Arsène Wenger e o fim de uma era que mudou o futebol inglês

Francês anunciou a saída, 22 anos após ter chegado sob desconfiança ao Arsenal. "Foi um revolucionário no futebol inglês", diz Luís Boa Morte, que foi campeão com ele
Publicado a
Atualizado a

"Vai ficar para sempre como o homem que tornou possível o impossível na Premier League, o treinador dos Invincibles." Luís Boa Morte destaca o campeonato invicto de 2003-04 como o momento que garante a imortalidade de Arsène Wenger, mas não reduz a títulos o impacto do treinador que o acolheu no Arsenal em 1997. "Foi um revolucionário no futebol inglês", sintetizou, ao DN, o antigo internacional português, no dia em que o técnico francês anunciou o fim de um dos reinados mais marcantes do futebol moderno, 22 anos após ter chegado ao comando técnico do clube londrino.

"A mim marcou-me bastante. Foi ele o responsável por ter feito a minha carreira quase toda em Inglaterra, não só recebendo-me no Arsenal como influenciando a minha ida para o Fulham, mais tarde. Foi ele quem me aconselhou ao Tigana, numa altura em que eu tinha saído do Southampton e estava sem clube", recorda Boa Morte, que em 1997 trocou o Sporting pelo Arsenal. No clube londrino, o avançado português foi encontrar uma realidade muito diferente da imagem que tinha sobre o futebol inglês, construída sobretudo a partir "das finais da Taça" transmitidas na televisão.

No Arsenal, Wenger cultivou "um bom futebol, de pé para pé, que encantava os adeptos", lembra o antigo avançado: "Muito diferente daquilo a que o futebol inglês estava habituado." E, ainda para mais, ganhava títulos. Luís Boa Morte celebrou o primeiro deles, nessa época de 1997-98, no ano de chegada do português ao Arsenal e segunda época do técnico francês no clube. Foi o primeiro título de campeão dos gunners com Wenger - seguir--se-iam mais dois, o último dos quais esse histórico campeonato sem derrotas em 2003-04, para um currículo que contempla ainda sete Taças de Inglaterra e sete Supertaças.

O sucesso de Arsène Wenger foi fundamental na abertura do futebol inglês a outras influências externas. E o francês tornou-se de certa forma vítima disso mesmo, ultrapassado nos últimos anos por uma nova vaga de treinadores que foram sucessivamente chegando à Premier League, de Mourinho a Ancelotti, Conte ou Guardiola. O desgaste foi-se acentuando com épocas consecutivas afastado do título e a contestação dos adeptos atingiu picos caricatos, como a campanha #WengerOut que chegou até a utilizar avionetas em dias de jogo.

A resiliência do francês no cargo foi sendo suportada pela conquista de algumas taças de Inglaterra (três nos últimos quatro anos) e Arsène Wenger recusava dar-se por derrotado na luta pelo regresso ao topo do futebol inglês, avisando sempre que sairia pelo próprio pé quando percebesse ser a altura certa. A altura chegou ontem. Aos 68 anos, depois de quase 22 no Arsenal, Wenger informou que sai no final da época.

"Depois de uma reflexão cuidada e de conversas com os dirigentes do clube, penso que o final desta época é o momento adequado para deixar de ser treinador do Arsenal", anunciou o treinador, em comunicado divulgado no site oficial do Arsenal. "Este é um dos dias mais difíceis para nós", reagia o norte-americano Stan Kroenke, acionista maioritário do clube, no mesmo comunicado.

Medo de ser despedido?

Alguns media ingleses, como o Guardian, garantem que o timing da decisão do francês se ficou a dever ao medo de ser despedido no final da temporada. Afinal de contas, Wenger tinha renovado no verão passado, prolongando o vínculo até junho de 2019. Mas a má campanha na Premier League - sexto lugar, a 33 pontos do já campeão Manchester City - terá ditado o fim da era Wenger, a mais longa no ativo no futebol de alto nível. E nem a hipótese de ainda ganhar a Liga Europa (está nas meias-finais, frente ao At. Madrid) inverteria isso.

Após o anúncio, sucederam-se os elogios públicos (ver reações), de ex-jogadores a treinadores rivais, até aqueles com que travou batalhas mais ferozes, como o português José Mourinho. Todos reconhecem o legado de Arsène Wenger como um treinador revolucionário no futebol inglês, 22 anos depois de ter sido recebido em choque no verão de 1996: "Arsène Who?", reagiram os tabloides quando o Arsenal anunciou um francês com ar de professor universitário, vindo do exótico campeonato japonês (Nagoya Grampus), para suceder ao escocês Bruce Rioch no comando técnico da equipa. Arsène Wenger.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt