Argentinas marcam para sexta-feira greve e manifestação contra violência de género

As mulheres argentinas assinalam sexta-feira o Dia Internacional das Mulheres com uma greve e uma grande manifestação contra a violência machista e a favor do aborto, num conjunto de iniciativas previstas para outras cidades do país.
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A greve de sexta-feira, que será a terceira e deverá ser sentida sobretudo sentida no setor público, tem como principal reivindicação a exigência da paridade salarial.

Dados oficiais mostram que na Argentina os homens recebem, em média, salários 25% superiores aos das mulheres.

Na capital, uma grande manifestação está marcada para a tarde de sexta-feira, com a partida da Praça de Maio e chegada junto ao Parlamento, atravessando a emblemática Avenida de Maio.

Além de Buenos Aires, estão previstas também manifestações noutras cidades.

O local da concentração em Buenos Aires e o destino da marcha visam pressionar o poder político.

Defronte da Praça de Maio fica a Casa Rosada, palácio do Governo, e a Catedral de Buenos Aires, ao lado do edifício da Cúria onde Jorge Bergoglio vivia antes de tornar-se papa Francisco.

O Parlamento como linha de chegada visa pressionar os deputados a reabrirem o debate pelo "aborto, legal, gratuito e seguro", além de medidas contra o feminicídio que, a cada 30 horas, faz uma nova vítima fatal no país.

Em nenhum outro país da região, as mulheres estão tão organizadas para pressionar governantes e legisladores, em que a luta feminista convoca tantas mulheres.

Há um ano, foram 300 mil a manifestarem-se a favor do aborto, numa luta pioneira que se tornou numa referência feminista para toda a América Latina.

No ano passado, o debate pelo aborto esteve perto de resultar numa lei, a exemplo de Cuba e Uruguai, únicos países na América Latina em que esse procedimento médico não é criminalizado.

Na Argentina, depois de ter sido aprovado pela Câmara de Deputados, o projeto de lei foi rejeitado pelo Senado.

Sendo 2019 ano de eleições, os deputados receiam reabrir o processo, porque têm medo de afugentar o voto conservador.

Outro argentino contrário ao debate é o papa Francisco, que em fevereiro disse que "todo feminismo acaba sendo um machismo com saia".

As manifestações vão realizar-se sob o efeito da comoção causada, no mês passado, pelo caso de uma menina de 11 anos, violada pelo companheiro da avó.

A realização de uma cesariana na menina reacendeu o debate sobre o aborto na Argentina.

Apesar dos insistentes pedidos por parte da mãe e de ativistas dos direitos das mulheres, o aborto foi adiado cerca de sete semanas e alguns médicos recusaram-se a realizá-lo.

Às 23 semanas de gravidez, a menina foi sujeita a uma cesariana, porque os médicos consideraram que seria demasiado arriscado realizar o aborto.

Na Argentina, apesar de ilegal, o aborto é permitido em caso de violação ou se a vida da mãe estiver em risco, segundo uma lei de 1921.

Outros dois casos semelhantes aconteceram desde janeiro.

Em países como Brasil e Chile, o aborto também é legal em casos de fetos com anencefalia.

A Argentina é referência na luta por uma agenda de questões de género. Desde 2015, o movimento "Ni Una Menos" (Nem Uma a Menos) leva milhares de mulheres às ruas, sendo replicado em diversos países da América Latina e até na Europa.

Tornou-se "Non una di meno" na Itália ou "Nem uma mulher a menos" no Brasil.

A inspiração para o movimento tem uma origem trágica. Em 1995, a poetisa Susana Chávez escreveu um poema com o verso "Nem uma morta a mais".

Susana Chávez foi assassinada em 2011 na luta pelos direitos das mulheres.

Paradoxalmente, desde que começaram as marchas contra os feminicídios, o número de vítimas aumentou, passando de 286 mortes, em 2015, para 292 em 2018, uma a cada 30 horas.

Segundo o Observatório de Feminicídios, pertencente à Casa do Encontro, 10% das vítimas foram violadas antes de serem assassinadas e 35% eram menores de idade.

"A Argentina tem muitas leis para combater a violência de género, mas os juízes não as aplicam. A ausência do Estado gera um manto de impunidade para os agressores. Precisamos de uma mudança cultural que já começou, que vai levar um tempo, mas que não tem volta atrás", indica Ada Rico, diretora do Observatório de Feminicídios.

No ano passado, a pressão feminista teve uma vitória. Foi aprovada uma lei que garante uma pensão ao menor de idade cuja mãe tenha sido vítima de feminicídio.

A cada 26 horas, uma criança fica sem a mãe e somente nos dois primeiros meses deste ano, 40 crianças perderam as mães.

Nos últimos 10 anos, 3.718 menores perderam a mãe, vítima da violência de género.

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