Armadores de Peniche temem pelo futuro e garantem que há sardinha no mar
Os homens do Avô Varela estão em terra desde segunda-feira. A embarcação do mestre Carlos Pacheco foi ao mar pela última vez nesse dia, e não sabe quando lá volta. Ontem, poucas horas antes da reunião com a ministra do Mar e os representantes do setor das pescas, para chegar a um consenso sobre as quotas de sardinha a pescar em 2018, no porto de Peniche faziam-se pequenas reparações nos barcos e manutenção das redes. Os mesmos que trazem para terra a famosa sardinha, aquela que faz as delícias do turismo e sustenta uma parte importante da economia da região e do país. Passou uma semana desde que a ministra Ana Paula Vitorino anunciou a intenção de restringir a pesca da sardinha em determinadas zonas do país (sobretudo Norte e Centro), na sequência de um relatório do ICES (Conselho Internacional para a Exploração do Mar), e as conversas que vêm à rede multiplicam-se agora. Com um novo dado: ontem a ministra admitiu que a quota poderá ir além das 14 mil toneladas - ainda vai ser analisada essa hipótese -, ou seja, um recuo em relação ao que disse anteriormente.
Desde há oito dias que as associações do setor e os governantes andam reunidos entre si e também com os congéneres espanhóis, já que esta é uma "guerra" conjunta de Portugal e Espanha. Por agora os armadores fazem contas à vida. Carlos Pacheco anda de volta das redes desde terça-feira. "Se formos para o mar só se for para apanhar cavala. Andamos a gastar gasóleo e o pessoal não ganha nada", conta ao DN o mestre nascido e criado em Peniche, que encarna como muitos por ali a expressão "filho de peixe sabe nadar". Aprendeu com o pai, que também ainda por ali anda, a ajudar nas tarefas em terra. Para quem começou na faina aos 15 anos, e conhece o mar como a terra que pisa, as notícias do ICES soaram estranho. "Isto é uma tremenda desilusão. Se avançar a proibição de pescar em 2018, ficamos tristes e revoltados, claro", desabafa o mestre Pacheco, 41 anos, ao cabo dos primeiros dias de defeso. "Nos últimos quatro anos para cá tomámos a decisão de parar nesta altura, de outubro a maio. São sete a oito meses de paragem. Dá tempo para o peixe desovar e vingar. Por isso, concentramos a pesca no verão e tentamos rentabilizar esta espécie, que é o que torna as empresas viáveis. Se nos tirarem a sardinha, é o descalabro", conclui.
Conhecida por ser "maior e a preço mais elevado", a sardinha de Peniche já chamou este ano muitas embarcações do Norte. Pacheco contou mais de 50, este verão. "E não houve um único dia em que não houvesse sardinha. E nós vemos sardinha no mar. Se não víssemos, éramos os primeiros a alertar para isso", sublinha ao DN, ao mesmo tempo que faz a comparação com outros tempos: "Se viessem com essas medidas em 2012-13, compreendia-se. Agora estamos a fazer este esforço todo, parar as embarcações, com o stock em franca melhoria... Andámos limitados a 166 cabazes, 3750 kg por dia, até esgotar a quota das 17 mil toneladas estipulada para 2017. Se não conseguíssemos atingir o limite, percebíamos que não havia, mas se continuássemos a pescar chegaríamos facilmente às 70 ou 80 toneladas. Por isso é uma falsa questão", considera.
Na empresa de Carlos Pacheco trabalham 17 pessoas. "Muitos deles não vão ficar no fundo de desemprego, vão procurar vida para outro lado. Já ninguém vai querer vir para a pesca. Isto é um verdadeiro atentado terrorista ao setor, o que nos querem fazer". Quem? O ministério? Os organismos europeus? "Os que falam sem saber." No Porto e em Peniche os armadores confiam em José Apolinário, o secretário de Estado "que mais percebe de pesca até hoje", atira um deles, que prefere o anonimato, e "não se meter em política".
A defender os interesses destas centenas de pessoas está Humberto Jorge, dirigente da Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco. Desde o início da semana que anda em reuniões, nomeadamente com as congéneres da Galiza e do Sul de Espanha, que parecem dispostas a alargar de dois para quatro meses o período de paragem simultânea nas suas águas. A Portugal cabem normalmente 2/3 da quota anual de sardinha. Da sede da Anopcerco avista-se o cais e boa parte do porto de pesca de Peniche. É ali que está atracado também o Deusa dos Mares, estreado em junho passado, a coqueluche entre os 16 barcos de cerco de Peniche. O mestre Helder Copa empenhou todas as poupanças e crédito naquela embarcação de 18,35 metros, que durante o verão trouxe para terra a sardinha de que se fala. "Se avançar essa medida de proibição de pesca nalgumas zonas, por muito tempo, vamos dar cabo da vida de milhares de famílias", acredita. Ao lado, o colega Carlos Pacheco lembra que é preciso "um barco carregado de cavalas e carapau para fazer o mesmo dinheiro que se faz com cem cabazes de sardinha". E além disso "também não há".
Investigação com meios obsoletos?
Quem conhece o mar de cor como os pescadores de Peniche sabe que o aquecimento das águas traz dissabores ao setor. "Há 2 ou 3 anos houve muita cavala, agora não. O que vem à rede? Muita sardinha", frisa Carlos Pacheco, a quem custa acreditar nos relatórios feitos por investigadores "que utilizam meios obsoletos e com critérios duvidosos". Nas conversas lamenta-se "que na opinião pública passe a ideia de que somos uma cambada de irresponsáveis, que andamos aqui a acabar com a espécie. Não queremos matar a nossa galinha dos ovos de ouro, que é a sardinha", enfatiza o homem que quer voltar ao mar em janeiro, onde uma espécie - o biqueirão - pode valer a pena. Enquanto prepara as redes e o Avô Varela, lamenta a desinformação e as opções do IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera]: "Em vez de gastarem milhões no Mar Portugal que é um elefante branco e não tem condições, metam um biólogo em cada barco connosco e vejam. Há biólogos em situações precárias, bolseiros, que são bem-vindos a bordo para verem a realidade. Os cruzeiros só são feitos quando há condições. O Noruega, por exemplo, está obsoleto, não se fez investimento. O comandante é da Marinha Mercante, não é da pesca. Veja que na semana em que o Noruega andou a pesquisar, em que viu zero, foi a semana mais forte a seguir ao desbaste de norte a sul do país. Passaram por cima do peixe e não o viram? Alteraram o cálculo da biomassa, mais uma data de fatores, e o método de pesquisa não alteram?" As dúvidas ficam ali, no porto.
A maioria das botas que pisam aquele cais já saltaram muitas vezes para dentro dos barcos. E por isso já viram mais marés do que marinheiros. O mestre Pacheco faz resumo das dúvidas que acabara de lançar: "Se eu não tiver uma boa rede, bons equipamentos para detetar os cardumes, os resultados não aparecem." O recado aos investigadores fica dado, o diagnóstico também está feito. "Em relação há 20 anos, há menos peixe? Possivelmente, mas também há mais golfinhos e mais poluição." "E o aquecimento das águas", lembra Helder Copa, que introduz à conversa outra questão: "porque é que só estamos a falar da sardinha ibérica, pescada numa zona que vai desde a Cantábria até perto de Huelva? Será que o país basco já não faz parte? Até parece que há ali alguma muralha no mar."