Artistas cantam contra a corrupção
"Neste país de manda-chuvas/ cheio de mãos e luvas/ tem sempre alguém se dando bem/ de São Paulo a Belém" - assim cantam os brasileiros Tom Zé e Ana Carolina em Unimultiplicidade, uma música dedicada, obviamente, ao Presidente Lula e ao caso do "mensalão". Mas não são os únicos. Com palavras ainda mais fortes, também o grupo rock Titãs compôs uma música de crítica política, intitulada Vossas Excelências, que integrará o próximo CD da banda. As acusações são claras "Filho da Puta/ Bandido/ Corrupto/ Ladrão/ Sorrindo para a câmera/ Sem saber que estamos vendo/ Chorando que dá pena/ Quando sabem que estão em cena."
A classe artística que apoiou em peso a candidatura de Lula à Presidência é também a primeira a vir para a rua criticar. Isso é particularmente claro no caso de Tom Zé, baluarte do Tropicalismo e petista assumido, que em declarações ao Estado de São Paulo explicou "Acabou a era do voto. No Brasil, votar não é o bastante. A política precisa instituir um mecanismo em que a sociedade possa estar constantemente vigiando e co-governando." Para este músico, as crises políticas no Brasil são cíclicas, "como uma metralhadora de repetição" e, por isso, neste momento a sua preocupação é já a próxima crise, "na qual os que hoje bradam pela honestidade e cassam mandatos serão acusados, culpados e cassados". Na música, Tom Zé a Ana Carolina deixam, no entanto, um voto de esperança: "Brasília tem suas estradas/ mas eu navego é noutras águas/ e como começo de caminho/ quero a unimul- tiplicidade/ onde cada homem é sozinho/ a casa da humanidade."
Se Tom Zé é reconhecido pelo seu espírito livre, os Titãs têm um longo historial de crítica social, tendo-se notabilizado nos anos 80 com temas como Polícia e Igreja. Paulo Miklos explicou a O Globo que gostaria que o tema Vossas Excelências não fosse visto como uma crítica oportunista ao Governo de Lula mas sim como uma denúncia da "corrupção crónica" que assola o país há já muito tempo, transformando "todo o mundo em cúmplice". Na canção, os Titãs denunciam as luvas que se encontram "nas mangas dos senhores ministros/ nas capas dos senhores magistrados/ nas golas dos senhores deputados/ nos fundilhos dos senhores vereadores". E pedem "Faça-se justiça!/ Vamos arrumar vossas acomodações/ excelência."
Chico Buarque não está a pensar colocar nenhuma música de cariz político no seu próximo álbum mas nem por isso deixa de manifestar o seu descontentamento. "A alma do país está ferida com a série de acontecimentos que eram mantidos no plano subterrâneo e estão a aflorar. É doloroso mas talvez seja necessário", afirmou a O Globo. O músico, conhecido simpatizante do PT, reconhece, apesar de tudo "Eu gosto do Lula, votei no Lula. Apesar de estar triste, continuo a achar que a sua eleição foi da maior importância para a afirmação da democracia do país e do homem brasileiro."
A música brasileira tem tradição de crítica política. Já sem falar dos férteis tempos da ditadura, em 1987, muito antes de Lula chegar a Presidente, a Legião Urbana perguntava Que País é este?. O Brasil retratado nesta música é ainda actual "Nas favelas, no Senado/ Sujeira pra todo lado/ Ninguém respeita a Constituicão/ Mas todos acreditam no futuro da nação." E em 1992, Gabriel o Pensador apresentou-se ao mundo com um tema dedicado a Fernando Collor de Melo: Tô Feliz, Matei o Presidente. A primeira de muitas músicas deste rapper em que a corrupção e os políticos brasileiros são alvo de críticas.
A ironia maior, no entanto, é a música que os Paralamas do Sucesso fizeram em 1993 intitulada (imagine-se) Luis Inácio (300 picaretas). Nessa altura, Lula era ainda candidato, afirmando que no Congresso estavam 300 picaretas. O grupo de Herbert Vianna aproveitou a deixa para cantar "Eles ficaram ofendidos com a afirmação/ Que reflete na verdade o sentimento da nação/ É lobby, é conchavo, é propina, é jetom/ Variações do mesmo tema sem sair do tom/ Brasília é uma ilha, eu falo porque sei/ Uma cidade que fabrica sua própria lei/ Aonde se vive mais ou menos como na Disneylândia." Que irão eles dizer agora?