Arresto de receita ensombra venda do EuroBic
Isabel dos Santos pode não ver nenhum euro das receitas da venda das suas participações em empresas portuguesas. O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, colocou nesta quarta-feira a possibilidade de as autoridades judiciais virem a congelar os fundos resultantes da venda em curso dos 42,5% que a empresária angolana detém no EuroBic. Isabel dos Santos também está a vender a posição maioritária na Efacec.
Como o DN/Dinheiro Vivo noticiou no mês passado, a venda do EuroBic e da Efacec poderá ficar em risco se Isabel dos Santos não conseguir uma garantia de que poderá ter acesso aos fundos que resultarem da venda das suas participações.
Em fevereiro foi anunciada a venda do EuroBic ao banco espanhol Abanca, depois de Luanda ter pedido a Lisboa para que fossem arrestadas as contas e as participações de Isabel dos Santos, na sequência do caso Luanda Leaks, em que o governo angolano acusa a empresária de ter desviado mais de mil milhões de dólares enquanto presidente da petrolífera Sonangol.
Carlos Costa referiu nesta quarta-feira, numa audição no Parlamento, que "as autoridades judiciais deverão querer preservar o valor associado a essas participações. Não significa bloquear as transações, mas salvaguardar o produto das transações".
A preocupação das autoridades prende-se com o facto de Isabel dos Santos operar os seus negócios através de empresas sediadas fora de Portugal, nomeadamente em paraísos fiscais, pelo que seria fácil retirar do país os fundos resultantes da venda das suas participações. A saída de fundos de Portugal poderia configurar uma operação de branqueamento de capitais, alertaram alguns deputados.
Carlos Costa sublinhou que o que é importante não é a conta bancária onde é depositado o pagamento, que até pode ser num paraíso fiscal, mas sim a origem do pagamento, que será em Portugal e, estará, portanto, sob controlo das autoridades portuguesas. O governador sublinhou que o Banco de Portugal não tem poder para impedir que Isabel dos Santos retire de Portugal as receitas das vendas das posições. "Não nos cabe a nós (...). Não temos poder para isso", afirmou, "é uma questão para as autoridades judiciais".
Quarta-feira à tarde, o primeiro-ministro contrariou esta afirmação do governador. "O governo não pode impor ao [Euro ]Bic em que jurisdição será feito o pagamento dessa alienação. O Banco de Portugal não pode? É meu entendimento que pode", disse António Costa no Parlamento. "Mas o Banco de Portugal é naturalmente legítimo e soberano na sua decisão."
A decisão final da venda de 95% do EuroBic ao espanhol Abanca irá caber ao Banco Central Europeu. Para Carlos Costa, o Abanca é um comprador "credível" e a venda é importante para a "estabilidade financeira" do sistema financeiro português.
Isabel dos Santos e o EuroBic não comentam. Quanto ao Abanca, fonte oficial do banco indicou ao DN/Dinheiro Vivo que o banco "cumprirá" escrupulosamente com o que for determinado pelas autoridades judiciais e pelo Banco de Portugal no âmbito desta operação.
Carlos Costa garantiu ainda que a avaliação que o supervisor está a fazer ao modo como o EuroBic cumpriu os seus deveres em matéria de branqueamento de capitais "estará concluída ainda durante o mês de março". A avaliação ao banco, que é liderada pelo antigo ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos, abrange os acionistas do banco e os seus órgãos sociais, admitindo que poderá resultar na aplicação de sanções.
"O Banco de Portugal está a avaliar o modo como o EuroBic, a propósito de tais operações, deu cumprimento aos deveres a que está sujeito em matéria de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo", disse. "Essa avaliação estará concluída ainda durante o presente mês de março e o BdP extrairá dela todas as consequências, quer à luz das normas legais sobre a avaliação da idoneidade dos acionistas, quer no contexto da avaliação da renovação dos mandatos dos órgãos sociais, que se iniciará brevemente atento o final de mandato ocorrido no final de 2019, quer, sendo o caso, de natureza sancionatória", explicou.
Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, questionou como é que o Banco de Portugal aprovou a entrada e o reforço de Isabel dos Santos, e outros acionistas individuais, no capital do EuroBic, quando a empresária já era considerada internacionalmente como pessoa politicamente exposta (PEP), que exigia vigilância em matéria de prevenção de branqueamento de capitais. Questionou ainda como é que o supervisor autorizou e conferiu idoneidade a Isabel dos Santos para ser administradora do banco em 2014.
A deputada quis ainda saber como foi feita a avaliação, pelo Banco de Portugal, "da origem dos capitais do EuroBic na sua constituição e no reforço de capital". Também questionou o governador sobre como foi feito o acompanhamento da transferência de 115 milhões de dólares que Isabel dos Santos terá ordenado a partir de uma conta da Sonangol no EuroBic para um banco no Dubai.
Carlos Costa, em resposta, lembrou que "no que se refere às ações de supervisão dirigidas ao EuroBic, foi efetuada uma ação inspetiva de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BCFT) em 2015. Na sequência dessa inspeção, o BdP, além da instauração de um processo de contraordenação, emitiu de imediato um conjunto de 52 determinações específicas e seis recomendações destinadas a reforçar os mecanismos de prevenção do BCFT daquela instituição". Foi ainda decidida "a realização de uma auditoria externa, por uma entidade independente, com vista à aferição do grau de cumprimento das referidas medidas findo o prazo concedido pelo BdP para o efeito".
"Desde então, o Banco de Portugal tem vindo a acompanhar o processo de implementação das medidas supervisivas por si emitidas, quer através de múltiplas reuniões com responsáveis da instituição quer através da análise da informação que a este propósito foi sendo prestada pela mesma. Mais recentemente, foi decidida a realização de uma nova ação de inspeção onsite (no banco), que está em curso desde novembro de 2019, tendo sido planeada e iniciada em momento anterior às notícias e denúncias entretanto vindas a público" no caso Luanda Leaks.
E salientou que "foi o próprio Estado português" que validou a idoneidade de Isabel dos Santos ao vender-lhe participações em empresas em Portugal.