Mikko Paasi está dentro de uma carruagem do metro em Helsínquia, na capital do país onde nasceu, e pede vinte minutos para poder responder às perguntas do DN. Está a quatro horas de entrar no voo que o traz a Portugal pela primeira vez - chegou ontem à noite. Convidado para participar nas Jornadas Técnicas de Mergulho dos Bombeiros Voluntários de Viseu, vem falar sobre o resgate extraordinário dos 12 rapazes e do seu treinador, que ficaram presos durante duas semanas na gruta de Tham Luang, na Tailândia, em junho do ano passado..Paasi parte já no domingo e confessa que tem pena de não ficar para conhecer melhor o país - segunda-feira tem mesmo de estar de regresso à Finlândia, é o dia em que vai receber das mãos do Presidente da República uma medalha por ter salvado vidas: 13. Com ele, em Viseu, está Ivan Karadzisc, amigo e instrutor de mergulho e, como Paasi, um dos voluntários que participaram no resgate. Os dois fazem parte de uma elite de mergulhadores com elevadas capacidades técnicas e a quem chamam all stars. Sem eles, a história poderia ter sido diferente..Enquanto caminha pelas ruas da capital finlandesa e recorda os dias em que o mundo lhes colocou nas mãos toda a esperança, Paasi já não é só alguém que vive há vinte anos na paradisíaca ilha de Kom Tai a dar aulas de mergulho a turistas e que de vez em quando reúne o grupo de amigos para irem à caça de destroços de navios da II Guerra Mundial. O finlandês é também a memória do lodo, da água fria, das rochas pontiagudas e dos túneis claustrofóbicos em que diz ter acontecido humanidade..É a primeira vez que visita Portugal? O que vem ensinar aos mergulhadores portugueses?.Sim, nunca estive em Portugal. Fui convidado para partilhar a minha experiência no resgate na caverna de Tham Luang, na Tailândia. Eu e o Ivan [Karadzisc ] vamos partilhar experiências e aprender uns com os outros..Há quanto tempo é mergulhador profissional?.Sempre gostei de natureza, antes de fazer mergulho pratiquei muitos desportos, até que experimentei o mergulho e a visão da natureza debaixo de água é excecional. Há vinte anos que sou instrutor - o meu primeiro trabalho foi em Phuket, na Tailândia, onde estive uma temporada. Decidi ir para a Austrália, mas no caminho parei na pequena ilha do golfo da Tailândia, Koh Tao - uma ilha tão bonita, com sete quilómetros de comprimento e três de largura - e decidi ficar. Vivo aqui desde essa altura e é na ilha que tenho a minha escola de mergulho [a Koh Tao Tec Divers, tem outra escola em Malta, a Koh Tao Divers - KTD Malta]. A ilha recebe muitos turistas, temos muito trabalho..Quais são as regras de ouro que um mergulhador tem de seguir em situações de resgate?.Em primeiro lugar tem de cuidar de si próprio - não podemos ajudar ninguém se não estivermos bem. Em segundo lugar é preciso ter atitude: conhecer os nossos limites e nunca os ultrapassar. Também não nos devemos precipitar, a precipitação é muito perigosa. E em terceiro lugar é importante termos um alto nível técnico..Vive numa ilha paradisíaca e dá aulas de mergulho a turistas. Já tinha participado em outros resgates?.Na Tailândia pertenço a um grupo de resgate e sou chamado quando há alguma situação de emergência que envolva água [risos]. Há muitos acidentes com turistas, com motas de água, por exemplo... [Koh Tao é a capital de mergulho da Tailândia]. Felizmente, não participei em muitos resgates..Este resgate foi, claro, o mais difícil de todos....Nunca houve um resgate do género no mundo: 13 pessoas debaixo de água, presas, e ainda vivas..Li que chegou a pensar que não encontrariam ninguém vivo..Houve esperança sempre, nunca a perdemos, mas à medida que o tempo ia passando as hipóteses do grupo sobreviver eram menores [os 12 rapazes e o treinador ficaram presos a 23 de junho de 2018 e só nove dias depois foram encontrados por mergulhadores britânicos)..Como foi receber a notícia de que o grupo tinha sido encontrado com vida?.Nunca vou esquecer a data - 2 de julho - era o dia em que eu e a minha mulher comemorávamos o 8.º aniversário de casamento. Nesse dia o telefone tocou o dia todo, queriam que eu fosse para a Tailândia - ainda não tinham encontrado as crianças - e foi a minha mulher quem me comprou o bilhete. Acabámos por comemorar com um almoço no aeroporto em Malta, e soube que tinham encontrado o grupo quando ainda estava no avião. Pensei voltar para trás mas depois ocorreu-me que o difícil seria retirá-los da gruta....Sentiu que estava a pôr a sua vida em risco para salvar a vida de outras pessoas?.Nunca senti que estivesse na linha de fogo, porque foi um risco calculado. Eu tinha o equipamento e o treino adequados para este tipo de resgate. E não iria colocar-me em perigo. Acho que arriscar a nossa vida para salvar a vida de alguém é algo que existe em todos nós, naturalmente..Como é que o grupo de mergulhadores lidou com a morte do ex-Navy Seal Saman Kunan[o mergulhador voluntário morreu dentro da gruta depois de ter ficado sem oxigénio]?.Foi muito triste, ele tinha muita experiência e era muito corajoso... Eu tinha estado na gruta ao mesmo tempo e vi-o quando saí. Era uma da manhã quando soube que o Saman Kunan tinha morrido [no dia 6 de julho]. O que costuma acontecer neste tipo de situações - especialmente com os Navy Seals - é que eles não têm a mesma experiência nem sequer o mesmo equipamento que nós temos. São espertos e corajosos, mas não têm o equipamento adequado - acho que foi por isso que aconteceu o que aconteceu. Após a morte de Saman tivemos problemas. A operação de resgate parou, foi tudo reavaliado, se era para continuarmos a enviar mergulhadores... Mas o grupo reuniu-se, falou e decidimos que iríamos continuar a tentar..Ninguém sabia se seria possível trazer o grupo, chegou a equacionar-se deixar os rapazes e o treinador na gruta durante seis meses, até a época das monções terminar. Como viveu estes momentos?.Extremamente desafiante, tínhamos de fazer muitos quilómetros no interior da gruta. Dia após dia recolhíamos dados sobre as condições da água. Os planos eram feitos dia a dia, porque todos os dias as condições mudavam. E chovia... Até que parou de chover e nós tínhamos de aproveitar essa janela de tempo. Não sabíamos na altura, mas tínhamos apenas três dias [o tempo que durou o resgate], porque depois voltou a chover. Estivemos sempre à espera: do que a natureza nos iria dar e do que o governo [tailandês] iria decidir..[Não havia visibilidade na gruta, os mergulhadores nadavam no meio de água turva e extremamente fria, por túneis tão estreitos que para conseguirem passar tinham de desmontar as garrafas de oxigénio. O resgate foi realizado com as 12 crianças e o treinador sedados. Nenhum deles sabia nadar.].Como foi tentar salvar 13 pessoas em circunstâncias tão difíceis e com os olhos do mundo postos nos mergulhadores?.Isso não ajudou [risos]. Assim que saíamos da gruta percebíamos as câmaras de televisão. Sentimos essa pressão especialmente nos últimos três dias, enquanto tirávamos os miúdos [o resgate começou a 8 e terminou a 10 de julho]. Se algo corresse mal, estavam todos de olhos postos em nós... mas continuámos com as nossas rotinas, mantivemos a calma, e no final a sensação foi a de uf... conseguimos. A verdade é que tudo correu mesmo bem. As estatísticas dizem-nos que há sempre alguma coisa que não funciona em planos de resgate e neste não houve nada que falhasse. Houve um bom planeamento, excelentes decisões do governo e durante três dias não choveu - assim que retirámos a última criança recomeçou a chover. É algo que não sei explicar..Tem fé?.Não sou crente, mas este tipo de situações deixam-nos a pensar. Fiquei feliz. Acho que houve algo de milagroso neste resgate..O que é que aprendeu com esta experiência?.Confiança no meu nível técnico - este foi um grande teste. Os mergulhadores costumam dar pequenos passos, mas este foi um passo de gigante para todos nós e uma grande aprendizagem a nível físico e mental. O trabalho de equipa foi muito importante - vieram mergulhadores de todo o mundo e não nos conhecíamos. Percebemos que todos tínhamos tido um excelente treino, muito similar, e conseguimos formar uma equipa em duas horas e uma equipa que funcionou. Não tivemos tempo para nada, nem sequer para treinos..Mantém contacto com os outros mergulhadores, ficaram amigos?.Passar por uma experiência destas com alguém que não conhecemos liga-nos para sempre, provavelmente seremos amigos para sempre. Aconteceram ali coisas extraordinárias para a humanidade..Depois do resgate, voltou à gruta. Porquê?.Eu tinha perguntas por responder, a Navy Seal convidou-me, ao fim de seis meses, quando as águas baixaram, para visitar a gruta. Para recolher o equipamento e fazer um plano para a limpar, mas da primeira vez só conseguimos mergulhar e andar três quilómetros, ainda havia muita água. Voltámos meses depois, a gruta estava em muito mau estado, toda bloqueada até ao teto. Lembro-me de ter pensado que se tivéssemos deixado os miúdos lá dentro eles não teriam sobrevivido. A gruta ia ficar bloqueada por centenas de quilos de areia e pedras, seria impossível lá chegar depois. Tínhamos mergulhado uma semana inteira e não tínhamos visto nada, e eu queria ver quão estreitas eram as passagens; se haveria outra forma de entrar e sair e porque é que fiquei preso aqui e ali....Qual foi a sensação de regressar?.Foi emocional... e duro. Não é uma gruta bonita, é uma gruta horrível, com lodo, rochas e pedras pontiagudas - é um ambiente violento mesmo quando está seca. Da última vez foi como poder dizer adeus às rochas para sempre. Sei que vai transformar-se numa atração turística, mas não para mim..Já esteve com os sobreviventes? Como estão as crianças?.Encontrei-me com eles algumas vezes... foram levados ao limite, mas percebi que eles também foram protegidos do mediatismo. Bem, parecem felizes, têm carne nos ossos e estão a comportar-se como crianças, são miúdos normais com uma grande história para contar..Dá aulas de mergulho, mas também procura destroços de guerra no fundo do mar. Porquê?.É a minha paixão, e é um hobby muito, muito caro. Mas normalmente trabalhamos em equipa, há sempre alguém que se interessa e se junta a nós. É uma forma muito excitante de fazer mergulho e começa logo quando falamos com os pescadores e tentamos perceber onde está o navio perdido - e pode demorar anos até o encontrarmos.