Arnold Schwarzenegger, 70 anos. Olha o robot...
"Habituei-me a ouvir, dos vários agentes com quem trabalhei, uma de três explicações para não conseguir entrar nos filmes: ou o meu corpo era demasiado estranho, ou o meu sotaque era demasiado cerrado, ou o meu nome era demasiado longo". Arnold Alois Schwarzenegger, que a partir de hoje vem engrossar a lista de "heróis" septuagenários,sintetizou assim, desta forma bem disposta, os seus primeiros tempos como candidato a ator, ele que chegou a usar (no seu primeiro filme, o lamentável Hercules In New York, de 1970) o nome artístico Arnold Strong ("strong" que dizer "forte"...). Terá omitido, neste rol de contratempos, a falta de talento que só o tempo, o hábito e a predominância de um estilo de filme mais "batido" que falado, permitiram atenuar. Há, neste percurso inicial, duas notas irónicas. Primeira: logo ao segundo filme, em 1973, Schwarzenegger foi dirigido pelo melhor realizador com quem trabalhou até hoje - Robert Altman. Pena que, em O Imenso Adeus, uma adaptação da história de Raymond Chandler, com Elliott Gould como protagonista, o papel do (ainda) cidadão austríaco tivesse uma importância tão escassa que nem aparece creditado. Segunda: ao terceiro, À Força de Músculos, de 1976, assinado por Bob Rafelson, Arnold acabaria mesmo por ganhar um Globo de Ouro como actor-revelação. Não voltaria, apesar das mais de quatro dezenas de longas-metragens em que participou até hoje, a conseguir um prémio significativo de representação. Pelo contrário, foi nomeado oito vezes para os Razzies, os prémios que "consagram" os piores, acabando por ganhar um Razzie especial, que o distinguiu como um "perdedor de eleição".
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Nada disto parece preocupá-lo, uma vez que o seu nome significou, sobretudo nos anos 80 e 90 do século XX, enormes receitas de bilheteira. A fortuna acumulada saiu-lhe do corpo, ou não fosse a esmagadora maioria dos seus filmes do género "ação" (um estudioso da sua "obra" atribui-lhe a responsabilidade direta e "confirmada" por mais de 500 mortes nas "fitas" que rodou até 2014) e não se desse o caso de, até pela sua constituição física, Schwarzenegger ter assumido pessoalmente, enquanto a idade o permitiu, as cenas mais violentas e perigosas, quase sem duplos. Essa mesma fortuna permitiu-lhe desempenhar pro bono o papel mais sério de uma vida inteira: foi governador da Califórnia em dois mandatos (2003-2011) sem nunca receber um dólar de ordenado. Para os seus amigos de juventude, ainda na zona de Thal, Graz, Áustria, essa eleição - que lhe permitiu ser o segundo actor (e, já agora, o segundo actor sofrível) a governar o Golden State, depois de Ronald Reagan - já aparecia como um bónus: ainda adolescente, Arnold não escondia a sua tripla ambição de se fixar nos Estados Unidos, ser mundialmente conhecido e casar com uma Kennedy. Conseguiu tudo isso, apesar da improbabilidade ser altíssima, para alguém que cresceu num lar sem telefone, sem frigorífico e sem casa de banho, numa família em que o alcoolismo era um problema sério (e fatal, para o irmão mais velho, Meinhard) e em que o pai tinha sido voluntário no exército nazi.
Culturista, máquina e político
A primeira grande paixão de Arnold foi o culturismo. Destinado ao futebol, o jovem foi lesto a trocar o relvado pelo ginásio. A sua fixação chegou a tal ponto, pelas horas de prática e pela idolatria face aos grandes nomes da modalidade, que a mãe chegou a suspeitar que o filho poderia ser gay e investigou o assunto, até com ajuda médica. Desde muito cedo, com a ajuda de anabolizantes que o actor defendeu serem legais, na época em que os usou, o jovem foi moldando um corpo que lhe permitiu, durante muito tempo, figurar no livro de recordes Guinness. Ainda hoje, foi o mais jovem vencedor do concurso Mr. Olympia, a mais conceituada competição dos culturistas, título que conquistou pela primeira vez com 23 anos. Na verdade, foi por cinco vezes Mr. Universo e sete vezes Mr. Olympia, primeiro entre 1970 e 1975 (seis vitórias consecutivas), depois em 1980, com um regresso de teimosia, quando já levava seis presenças registadas no cinema e mais umas quantas participações em séries e filmes de TV.
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O salto para a popularidade foi dado em 1982, quando John Millius lhe deu o papel de protagonista em Conan e os Bárbaros. Daí em diante, Schwarzenegger acabaria por trabalhar às mãos de muitos dos realizadores especializados em filmes de ação, casos de Richard Fleischer (duas vezes, com Conan, O Destruidor e Kalida: A Lenda do Talismã), Mark L. Lester, John McTiernan (também em duas ocasiões, com O Predador e O Último Herói de Ação), Walter Hill, Paul Verhoeven (Desafio Total), Peter Hyams e Andrew Davis. Curiosamente, o homem com quem se cruzou mais vezes foi Ivan Reitman, especialista em comédias, que o dirigiu em Gémeos, Um Polícia no Jardim-Escola, Dave, Presidente Por Um Dia (em papel secundário) e Júnior, em que Arnold engravida, literalmente.
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Com todo este currículo, o seu papel mais significativo no cinema - com algum simbolismo, para um ator muito mais forte no murro do que na fala - foi o de robot vindo do futuro. A saga, que já lhe valeu quatro filmes, estreados entre 1984 e 2015, começou com O Exterminador Implacável, dirigido por James Cameron (que o dirigiria também em Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento e em A Verdade da Mentira). Aqui, a maior curiosidade está nisto: Arnold estava destinado ao papel de Kyle Reese, o homem que vem do futuro para proteger Sarah Connor e para ser o pai do filho desta. Lido o guião, o ator insistiu com Cameron para que o deixasse ser o mau da fita, a máquina destruidora que se tornou uma referência. E ganhou o desafio.
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No ano anterior ao Exterminador, Schwarzenegger conquistara outro grande êxito, ao tornar-se cidadão norte-americano. Por essa altura, sem enjeitar outros namoros de ocasião, já conhecera a futura mulher, Maria Shriver, sobrinha de John, Robert e Ted Kennedy. Foram apresentados pelo pivot televisivo Tom Brokaw, durante um torneio de golfe beneficente, em 1977. Haveriam de casar-se em Abril de 1986, cumprindo mais uma das ambições de miúdo. O casal teve quatro filhos, entre 1986 e 1997, mas acabou por separar-se depois de se ter confirmado que Schwarzenegger era também o pai de um filho da governanta da família, Mildred Patricia Baena, nascido a 2 de Outubro de 1997, apenas cinco dias depois (27 de Setembro) de Maria ter dado à luz a mais nova das suas crianças, Christopher. Esse escândalo só rebentou em 2011 e, na autobiografia Total Recall, publicada no ano seguinte, Arnold admitia ser esse o maior erro da sua vida. Apesar de lhe ser conhecida uma nova namorada, a terapeuta Heather Milligan, hoje com 43 anos, o divórcio de Maria nunca foi concluído.
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Agora, aos 70 anos, impedido pela Constituição (por não ter nascido em solo americano) e também pelas circunstâncias políticas de entrar numa corrida à Casa Branca, continua activo no cinema. Já concluiu a rodagem de Why We"re Killing Gunther, em que faz o papel de um assassino a soldo que se torna alvo dos antigos empregadores, e mantém em aberto o desejo de regressar a dois dos seus papeis anteriores: o de Conan, numa sequela chamada The Legend Of Conan, e o de Julius Benedict, de Gémeos, numa continuação em que, juntamente com Danny DeVito, descobrem mais um irmão improvável: Eddie Murphy. Passará à história como um dos poucos atores, talvez o único, a responder negativamente a um convite de Stanley Kubrick, que o quis, em vão, no elenco de Full Metal Jacket - Nascido Para Matar. Ainda assim, é muito provável que esteja mais arrependido de outra recusa: aquela em que declinou o papel de John McFarlane em Assalto Ao Arranha-Céus. Com quatro filmes no papo, falando-se já de um quinto, Bruce Willis agradece.
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