Arménio Carlos: "Governo enganou-se nas contas para a função pública"
Este é o primeiro governo com apoio à esquerda, no Parlamento. Está desiludido com esta chamada geringonça?
Não. Desde logo porque iniciou um processo que levou a parar com a política de cortes nos salários e também nas pensões e nos direitos. Uma política de cortes que não se repercutiu negativamente apenas nos trabalhadores. Também teve um grande impacto nomeadamente na distribuição de emprego, no encerramento de centenas de milhares empresas. Recordo que naquele período da troika e do governo PSD-CDS faliram/encerraram mais de 500 mil empresas. Não podemos deixar de valorizar o processo que levou a uma reposição, embora limitada, de rendimentos e direitos. E aqui creio que estaremos todos de acordo que valeu a pena lutar, valeu a pena mobilizar os trabalhadores, e aquilo que nos era apresentado como inevitável acabou por ser firmado como possível. Aliás, costumo referir uma velha frase do Nelson Mandela que, quando estava preso, dizia que "tudo parece impossível até ser feito". E o que é verdade é que foi possível. Que as coisas melhorassem.
O que teria feito diferente de, por exemplo, Jerónimo de Sousa?
Eu falo pelo movimento sindical... acho que não devo pronunciar-me sobre o comportamento individual ou intervenção política de cada um dos partidos. Tenho uma visão mais global daquilo que hoje interessa ao movimento sindical.
Posto de outra forma. O que gostava que tivesse sido feito que não foi?
O que falta ser feito é valorizar o trabalho dos trabalhadores. Temos neste momento um governo do Partido Socialista que continua de costas voltadas para a valorização do trabalho e dos trabalhadores. E se dúvidas subsistissem temos agora aquela proposta de lei que revê a legislação do trabalho que não só mantém o que de pior tinha a política laboral de direita como nalguns casos até a aprofunda, quer no que respeita à generalização da precariedade quer também no que respeita a estímulos para a redução da contribuição dos trabalhadores.
Não foi feito mais também porque o Bloco e o PCP não tiveram força ou porque o país não o permitiu?
Creio que está provado que o país permitia. E permite. Porque a partir do momento em que foi iniciado o processo de reposição de rendimentos a economia cresceu. Foi criado mais emprego. Digamos que houve, a partir daí, um maior dinamismo das empresas e também da economia em termos gerais. Até a segurança social se solidificou, do ponto de vista da sua sustentabilidade financeira.
Então foi falta de força do próprio PCP e Bloco de Esquerda para impor de alguma forma...
O que faltou aqui foi o número de deputados à esquerda do PCP e do Bloco de Esquerda e do PEV que pudessem influenciar o Partido Socialista para dar, digamos, uma guinada à esquerda no que respeita à área do trabalho, mas não só.
Acha que isso pode ser alterado nas próximas eleições?
Achamos que, por tudo aquilo que se passou e as experiências que tivemos até agora, é muito importante que nenhum partido tenha a maioria absoluta. Porque todas as maiorias absolutas que tivemos em Portugal foram más para os trabalhadores. Da mesma forma que esta solução que foi agora encontrada provou que vale a pena não haver uma maioria absoluta e que isso implica negociação de quem está no governo com os restantes partidos, para se encontrar soluções que ajudam, neste caso concreto, a resolver problemas, ou pelo menos minimizar situações de problemáticas que os trabalhadores e a população têm.
Então vamos ter um próximo ano em que a CGTP vai estar bastante na rua?
A CGTP tem uma intervenção baseada no princípio da negociação, do diálogo e da solução. E quando nos acusaram de que não estávamos a ir para a rua nos mesmos moldes que estivemos no tempo do governo do PSD-CDS, creio que a razão está à vista de todos. Se nós reclamávamos a reposição de rendimentos e direitos, se entretanto se iniciou um processo em que as nossas revindicações foram atendidas não íamos contestar aqueles que estavam a corresponder às nossas revindicações. Outra coisa é aquilo que se está a verificar neste momento.
E agora uma greve da administração pública, que está marcada para o dia 26 de outubro, e depois uma manifestação nacional, para o dia 15 de novembro. Que resultados espera destas duas ações, em plena negociação do Orçamento?
Acima de tudo elas têm um objetivo. É não só procurar dar sequência à indignação que se verifica em muitos locais de trabalho e também em termos da população em geral, relativamente à falta de resposta de determinado tipo de situações. A problemática dos salários e da necessidade de uma mais justa distribuição da riqueza é um elemento estruturante. A outra é a questão da estabilidade do emprego porque ela é fundamental para dar segurança aos trabalhadores em geral e aos jovens em particular, para organizar a sua vida pessoal, familiar e perspetivar um futuro diferente daquele que até ao momento se lhes colocaram. E depois, por outro lado, em relação às populações, creio que é cada vez mais claro que há uma enormíssima insatisfação face a falta de resposta dos serviços públicos, que não está desassociada da obsessão da redução do défice e, portanto, falta da disponibilidade para investir nos serviços públicos. Contraditória com aquilo que o Partido Socialista dizia defender ou diz defender até ao momento. Há dois anos a esta parte andamos a identificar problemas e simultaneamente a apresentar soluções e não resolvem. Houve centenas de pessoas que saíram do Estado, nomeadamente da Segurança Social, entre outras, e que deixaram os serviços num caos. Então, porque não foram tomadas aquelas medidas? Sempre a mesma conversa, sempre a mesma desculpa. Era preciso autorização do Ministério das Finanças. Quer dizer... o ministro das Finanças pode ter as suas responsabilidades ... mas o ministro das Finanças não pode agora ser responsabilizado por tudo.
Acha que o ministro tem as "costas largas"?
Às vezes tem. E neste caso concreto, nalguns casos, foi usado como o bode expiatório para justificar a falta de coragem na assunção de determinado tipo de medidas que, a serem tomadas, evitavam contestações como aquelas que tiveram lugar e que, neste caso concreto, prejudicaram as pessoas.
Na sequência da forma como foi fechado este Orçamento admite subir o nível de contestação? Ou seja, convocar, por exemplo, uma greve geral?
Neste momento ainda não discutimos a hipótese de convocar uma greve geral. E, por isso mesmo, continuamos a pensar que este é o momento de procurar pressionar. É mesmo assim. Ninguém tem nada que questionar o facto de os trabalhadores aproveitarem estas oportunidades para elevar a sua contestação e as suas revindicações. Porque isto faz parte da democracia e faz parte da relação de conflito entre o trabalho e o capital. Se nós não reclamarmos quem é que vem resolver os nossos problemas?
É para si um futuro possível um cenário em que tem o PCP no governo e a CGTP na rua?
Eu não sei se o PCP irá para o governo. Até agora o que a direção do PCP tem dito é que procurará encontrar soluções que correspondam àquilo que são as necessidades dos trabalhadores e do povo, mas não quererá, por si só, entrar para o governo sem ter a consideração e sobretudo a garantia de um projeto que vá ao encontro daquilo que defende, que é uma política de esquerda e patriótica. Quero reafirmar de forma muito clara aquilo que penso ao nível da CGTP. Independentemente de quem esteja no governo, a CGTP é autónoma e independente. E, portanto, não abdicará, em momento algum, de desenvolver as ações que considerar adequadas para defender os direitos dos trabalhadores e também para assegurar uma linha de desenvolvimento económico e social do país. Seja quem estiver no governo, seja que maioria venha, entretanto, a ser formada. É evidente que temos a consciência, e sobretudo a convicção, de que tendo pessoas da área da esquerda, ou partidos da área da esquerda, é mais fácil negociar, é mais fácil encontrar soluções.
Nestes três anos, daqui a pouco quatro na legislatura, qual foi a sua maior frustração? Aquele tema que achava mesmo que conseguiria negociar, com uma maioria de esquerda a suportar o governo, e não conseguiu?
É claro e inequívoco, é a legislação do trabalho. Aquilo que supostamente poderia ser resolvido até agora não foi. Porque o governo do Partido Socialista a isso se recusou. Com uma contradição, que é monumental. Nomeadamente, nós reclamámos, durante vários anos, incluindo junto do anterior governo, da necessidade de se fazer uma avaliação dos impactos da alteração da legislação do trabalho que tinha sido imposta anteriormente. Pela troika e pelo governo do PSD-CDS. O anterior governo sempre fugiu a isso e todos nós sabemos porquê. Este governo assumiu o compromisso e elaborou o Livro Verde das Relações Laborais. As conclusões são claras e inequívocas. Primeiro, houve um aumento do desemprego, das desigualdades, do empobrecimento, houve uma generalização da precariedade, houve uma redução de rendimentos, houve um bloqueio da contratação coletiva, entre outras. Perante um diagnóstico desta natureza, qual era a conclusão óbvia que se poderia tirar? Tem de se rever o que de pior a lei tem e que levou a esta situação. Qual foi a conclusão a que o governo chegou? A contrária. Ou seja, não, mantém-se tudo como estava e agora até vamos encontrar umas novas formulações, que nalguns casos são verdadeiros embustes, como aquela de se dizer que se quer acabar com os baixos salários e o trabalho precário e dinamizar a contratação coletiva. Repito. Verdadeiros embustes. E, a partir daqui, mantém-se tudo como estava, nalguns casos até para piorar. Ora, isso é uma frustração que leva inclusive a que hoje legitimas expectativas que os trabalhadores criaram - a possibilidade de alteração das regras laborais - se venham, depois, a transformar nesta contestação, que está a aumentar. Tivemos a greve dos professores, as greves dos enfermeiros, que continuam a decorrer até ao dia 19, tivemos a concentração dos funcionários judiciais... temos uma série de lutas no setor privado, na CP, cuja greve passou para o dia 31. Enfim... temos isto tudo. E temos depois a administração pública com uma greve nacional no dia 26, temos a manifestação nacional da CGTP no dia 15 de novembro... e não vai parar por aqui. Portanto, isto quer dizer o quê? Os sindicatos desenvolvem a luta em resultado daquilo que é o sentimento generalizado de grande parte dos trabalhadores, de exigência a resposta positiva aos seus problemas, que até agora não tiveram.
Acha que é possível reverter algumas medidas?
Nós acreditamos, por uma razão muito simples. É que nós temos consciência de que temos razão. E provamos que temos razão. Não há no plano das confederações patronais ou do governo contraditório relativamente àquilo que afirmamos. Se esta legislação for aprovada na Assembleia da República, temos uma estatística, daqui a um ano, que define a precariedade a baixar e temos a precariedade a aumentar no terreno. Perguntarão, mas como é que se faz, como é que se chega a essa conclusão? É simples, muito simples. Período experimental, de seis meses. Deixa de ser considerado como um emprego precário. Passa a ser considerado como um emprego experimental. Contratos de muito curta duração. Para todos os setores de atividade, que pode ir até 35 dias. Deixa de ser considerado como um emprego precário, porque, entretanto, não é taxado na tal penalização da taxa social única. Aqui estamos a falar de dezenas de milhares de trabalhadores. Que têm situações de precariedade ainda mais aprofundada do que aquela que hoje existe, mas depois não contam para as estatísticas. É que nós estamos mesmo convictos, aliás, fizemos recentemente um debate sobre o direito de trabalho que contou com a participação de vários professores, o professor Jorge Leite, João Reis, José João Abrantes, que eles próprios confirmam que, por exemplo em relação ao período experimental, estamos perante uma inconstitucionalidade. Gritante. Não é só uma questão de se colocar em causa a segurança no emprego. É também por em causa o princípio da igualdade. A constituição é clara. Todos têm direito ao trabalho, independentemente da idade, do sexo, da religião, etc. Aqui como se justifica que jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração sejam forçados a fazer um período experimental de 180 dias?
Está disponível para pedir apoio e seguir esse caminho. Fazer um pedido de apreciação da constitucionalidade de algumas destas medidas?
Esta vai ser uma das medidas que nós vamos assumir junto dos partidos políticos e na Assembleia da República quando se iniciar o processo de audição
Ainda não fizeram esse pedido?
Já enviámos o parecer. Mas, entretanto, como sabe, o documento foi aprovado na generalidade na Assembleia, baixou à comissão. Lá para o final de novembro, início de dezembro, vai recomeçar o trabalho de audição e discussão da legislação do trabalho. E aí vamos solicitar a intervenção dos deputados para que não permitam que uma aberração destas venha a ser assumida. Porque estamos a falar da casa da Democracia que é a Assembleia da República. E aqui é importante que os deputados da Assembleia da República, independentemente do partido em que estão a representar, tenham a capacidade e sobretudo a abertura para ouvir, apara analisar aquilo que está em cima da mesa em discussão, as propostas apresentadas e também a sua leitura, no que respeita à confrontação, ou não, com a Constituição,
Se não têm dúvida da justiça dessas reivindicações porque acha que o governo não lhes dá ouvidos?
Acima de tudo porque o governo fez uma opção. E a opção foi ceder, claramente, à direita e às confederações patronais. PSD-CDS não querem sequer apresentar nenhumas propostas. É disto que se trata. O que podemos dizer sobre esta matéria? É que há uns dias em que o governo encosta à esquerda e noutros dias anda de braço dado com a direita. O problema é que anda de braço dado com a direita relativamente às questões estruturais. E aí é que está o erro. E é um erro ainda mais crasso porque temos o primeiro-ministro a dizer, e bem, que quer combater o modelo de baixos salários e o trabalho precário, e depois temos o primeiro-ministro a assinar um acordo que vai dar continuidade a este modelo. E ainda outra ideia que gostaríamos de colocar. Ainda nesta semana o senhor primeiro-ministro anunciou que, no início de novembro, vai apresentar na concertação uma proposta para que se encontre um consenso em torno da articulação entre a vida pessoal, familiar e profissional. E nós perguntamos: mas como é que isso se pode fazer com esta legislação? Como é que uma pessoa pode organizar a sua vida quando, por exemplo, sabe quando assina o contrato e quando começa a trabalhar. Não sabe se, ao fim de seis meses, vai ficar na empresa ou não. Como é que uma pessoa pode organizar a sua vida quando tem um horário completamente desregulado? E mais, quando nós verificamos que depois de uma situação económica como a que o país tem, que está claramente melhor do que anteriormente, com os setores de atividade a terem volumes de negócio significativos, a terem aumento dos lucros. E o governo oferece, de mão beijada, 150 horas de trabalho gratuito, que é um banco de horas, para as empresas utilizarem sem pagarem trabalho suplementar. Isto não faz sentido. E são estas as questões que hoje coloco, que não estão desassociadas de uma outra.
Qual?
A efetivação dos direitos, liberdades e garantias. E é preciso que todos saibamos que hoje quando se fala que as pessoas têm medo é que algumas delas têm mesmo medo de exercer os seus direitos, individuais e coletivos, dentro das empresas. Com a possibilidade de serem, ou não, despedidos. No fundo a questão é esta. E as empresas não podem ser espaços vedados à efetivação dos direitos individuais e coletivos. Têm de ser espaços de respeito por aquilo que tem a ver com a contratação coletiva e com a o que a lei geral estabelece. E neste contexto não podemos deixar de não só denunciar isto como inclusive de avançar com processos. E essas são, para nós, questões fundamentais. Porque não há democracia, em todas as suas vertentes, quando a componente do trabalho continua a ser secundarizada nos moldes que neste momento está a ser.
Acha que a esquerda, em Portugal e no mundo, abandonou os trabalhadores?
Não. Acho que há partidos da Esquerda que continuam a ser coerentes com a defesa dos interesses dos trabalhadores e com a perspetiva de desenvolvimento dos países, nomeadamente no que respeita também à salvaguarda da sua soberania. Estou-me a lembrar, por exemplo, em Portugal, temos um Partido Comunista Português, que, ao contrário de tudo aquilo que praticamente se passou na Europa, é um partido que continua a ter uma larga influência quer do ponto de vista político quer do ponto de vista social. E tem dado um contributo importante para que... olhe.... para este processo que agora estamos a viver em Portugal. Todos nós sabemos que na noite das eleições, em 2015, aquilo que foi avançado pelo Secretário-Geral do PCP foi isto. O PS só não forma Governo se não quiser. É importante que a Esquerda mantenha princípios, tenha valores e acima de tudo seja coerente. E quando um partido, seja ele qual for, diz que é de esquerda mas, aquilo que diz não coincide com aquilo que faz, a tendência depois é para sermos confrontados com a reposição da velha máxima de que "são todos iguais". E, a partir do momento em que são todos iguais abre-se aqui um campo, perigoso, de populismos e de crescimento das conceções autoritárias e de regresso a posições xenófobas, racistas. Nalguns casos até, vou mais longe, nalguns casos até há tendências, não digo aqui em Portugal, que não é muito significativo, mas noutras latitudes do mundo, tendências para o aparecimento ou reaparecimento do nazismo fascismo. É isso que estamos a assistir. Nós não podemos passar ao largo destes problemas. O que se está a passar nos Estados Unidos da América, no Brasil, mas não só. Na Europa, em várias latitudes, na Hungria, na Polónia.
Como é que explica, por outro lado, o enfraquecimento do movimento sindical? Nomeadamente em número de membros e num certo desinteresse das camadas mais jovens por essa função.
Eu creio que há duas situações que temos de ter em consideração. A primeira é que o movimento sindical tem, naturalmente, de se reforçar porque tem um papel importante. Tem de se reforçar, vou dar o exemplo da CGTP. Nós nos últimos quatro anos, nos anos da Troika, em que desapareceram 500 mil empresas, em que o desemprego chegou a 18%, em que saíram do país 500 mil pessoas para outros países, nós conseguimos sindicalizar 100 mil. Concretamente 107 mil trabalhadores. E até tivemos um saldo ligeiramente positivo das entradas e saídas. E agora estamos a fazer um esforço para reforçar essa capacidade. Temos consciência que temos debilidades. Temos que melhorar, temos que ter a humildade necessária para ouvir, para aprender, para registar as críticas que nos são feitas e para tentar enquadrar essas sugestões numa melhoria da nossa intervenção. Agora, sejamos objetivos. Diz, o movimento sindical está mais fraco. Pois... mas que se passa em Portugal neste momento é que não deixam entrar os sindicatos num número significativo de empresas do setor privado. Então? Como é que se afere a representatividade? Como é que se permite às pessoas, aos trabalhadores, discutir os seus problemas? Escolher os seus representantes? Intervirem? Reivindicarem? Criarem condições? Fala-se no diálogo social. ok. Mas o diálogo social não pode passar e só por aquelas reuniões que se fazem na concertação social. o diálogo social tem de estar ancorado desde logo na efetivação do princípio constitucional da liberdade sindical dentro da empresa. Ou seja, os trabalhadores têm de ser livres. As empresas não podem ter de um lado a parte patronal, que é suprassumo dos acontecimentos, que pode, decide e acaba com qualquer tipo de diálogo.
Se isso acontece porquê é que não é denunciado?
É denunciado. Tivemos uma reunião com o senhor Presidente da República, onde lhe dissemos que vamos elaborar um dossiê sobre os direitos, liberdades e garantias. E transmitimos ao senhor Presidente que aquela é uma área constitucional que incube à Presidência da República.
E vai fazer uma lista das empresas onde os sindicatos não podem entrar?
Sim, onde não podem entrar. Mais importante do que a lista onde os sindicatos não podem entrar são as violações aos direitos individuais e coletivos, que neste momento se verificam em muitas empresas. Isso não pode passar sem o registo. Depois há a parte política. Há uma ofensiva ideológica devidamente preparada, coordenada e dirigida contra os partidos políticos e os sindicatos. E se é verdade que pode haver falhas, pode haver críticas a fazer, é curioso. Quem dinamiza todo esse processe não sabe que são precisamente os partidos políticos que são o instrumento fundamental para a afirmação da democracia e para a apresentação de projetos alternativos, suscetíveis, depois, de cada um possa escolher aquilo que quer? E também não sabem que os sindicatos têm um papel preponderante para organizar os trabalhadores num quadro em que se acentua a criação de mais riqueza, mas simultaneamente aumentam as desigualdades? Isto nada acontece por acaso.
Acha que o conflito entre professores e governo vai ficar resolvido durante este processo negocial do Orçamento?
Eu não sei se vai ficar resolvido. Eu temo que não fique resolvido. Mas acho que é um erro monumental do Governo se, porventura, não o resolver. Porque nós temos duas situações. A primeira é o compromisso que o Governo assumiu, em dois momentos: em novembro do ano passado, em reuniões diretas com os sindicatos dos professores; e depois assumiu, posteriormente, no Orçamento de Estado, onde clarificou, contava todo o tempo e depois era uma questão de negociar o faseamento do respetivo pagamento. Portanto, isto é evidente. E é tão evidente que leva a que hoje a instabilidade que se sente nas escolas
Qual, no seu entender, seria a solução, que não fizesse perder a face nem aquilo que são as pretensões dos professores e também não fizesse perder a face aquilo que tem sido a ser dito pelo Governo?
Creio que a solução não é difícil. Em primeiro lugar é retomarem as negociações, sentarem-se à mesa. Porque se não nos sentarmos à mesa, com certeza não há conversa. E depois, a seguir, programar no tempo a forma de repor aquilo que é devido aos professores. São três anos, quatro anos, cinco anos... E também não nos venham dizer que não há dinheiro. Para os professores e para os trabalhadores da Administração Pública ou para os serviços públicos. Porque começamos a olhar para a despesa, e o que verificamos é que se gasta milhares de milhões de euros com despesa que é inadmissível. Não vamos mais longe. As parcerias público-privadas. Está previsto para o próximo ano 1.103 milhões para as parcerias público-privadas rodoviárias. E o juro médio que é pago a estas privadas anda na ordem dos 8% ao ano. Conhece algum banco que pague 8%? Eu não conheço. Isto não pode ser renegociado? Se fosse renegociado pouparíamos logo aqui centenas de milhões de euros.
Por falar em limites. O ministro das Finanças já disse que este não é o Orçamento dos funcionários públicos e que só há 50 milhões para aumentos. Qual vai ser a posição da CGTP? Quais são as contas da CGTP sobre este assunto?
O Governo está a fazer mal as contas. E, portanto, este valor que é apresentado é insuficiente. Mas há um dado interessante a propósito de se reivindicar ou não reivindicar, de conquistar ou não conquistar. Relembro... há seis meses o Governo dizia que não ia atualizar os salários. Poucos meses depois o Primeiro-Ministro já dizia... "entre emprego e salários eu prefiro o emprego e o investimento no IC3"... e faz muito bem. Fazer o investimento no IC3. Mas agora já diz "vou atualizar os salários, mas só tenho esta verba e vamos ter de distribuir a partir daqui". Bem,, primeira conclusão, afinal havia hipótese de aumentar os salários. Afinal a CGTP tinha razão. Segunda questão... vamos entrar agora na discussão. E na nossa opinião é muito simples para se encontra uma solução. Aqueles 50 milhões não chegam. Nós apresentámos alternativas para se poupar, na despesa, noutras despesas supérfluas - já dei o exemplo das parcerias público-privadas, posso dar o exemplo das centenas de milhões de euros que o Estado continua a gastar na atribuição de serviços feitos por privados que poderiam ser executados pelos trabalhadores da administração pública - e aqui podemos encontrar dinheiro não só para corresponder às reivindicações dos trabalhadores da administração pública mas também para investir nos serviços públicos. E, a partir daqui, vamos ver se é possível ou não. Os sindicatos estão disponíveis para isso.
Se a proposta se mantiver nos 50 milhões não vai haver um acordo com a CGTP? Nem qualquer uma das possibilidades que está em cima da mesa - maior aumento para salários mais baixos, aumento de 10 euros para quem ganha até 835 euros, ou aumentos de 36 euros para quem ganha entre 600 e 635 euros - ou seja, nenhuma destas hipóteses é a vossa hipótese?
Tal como dissemos relativamente à altura em que nos diziam que não poderia haver aumento de salários e nós dissemos "tem de haver aumento de salários", agora vai haver aumento de salários. Agora estamos na fase em que dizemos que esse valor não chega e, portanto, têm que aumentar o valor.
E qual é a proposta da CGTP?
Ela já foi apresentada pelos sindicatos da Frente Comum. É uma proposta percentual na ordem dos 4% e a hipótese de ser 60 euros que corresponde apenas e só a 6 euros por cada ano dos 10 que os trabalhadores da administração pública não foram aumentados. Mas é uma proposta para negociar. Não estamos a dizer que é a final. Agora o que dizemos é que, a partir daqui estamos noutra fase. E outra fase não é darmos como adquirido que os 50 milhões estão arrumados. Não. Estamos na altura de dizer "estes 50 milhões, sim, senhor. É uma base de partida, mas é insuficiente. Vocês têm que aumentar o valor". E não vamos desistir enquanto o Governo não aumentar o valor.
Admitiria uma solução em que os funcionários públicos ganhassem mais ou fossem aumentados através de bónus, de complementos, de subsídios e não de um aumento salarial direto?
Há um princípio constitucional e que faz parte integrante, há muitos anos, das relações de trabalho, que é o direito de todos os trabalhadores verem atualizado anualmente o seu salário. Isso deve de ser sagrado. Deve ser um compromisso. Uma responsabilidade de todos. E depois, para além da atualização do salário, então vamos discutir a questão das proporções. Das carreiras, da valorização dessas mesmas profissões, de outros subsídios que eventualmente possam existir, outras matérias que possam ser discutidas. Mas a base de partida é esta: o aumento dos salários anualmente.
Sem discutir essa não admite discutir qualquer alternativa?
O que nós entendemos é que qualquer alternativa, para ser credível, do ponto de vista de uma mais justa distribuição da riqueza e da motivação dos trabalhadores, passa em primeiro lugar pelo aumento dos salários. E os mesmos que dizem que não se pode aumentar os salários anualmente, mas depois se disponibilizam a introduzir prémios, desde logo confirmam uma coisa, que afinal há dinheiro disponível para atribuir aos trabalhadores; em segundo lugar, o que estão a tentar é a enganar os trabalhadores. Porque todos nós sabemos que, quando as empresas recusam a negociação da atualização anual dos salários e avançam para a atribuição de prémios estão a ganhar, desculpe o termo, dois carrinhos. O primeiro é que estão a jogar no princípio "divisão para reinar". Dividem para reinar. Em segundo lugar vão pagar muito menos. Porque depois só vão atribuir os prémios a um número muito restrito de trabalhadores que eles próprios definem, deixando todos os outros de fora. Ora, isso não é assim. É interessante, de outro ponto de vista. Quando estamos a falar, por exemplo, da necessidade de se reconhecer o mérito e as competências, como se justifica que a contratação coletiva, por exemplo, no setor privado, esteja bloqueada e neste momento tenhamos 23% dos trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo nacional quando há 7 anos tínhamos apenas 11%? As razões são óbvias. Primeiro é a precariedade. Segundo, grande parte dos salários que neste momento estão a ser negociados para a criação de emprego são o salário mínimo nacional. E depois porque as grelhas salariais que estão acima do salário mínimo nacional, como não foram atualizadas, porque a contratação coletiva está bloqueada, foram absorvidas pelo salário mínimo nacional. E agora temos muitíssimas empresas com trabalhadores com competências diferenciadas e especialização específica estão, pura e simplesmente, todos a ganhar a mesma coisa. E perguntamos. Que raio de organização, gestão e funcionamento do departamento de recursos humanos de uma empresa pode funcionar assim? Não pode. Então quando nos dizem "é preciso valorizar os trabalhadores, premiar os melhores" então depois quando chega esta altura põem todos no mesmo saco, põem todos numa situação de igualdade, mas para baixo? Nunca para cima. São estas as questões que se tem de discutir. E que alguns não querem discutir.
A questão do salário mínimo é semelhante ao que se discutiu agora, uma vez que o Ministro do Trabalho até já admitiu que há vontade política e que há vontade de aumentar acima dos 600 euros. A CGTP continua a exigir os 650 euros. Compreende a posição do Governo?
Não. Porquê o Governo tem, neste momento, todas as condições, a começar já com o Orçamento de Estado na Administração Pública. Porque temos dezenas de milhares de trabalhadores da administração pública com o salário mínimo nacional. Estamos a falar de grande parte dos trabalhadores da Administração Local, mas não só. Também trabalhadores assistentes na saúde, na educação, etc. Um dos exemplos que o Governo pode dar é avançar com um sinal no Orçamento de Estado. Depois, relativamente ao setor privado, é interessante. Repare que o representante de uma confederação patronal, aqui há uns meses, dizia, com pompa e circunstância, que a sua confederação estava disponível até para ir além dos 600 euros. E agora diz, "bem...não podemos ir além dos 600 porque, entretanto, a partir de julho as coisas alteraram-se". Mas o que é que se alterou? Baixou o nível de crescimento da economia? As empresas perderam negócio? As empresas diminuíram os lucros? Não. Há aqui, claramente, uma estratégia acertada, para evitar que o salário mínimo nacional vá além dos 600 euros. Aquilo que nós dissemos é precisamente o contrário. Há todas as condições para que o salário mínimo nacional aumente para os 650 euros que nós reclamamos. Mas não só. É que a par do salário mínimo nacional tem de haver também uma evolução de todas as outras grelhas salariais, sob pena de, amanhã, termos cada vez mais trabalhadores com o salário mínimo nacional, reduzindo, neste caso concreto, os rendimentos de todos sem exceção, quando isso deve ser precisamente feito ao contrário.
Já falámos aqui de várias revindicações, dos aumentos para a função pública, acabámos de falar do salário mínimo nacional, até poderíamos ter falado da baixa do IVA para produtos essenciais como a eletricidade, aumento de pensões e reformas, que também estão no Orçamento. Não acha que, se todas estas medidas estivessem dentro deste Orçamento, o Governo seria, até pela própria sociedade, acusado de eleitoralismo?
Não, por uma razão muito certa. Alguns daqueles que nos acusam, da resposta dos problemas dos trabalhadores e dos reformados serem medidas eleitoralistas, são os mesmos que têm sido beneficiados ao longo dos últimos anos pelo Governo. E se dúvidas subsistissem, por ocasião do debate quinzenal do Governo com os partidos na Assembleia da República, foi o senhor Primeiro-Ministro dizer que quando entrou para o Governo as verbas de apoio às empresas andavam nos 400 milhões de euros e agora já vão em 4.000 milhões de euros. Mesmo em relação aos fundos comunitários, ainda recentemente, numa reunião que tivemos, foi o próprio representante do Governo a dizer que estava surpreendido porque a parte do investimento dos fundos comunitários na área pública estava a diminuir enquanto que os apoios às empresas, desses fundos comunitários, estavam a aumentar. São esses os exemplos.
Provavelmente estas são as medidas que separa o PS da maioria absoluta.
...E esperamos que nenhum partido tenha a maioria absoluta porque, como referi há pouco, não é bom para os trabalhadores.