Ariana Grande, mais uma "rainha dos baixinhos"
Coube-lhe em sorte aquilo que apavora muitos artistas: ver um concerto seu - no caso em Manchester, a 23 de maio último - transformado em cenário do terrorismo. O que não deixa grandes dúvidas quanto aos propósitos específicos dos bombistas assassinos: voltar a atacar uma Inglaterra em estação eleitoral, algo que até já teve direito a insistência, mas, de uma forma cirúrgica, fazer alastrar o pânico às gerações mais novas. Porque são os mais novos - aquilo que noutras áreas designamos por setor infantojuvenil - que constituem o público primordial de Ariana Grande, que festejará duas semanas depois desta escala em Lisboa o seu 24º aniversário mas a quem se aplica, sem margem de erro, a designação que foi criada para a estrela televisiva brasileira Xuxa, "rainha dos baixinhos".
Claro que não está sozinha nesta cruzada que aponta para baixo. Ou seja, para uma aposta declarada em consumidores mais novos do que a própria agente. Nos anos mais chegados, é costume citar uma troika de cantoras que, mais do que a acesa disputa pelo trono no coração dos teenagers, terá compreendido que há espaço para que essa afetividade eletiva se distribua: ao lado de Ariana, costumam surgir as suas "associadas" de percurso, Demi Lovato (a mais velha das três, separadas à nascença por uma diferença de dez meses) e Miley Cyrus (que até integrou o elenco do concerto beneficente que levou Miss Grande de volta a Manchester). Todas elas alcançaram o mediatismo ao protagonizarem séries televisivas viradas ao segmento etário já referido. E todas elas parecem debater-se com um desafio que precisa de resolução a cada momento: como conquistar o mundo da música, até o mais adulto, sem deixar passar os sinais exteriores do crescimento.
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Nascida na Florida, Ariana parece disposta a acenar a gregos e a saudar troianos. Basta ver o que diz esta norte-americana de ascendência italiana sobre as suas influências. Se quiserem tomar nota, munam-se de lápis e de paciência, porque as referências não são parcas: Gloria Estefan, Whitney Houston, Mariah Carey, Alicia Keys, Christina Aguilera, Katy Perry, Beyoncé, e ainda, numa espantosa manifestação ecuménica, Madonna e Amy Winehouse. Com este rol, o mais difícil talvez seja traçar, mesmo em linhas rudes e grossas, o desenho do perfil musical de Ariana que, com três álbuns publicados, parece cumprir o objetivo de escapar à maioridade (musical, bem entendido) e manter intacto o propósito de não excluir nenhum putativo candidato a admirador e consumidor. Esta queda para a múltipla personalidade não parece ser algo que tire o sono a Miss Grande. Basta recordar que, logo com o disco de estreia, Yours Truly (2012), Ariana conseguiu colocar-se no lugar cimeiro entre os mais vendidos, de acordo com a lista da Billboard, na semana de edição do álbum, o que se traduziu numa saída das lojas da ordem dos 138 mil exemplares. My Everything (2014) ultrapassou a fasquia das 700 mil cópias vendidas. E Dangerous Woman, lançado há um ano (quando a cantora deveria ter-se apresentado em Lisboa, no Rock in Rio), ainda rende, como se vê com a presente digressão.
Um trunfo que lhe é unanimemente reconhecido está na sua voz, incluída no grupo das sopranos e capaz de percorrer quatro oitavas. Mas parece contar mais, para a cantora e para os seus colaboradores e "ideólogos", o culto da imagem. Em 2016, o seu canal no Youtube contava com mais de dez milhões de subscritores, o que lhe garantia um impressionante 34.º lugar entre os que angariam mais fiéis registados.
Um salto de gigante para alguém que parecia destinada ao estrelato desde que foi chamada, com 15 anos, ao elenco do musical juvenil 13, de Jason Robert Brown. Por essa altura, tamanha era a fé na carreira que a jovem abandonou os estudos. Foi na Broadway que os "olheiros" do canal Nickelodeon, virado para os mais novos, acabaram por descobrir a mocinha que haveria, por conta do seu papel na série televisiva Victorious - quatro temporadas em exibição e dois discos coletivos editados - de alcançar a notoriedade que ainda hoje está a render.
Em 2016, a insuspeita revista Time não hesitou em colocar Ariana Grande na lista das cem personalidades mais poderosas do ano. Se atendermos ao que aconteceu em Manchester, e reconhecendo que a cantora passou por uma experiência-limite indesejável e indesejada, não espantaria que repetisse a proeza em 2017. Até porque, cabendo--lhe a iniciativa ou apenas seguindo bons conselhos, o seu regresso a Manchester, para um espetáculo de alcance planetário (capaz de juntar nomes como os Coldplay, Take That, Robbie Williams, Justin Bieber, Miley Cyrus, Katy Perry, Pharrell e muitos outros, todos para demonstrar que o terrorismo pode assustá-los mas não vai afastá-los dos palcos e do que gostam de fazer), beneficente, solidário, vale como uma das primeiras atitudes verdadeiramente adultas da mocinha, a quem se deve a chapelada por um comportamento digno e nobre. Só é pena que as canções de Ariana não possam crescer na mesma medida.
Informação útil
Ariana Grande - Dangerous Woman Tour
Amanhã, 11 de junho, 19.00.
Meo Arena, Lisboa
Bilhetes de euro 30 a euro 80