psoriática tratados com estes fármacos. Ao fazer "a análise destes dados conseguimos identificar alguns fatores de persistência e de resposta aos fármacos nesta população", explica, referindo terem sido encontrados outros dados interessantes. "Compreendemos, por exemplo, que os doentes com artrite psoriática e obesidade, tinham menor probabilidade de responder às terapêuticas biotecnológicas. Este achado suporta que na prática clínica, além dos tratamentos farmacológicos, na presença de obesidade, necessitamos de considerar intervenções adicionais como estratégias de redução de peso, para obtermos maiores benefícios nestes doentes.".Em relação às mulheres, e ainda no âmbito de respostas à segunda questão, também foi detetado que estas respondiam pior às terapêuticas inovadoras. Segundo explica a médica, "não tinha que ver com rejeição do tratamento, mas, provavelmente, com o facto de as mulheres desenvolverem uma forma mais grave da doença". Este dado serviu de alerta, levando a equipa a considerar que por apresentarem uma doença mais grave, as mulheres necessitam de abordagens complementares para um melhor controlo da doença..A terceira questão da tese tinha a ver com a avaliação da eficácia dos tratamentos biotecnológicos inibidores do TNF numa manifestação mais específica da artrite psoriática, designada por dactilite, que, explica Elsa Sousa, "traduz-se por um inchaço difuso de um dedo da mão ou pé, reconhecido como "dedo salsicha", uma manifestação de pior prognóstico pelo elevado risco de destruição articular e grande impacto na qualidade de vida dos doentes"..Neste aspeto, "procurámos saber como é que as terapêuticas biotecnológicas inibidoras do TNF ajudavam na melhoria da dactilite, comparativamente com outras terapêuticas convencionais"..A busca por respostas levou à realização de um ensaio clínico a nível nacional, de elevada exigência metodológica, que viria a tornar-se o primeiro a nível mundial a ter como objetivo primário, avaliar esta manifestação da artrite psoriática..Mais uma vez, uma etapa da tese que surgiu motivada pelos doentes. "Acompanhava doentes para os quais não era clara a recomendação do uso destas terapêuticas mais inovadoras, por existir uma lacuna de conhecimento científico nesta área, e isso limitava a prática clínica", argumenta. A evidência gerada veio demonstrar que "a combinação de fármacos inovadores com os convencionais resulta numa eficácia claramente superior, beneficiando mais os doentes do que o uso da terapêutica convencional. O impacto nos doentes traduzia-se pelo alívio mais rápido dos sintomas e uma menor probabilidade de terem consequências mais graves da doença"..A quarta e última questão da tese estava relacionada com os efeitos da terapêutica biotecnológica na remodelação do osso. Para obterem respostas os investigadores utilizaram um modelo animal de ratinho transgénico. O objetivo era perceber de que forma é que esta terapêutica biotecnológica inibidora do TNF atuava no crescimento excessivo de osso, que condiciona perda importante de mobilidade articular nos doentes com artrite psoriática. Com este trabalho os investigadores aperceberam-se que estes fármacos, no modelo animal, melhoraram a inflamação e impediram a formação de "novo" osso. Este achado, e os mecanismos inerentes a este, são muito relevantes pelo impacto que pode ter nos doentes com esta doença..A tese de doutoramento chegou ao fim, mas Elsa Sousa, agora com 44 anos, especialista em reumatologia no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte desde 2004, diz manter o mesmo propósito de quando iniciou a sua prática: "É muito importante sermos curiosos na observação dos nossos doentes, diagnosticarmos com precisão, para conseguirmos intervir precocemente e reduzir, tanto quanto possível, o impacto que estas doenças têm em cada doente individualmente e na população em geral. É isto que nos move e foi isto que nos moveu no percurso desta esta tese."