Arnaldo Antunes: O poeta que escolheu as canções

Concertos. Dá a volta a Portugal com um disco novo, Já É. Há muito que optou pelo palco e pela música para passar palavra(s). Passou pelos Titãs e pelos Tribalistas. E deixou marcas em várias artes
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Os mais atentos - e mais antigos - lembram-se dele como uma das figuras da linha da frente dos Titãs, um dos grupos do rock brasileiro que alterou o pulsar rítmico de um país continental. Outros, mais focados nas canções de êxito, mais recentes, identificarão este paulista de gema (nascido a 2 de setembro de 1960) como um dos vértices do triângulo mágico chamado Tribalistas, com as outras pontes entregues a uma carioca, Marisa Monte, e a um baiano, Carlinhos Brown. Se essas são, porventura, as faces mais visíveis de Arnaldo Antunes, nem por isso se sobrepõem à consistência na inovação dos seus discos a solo (e o primeiro, Nome, já data de 1993) ou às incursões constantes que este contemporâneo homem "renascentista" vai cumprindo noutros domínios da expressão, da poesia ao cinema (como autor e como ator), sem esquecer as artes visuais.

Vejam-se os sinais da inquietação permanente de Arnaldo na diversidade - pouco planeada, dirão uns, absolutamente intuitiva, defenderão outros - dos produtores com quem trabalhou, só na sua carreira a solo: o veterano Liminha, o malogrado Suba (ou Mitar Subotic), Chico Neves (um antigo discípulo de Liminha, muito virado ao rock), Carlinhos Brown, Alê Siqueira ou Fernando Catatau, só para citar alguns. A mudança constante parece valer uma regra de ouro ao cantor e poeta, sempre na busca de novos elementos e de diferentes aproximações à música - porventura um dos fatores que o levaram a abandonar o elenco dos Titãs, grupo de que foi fundador e que, à data da sua partida (1992), vivia uma fase altíssima. De resto, essa necessidade de transformações volta a ficar bem evidente em Já É, o álbum que serve de pretexto mais próximo ao músico para um périplo português de cinco concertos - aí, quem conduz é Kassin, que integrou o projeto +2 (com Moreno Veloso e Domenico Lancelotti) e que, antes de chegar ao convívio de Arnaldo Antunes, já exibia uma longa folha de serviços como produtor, associando o nome a discos de Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Los Hermanos, Jorge Mautner, Vanessa da Mata, Mallu Magalhães e Erasmo Carlos, referindo-se apenas os mais sonantes.

O deleite da experimentação

Se buscarmos outro sinal exterior da avidez com que Antunes procura novos desafios, é incontornável chamar aqui um álbum tão insólito quanto notável: A Curva da Cintura (editado em 2012). Aí, ao lado do ex-Titãs, surgiam um parceiro de longa data, o guitarrista Edgard Scandurra (em tempos elemento nuclear do Ira!), e um dos mais importantes músicos africanos da atualidade, o maliano Toumani Diabaté, considerado um dos mais notáveis executantes da kora (um instrumento africano de cordas). Em conjunto, assinaram uma obra que, pela sua natureza e pelo seu alcance, conquista um lugar de destaque entre as que experimentam fusão - ou aproximação - de culturas geograficamente distantes.

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Claro que o elo mais próximo de Arnaldo Antunes com o público - português ou brasileiro - mora na rua das cantigas, e Já É junta mais 15 inéditas, em que colaboram autores de renome como José Miguel Wisnik, Péricles Cavalcanti e, sobretudo, Marisa Monte. Há, no entanto, outras facetas deste protagonista que merecem ser realçadas. Desde logo, o facto de, ainda antes de publicar o seu primeiro álbum com os Titãs (Titãs, 1984), Arnaldo ser já um poeta publicado, com Ou e (de 1983). A sua atividade como poeta é, no mínimo, tão regular como a que o liga à música, o que se traduz em dúzia e meia de títulos, incluindo o mais recente, Agora aqui Ninguém Precisa de Si. Presente em várias antologias da poesia contemporânea do Brasil, o autor foi considerado um dos casos mais notáveis da poesia concreta, de que é possível apresentar uma definição rápida: "tipo de poesia vanguardista, de carácter experimental, basicamente visual, que procura estruturar o texto poético escrito a partir do espaço do seu suporte, sendo ele a página de um livro ou não." Entende-se a presença de Antunes numa série de instalações poéticas ao longo dos anos, bem como em ensaios de inovação - por exemplo, a projeção da poesia através de raios laser num espaço público. No caso de Antunes, há ainda o que parece ser uma enorme preocupação simultânea com o significado e com a sonoridade das palavras.

Além disso, Arnaldo Antunes também já mostrou talentos como ator e, ainda nos anos académicos, como realizador, dirigindo uma ficção (Temporal, com 40 minutos) e colaborando numa experiência cinematográfica que juntou a música de Jimi Hendrix aos quadros de Vincent van Gogh. Já foi curador de exposições, participou em encenações teatrais (numa delas desempenha o papel de Marat, revolucionário francês), realiza trabalhos gráficos e animações.

Em Portugal, além de concertos e performances, liga o seu nome ao grupo Clã, com que grava pela primeira vez, no ano 2000. Nem de propósito: juntamente com Carminho, há dois Clã, Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves, entre os convidados especiais dos concertos de Lisboa. Com Arnaldo, para todos os espetáculos, a companhia vem de André Lima (teclados e sanfona), Chico Salem (violão e guitarra), Betão Aguiar (baixo) e Curumin (bateria). O aviso está feito: se nos discos ele nunca se repete imaginem em palco.

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