Artistas decidem eleições nas associações de estudantes
"É o rapaz do The Voice não é?" Comentam duas amigas enquanto no pátio, um jovem ruivo toca guitarra e canta A Paixão de Rui Veloso. O cantor é mesmo do concurso de talentos transmitido pela RTP e está no pátio do Liceu Camões, em Lisboa, como trunfo da Lista Q na eleição para a associação de estudantes. São apenas 09.45 e toda a escola veio ver a atuação.
Há insufláveis, crepes, bolos e sumos. Tudo isto, mas principalmente os artistas escolhidos para atuar no dia da campanha vão ser decisivos na eleição, marcada para quarta-feira, dia 15. "Claro que vamos votar na lista que fizer a melhor festa", admite um grupo de alunos do 10.º ano. Nesta quarta-feira (8 de novembro), o artista que faz a festa é Joaquim Cabral, no dia anterior atuaram os GROGNation e os Wet Bad Gang. O primeiro dia de campanha contou com a presença de Fábio Mouzinho e Catarina Pires.
As atuações de cantores, DJ"s e youtubers nas campanhas escolares é cada vez mais comum e são elas que ditam os resultados eleitorais. Os estudantes das listas pagam entre 100 e 200 euros para que os artistas atuem durante os 15 minutos do intervalo. Muitos contam com o apoio de agências de viagem no contacto com os artistas e outros aventuram-se sozinhos na organização da campanha.
O dinheiro vem normalmente "de rifas, festas que organizamos, venda de bolos, dos nossos pais", enumera Manuel Teixeira, presidente da lista Q. No pátio estavam os insufláveis da agência de viagens Slide In, que organiza também viagens de finalistas.
Joaquim Cabral começou este ano a fazer campanhas para as associações de estudantes. Ele próprio ainda nessa categoria - embora do ensino superior, no curso de engenharia civil - descreve esta parte do seu trabalho como "uma coisa divertida". "Já fiz várias escolas este ano e tenho amigos que já fazem isto há uns anos", conta, no final da sua muito aplaudida atuação. Aos votantes, Joaquim Cabral aconselhava apenas: "A estudarem mais do que eu estudei." O jovem artista fala também da concorrência com youtubers.
Os ícones dos jovens
São estes artistas da internet que reúnem cada vez mais as preferências dos jovens como é o caso Miguel Paraíso. O youtuber foi convidado este ano para a campanha da lista da T na Escola Secundária Ferreira Dias, no Cacém. Ou de Uzzy que esteve a apoiar a Lista M na Secundária de Aljustrel.
Para quem assiste a estes míni concertos, "os artistas são o mais importante, quem eles trazem mostra o empenho da lista", considera uma aluna do 11.º ano do Liceu Camões. E os representantes das listas empenham-se. "Para nós enquanto lista isso não é o mais importante, mas para alguns estudantes é fundamental que consigamos trazer ícones", admite Simão Bento, presidente da Lista P, no Camões. No seu caso, a lista entrou em contacto direto "com as produtoras e os artistas."
A Lista 3 é um dos exemplos do apoio dado pelas agências de viagens na contratação de artistas. "Tentamos trazer pessoas reconhecidas, bandas atuais e para isso há sempre a ajuda de intermediários, com as agências de viagens que facilitam o contacto com os artistas e com preços mais acessíveis", explica Diogo Guerra, candidato a presidente.
As agências, como a Slide In - a única agência das contactadas pelo DN que respondeu às questões sobre o apoio dado às campanhas das associações de estudantes -, publicitam os serviços que têm para as eleições. Desde t-shirts, insufláveis, fita porta-chaves, cartazes e flyers , sistemas de som e, claro, artistas. "O material próprio da Slide In é colocado nas escolas sem qualquer contrapartida em dinheiro. Nas t-shirts, autocolantes e outros formatos de brindes apenas apoiamos os alunos para poderem fazer a produção junto dos nossos parceiros e tudo o que produzem é pago diretamente pelos estudantes", esclareceu Nuno Dias, diretor da agência.
Sem compromisso com viagem
Em relação ao pagamento dos cachets dos artistas, a agência acrescenta fazer "a ponte entre o management do artista e os estudantes". "Sendo o pagamento feito pelos próprios estudantes diretamente ao artista/DJ no dia da campanha." Contrapartidas como a compra de viagens de finalistas, não entram nesta operação de organização de eventos. "Não condicionamos a venda das nossas viagens a esse tipo de apoios. A apresentação das viagens é sempre feita nas escolas, com ou sem apoio a listas candidatas à associação de estudantes."
Os candidatos à associação garantiram também que têm apenas apoio para as ações de campanha. No caso do Liceu Camões cada lista tem um dia para fazer campanha, colocar os cartazes e promover o seu programa eleitoral. Antes houve um debate, mas que não reuniu tanto entusiasmo como o dia da campanha.
"O dia de cada uma das listas é marcante. Mas depois desaparece o entusiasmo. Tenho pena", descreve ao DN, o diretor do Liceu Camões, João Jaime Pires, enquanto dá uma vista de olhos à festa que decorre no pátio. Neste segundo intervalo da manhã, às 11.30, houve malabarismos de elementos do Chapitô e uma flash mob feita pelos candidatos. O professor admite que há alguma agressividade das marcas em associar-se aos jovens durante as campanhas, mas sublinha que "há uns anos era pior, lançavam telemóveis e cartões aos miúdos". "Agora é mais a agressividade da música, do volume." As escolas têm datas diferentes para as suas campanhas eleitorais, mas grande parte delas acontece nos meses de outubro e novembro. "Uma altura complicada por causa das avaliações e alguns professores não gostam, mas temos de continuar a promover a democracia, para muitos é a primeira experiência que têm de votos e eleições", defende João Jaime Pires.
Eleitos para fazer promover festas
Os candidatos não escondem que o grande trunfo são os artistas que conseguem mobilizar para as suas campanhas, porém fazem questão de mostrar que também têm ideias e projetos para a associação que se propõem liderar.
No caso do Camões, as obras e condições da escola são sempre um dos temas abordados. A Lista P defende a dinamização de abaixo-assinados para pressionar à melhoria das condições da escola. Já a Lista 3 acredita que devem ser os alunos a fazer, "nem que seja a pintar uma parede". Ajudar os alunos a decidir o seu futuro, criar plataformas online de estudo, com apontamentos das aulas, mas também organizar festas, são alguns dos planos das três listas concorrentes.
Noutras escolas, as propostas de obras são substituídas pela criação de rádios escolares, máquinas de vendas automáticas ou matraquilhos no recinto. No fundo, os candidatos tentam responder às reivindicações dos colegas.
Ainda que muitos objetivos acabem por ficar no papel. "Também temos algumas resistências dentro da escola", admite Diogo Guerra, candidato da Lista 3. Por isso, a aposta forte nos dias de campanha. "Vale muito a pena trazer alguém conhecido. Há dois anos estive na lista e não era usual trazer ninguém. Nota-se que agora há mais mobilização com os artistas", aponta Manuel Teixeira, da Lista Q. "Queremos é divertir o pessoal", finaliza.
A avaliar pela afluência ao pátio, copos de sumo e bolos na mão e palmas no final das atuações, os estudantes levam mesmo em linha de conta o desempenho de cada lista no seu dia de campanha.
A festa de cada candidatura, no Camões, começa cedo: chegam às 07.00 para afixar cartazes, colocar os insufláveis, preparar as mesas da comida, pendurar balões. "Temos uma hora e meia, até as aulas começarem. É apertado, mas dá para fazer tudo." Depois é esperar pelo primeiro intervalo da manhã, às 09.45, e torcer para que o artista convidado apareça - aconteceu um deles aparecer noutro intervalo -, que os colegas participem e gostem da festa.
A rivalidade pelos votos é grande. No entanto, os opositores também se divertem na campanha dos adversários. "Durante a campanha há mais tensões, mas no dia 15 há eleições e depois passa tudo", sublinha Diogo Guerra.
Até à eleição, os artistas admirados pelo público mais jovem têm semanas de muito trabalho. Tanto, que o humorista Rui Unas ironizou os pedidos que recebia para participar em campanhas. Há três anos, fez um vídeo que publicou no YouTube em que anunciava o apoio a todas as listas candidatas às associações de estudantes do país.
Fora deste burburinho fica a Secundária de Carcavelos. "Na minha escola não entram pessoas de fora na campanha. Os alunos às vezes reclamam, mas é assim", refere o diretor Adelino Calado. O responsável assegura, ainda assim, que dá toda a liberdade aos seus estudantes: "Eles podem dançar, ter música, cantar, fazer teatro. Podem fazer tudo, só não podem trazer pessoas de fora."
Uma postura à margem da cada vez mais crescente tendência de trazer às escolas celebridades, mas que não se tem refletido na participação dos alunos. "Não se nota nada. Acho até que temos muito sucesso. Já fizemos as eleições este ano e consegui ter 1030 votantes."