O presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, apresentou neste domingo a sua candidatura a um quinto mandato, apesar dos protestos dos últimos dias, que levaram milhares de argelinos às ruas a criticá-lo diretamente. Vítima de vários acidentes vasculares cerebrais, Bouteflika não fala em público há sete anos e raramente surge em eventos oficiais. Está atualmente na Suíça a fazer testes médicos..O antigo chefe da diplomacia da Frente de Libertação Nacional que tornou a Argélia o porta-voz do Terceiro Mundo depois da guerra de independência contra os franceses, Bouteflika caiu em desgraça e viveu no exílio antes de voltar e assumir a presidência em 1999 para sarar as feridas da guerra civil - graças a uma amnistia que envolveu milhares de rebeldes. Mas, nos últimos anos, é muitas vezes comparado a uma "múmia" ou a um "morto-vivo", com os argelinos a temer que o verdadeiro poder esteja nas mãos de oficiais e familiares que o rodeiam..Chefe da diplomacia.Nascido a 2 de março de 1937 em Marrocos, para onde se mudara a sua família oriunda de Tlemcen (oeste da Argélia), Bouteflika ingressou em 1956 no Exército de Libertação Nacional (ala militar da Frente de Libertação Nacional) para lutar contra a presença francesa no seu país. Em 1960, era responsável pela liderança da frente maliana no sul do país, ficando conhecido pelo nome revolucionário de Abdelkader al-Mali..Quando a independência da França se concretizou, em 1962, Bouteflika foi nomeado ministro da Juventude, Desporto e Turismo. Tinha 25 anos e, um ano depois, assumia a pasta da diplomacia. Um cargo que ocupou durante 16 anos, desenvolvendo uma ação diplomática que trouxe extraordinário prestígio ao país..Era o homem a quem as grandes potências recorriam para dialogar com o Terceiro Mundo, tendo tido um papel determinante na consolidação de organizações como a Organização da Unidade Africana ou a Liga Árabe e de movimentos como o Grupo dos 77 ou o Movimento dos Não Alinhados. Em 1974, foi eleito presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas..A Argélia é também importante para a luta contra a ditadura de Salazar. Bouteflika estava na chefia da diplomacia quando o país recém-independente acolheu o secretariado da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), que aí funcionou até à revolução de 25 de abril de 1974. Por Argel passaram Humberto Delgado e muitos outros rostos antifascistas, como Manuel Alegre, que era uma das vozes da rádio Voz da Liberdade e ali viveu durante anos.."Não podemos separar a história da revolução portuguesa do papel desempenhado pela Argélia, que ajudou Portugal a instaurar a democracia e ajudou outros movimentos de libertação, sem pedir nada em troca, apenas com solidariedade para aqueles que se batiam pela liberdade", lembrou Alegre em 2008, quando se emocionou num regresso às instalações da rádio em Argel..Em 1978, após a morte do presidente Houari Boumedienne (de quem era grande amigo), Bouteflika foi perdendo poder e acabaria por se afastar da política. Em 1981, partiu mesmo para o exílio, tendo passado pelos Emirados Árabes Unidos, pela França e pela Suíça..Presidente.Bouteflika regressou em 1989, num período de caos que antecedeu a guerra civil de 1991, quando os militares tomaram o poder para impedir um governo fundamentalista da Frente de Salvação Islâmica (que seria banida)..Em janeiro de 1994, recusou a presidência que os militares lhe ofereciam. Mas a sua travessia no deserto estava a terminar: em abril de 1999 aceitou ser candidato - na véspera do escrutínio, seis adversários abandonam a corrida por suspeita de fraude -, prometendo restaurar a harmonia nacional e acabar com anos de violência e derramamento de sangue, que terá resultado na morte de 200 mil pessoas..Como presidente, focou-se na reconstrução do país e em fortalecer-lhe a reputação. Ofereceu também uma amnistia aos rebeldes armados; os que aceitaram foram integrados na sociedade civil. Findo o seu primeiro mandato, apostou num segundo - que lhe foi dado -, argumentando que reduziu a violência, embora à custa da violação dos direitos humanos, e o desemprego, apesar de metade da população viver então abaixo do limiar de pobreza..Em 2008, a Constituição foi alterada para permitir que avançasse para um terceiro mandato, que conquistaria em 2009. Dois anos depois, a Argélia também sofreu as consequências da Primavera Árabe, que avançava pela região. Uma das consequências mais visíveis foi o fim do estado de emergência, que tinha sido declarado em 1992 e limitava, por exemplo, o direito de reunião e a liberdade de associação..Ao contrário do que aconteceu noutros países, o regime aproveitou os lucros da exportação de hidrocarbonetos e gastou-os em setores como habitação ou infraestruturas e no aumento de salários, esvaziando os protestos..Nova alteração constitucional e nova candidatura de Bouteflika em 2014, sendo reeleito com 81% dos votos.."Múmia" ou "morto-vivo".Os primeiros problemas de saúde de Bouteflika remontam a novembro de 2005, quando foi hospitalizado em França, com uma úlcera no estômago, tendo alegadamente tido cancro. Desde então, têm sido constantes as passagens pelos hospitais no estrangeiro, mas a sua saúde está envolta em segredo..Em 2013, Bouteflika sofreu um enfarte e ficou hospitalizado durante 80 dias em Paris. Desde então, raramente aparece em público (a última vez que apareceu na televisão foi num Conselho de Ministros, em junho de 2017), deslocando-se em cadeira de rodas. A campanha de 2014 para a sua reeleição foi feita pelo seu primeiro-ministro. As suas mensagens costumam ser escritas, lidas pelos seus próximos colaboradores..Visto como um garante da estabilidade - responsável por retirar o país de uma guerra com os islamitas e pô-lo numa senda de crescimento, graças ao petróleo -, Bouteflika avança, aos 82 anos, para um quinto mandato, sem um claro sucessor à vista. E com o petróleo em valores mais baixos do que há alguns anos..Para os críticos, é uma "múmia" ou um "morto-vivo", símbolo da geração de líderes envelhecidos que retira a sua legitimidade da guerra de 1954-1962 que culminou na independência. A preocupação dos críticos é em relação a quem, na realidade, detém o poder no país - uma questão que se colocam há vários anos..Diante dos protestos dos últimos dias (com apelos para que continuem), Bouteflika propôs neste domingo (data final de apresentação de candidaturas) não terminar o mandato, convocando eleições antecipadas após um debate nacional, indicou o novo diretor de campanha, Abdelghani Zaalane. O presidente está na Suíça desde 24 de fevereiro para um "controlo médico de rotina"..Os principais adversários de Bouteflika nas eleições de 18 de abril são Ali Benflis, um ex-primeiro-ministro, Ali Ghediri, um general na reforma, e Abderazak Makri, líder do partido islamita..Além da saúde, os críticos denunciam a corrupção crónica na Argélia e a falta de reformas económicas para lidar com o desemprego, que é superior a 25% nos jovens.
O presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, apresentou neste domingo a sua candidatura a um quinto mandato, apesar dos protestos dos últimos dias, que levaram milhares de argelinos às ruas a criticá-lo diretamente. Vítima de vários acidentes vasculares cerebrais, Bouteflika não fala em público há sete anos e raramente surge em eventos oficiais. Está atualmente na Suíça a fazer testes médicos..O antigo chefe da diplomacia da Frente de Libertação Nacional que tornou a Argélia o porta-voz do Terceiro Mundo depois da guerra de independência contra os franceses, Bouteflika caiu em desgraça e viveu no exílio antes de voltar e assumir a presidência em 1999 para sarar as feridas da guerra civil - graças a uma amnistia que envolveu milhares de rebeldes. Mas, nos últimos anos, é muitas vezes comparado a uma "múmia" ou a um "morto-vivo", com os argelinos a temer que o verdadeiro poder esteja nas mãos de oficiais e familiares que o rodeiam..Chefe da diplomacia.Nascido a 2 de março de 1937 em Marrocos, para onde se mudara a sua família oriunda de Tlemcen (oeste da Argélia), Bouteflika ingressou em 1956 no Exército de Libertação Nacional (ala militar da Frente de Libertação Nacional) para lutar contra a presença francesa no seu país. Em 1960, era responsável pela liderança da frente maliana no sul do país, ficando conhecido pelo nome revolucionário de Abdelkader al-Mali..Quando a independência da França se concretizou, em 1962, Bouteflika foi nomeado ministro da Juventude, Desporto e Turismo. Tinha 25 anos e, um ano depois, assumia a pasta da diplomacia. Um cargo que ocupou durante 16 anos, desenvolvendo uma ação diplomática que trouxe extraordinário prestígio ao país..Era o homem a quem as grandes potências recorriam para dialogar com o Terceiro Mundo, tendo tido um papel determinante na consolidação de organizações como a Organização da Unidade Africana ou a Liga Árabe e de movimentos como o Grupo dos 77 ou o Movimento dos Não Alinhados. Em 1974, foi eleito presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas..A Argélia é também importante para a luta contra a ditadura de Salazar. Bouteflika estava na chefia da diplomacia quando o país recém-independente acolheu o secretariado da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), que aí funcionou até à revolução de 25 de abril de 1974. Por Argel passaram Humberto Delgado e muitos outros rostos antifascistas, como Manuel Alegre, que era uma das vozes da rádio Voz da Liberdade e ali viveu durante anos.."Não podemos separar a história da revolução portuguesa do papel desempenhado pela Argélia, que ajudou Portugal a instaurar a democracia e ajudou outros movimentos de libertação, sem pedir nada em troca, apenas com solidariedade para aqueles que se batiam pela liberdade", lembrou Alegre em 2008, quando se emocionou num regresso às instalações da rádio em Argel..Em 1978, após a morte do presidente Houari Boumedienne (de quem era grande amigo), Bouteflika foi perdendo poder e acabaria por se afastar da política. Em 1981, partiu mesmo para o exílio, tendo passado pelos Emirados Árabes Unidos, pela França e pela Suíça..Presidente.Bouteflika regressou em 1989, num período de caos que antecedeu a guerra civil de 1991, quando os militares tomaram o poder para impedir um governo fundamentalista da Frente de Salvação Islâmica (que seria banida)..Em janeiro de 1994, recusou a presidência que os militares lhe ofereciam. Mas a sua travessia no deserto estava a terminar: em abril de 1999 aceitou ser candidato - na véspera do escrutínio, seis adversários abandonam a corrida por suspeita de fraude -, prometendo restaurar a harmonia nacional e acabar com anos de violência e derramamento de sangue, que terá resultado na morte de 200 mil pessoas..Como presidente, focou-se na reconstrução do país e em fortalecer-lhe a reputação. Ofereceu também uma amnistia aos rebeldes armados; os que aceitaram foram integrados na sociedade civil. Findo o seu primeiro mandato, apostou num segundo - que lhe foi dado -, argumentando que reduziu a violência, embora à custa da violação dos direitos humanos, e o desemprego, apesar de metade da população viver então abaixo do limiar de pobreza..Em 2008, a Constituição foi alterada para permitir que avançasse para um terceiro mandato, que conquistaria em 2009. Dois anos depois, a Argélia também sofreu as consequências da Primavera Árabe, que avançava pela região. Uma das consequências mais visíveis foi o fim do estado de emergência, que tinha sido declarado em 1992 e limitava, por exemplo, o direito de reunião e a liberdade de associação..Ao contrário do que aconteceu noutros países, o regime aproveitou os lucros da exportação de hidrocarbonetos e gastou-os em setores como habitação ou infraestruturas e no aumento de salários, esvaziando os protestos..Nova alteração constitucional e nova candidatura de Bouteflika em 2014, sendo reeleito com 81% dos votos.."Múmia" ou "morto-vivo".Os primeiros problemas de saúde de Bouteflika remontam a novembro de 2005, quando foi hospitalizado em França, com uma úlcera no estômago, tendo alegadamente tido cancro. Desde então, têm sido constantes as passagens pelos hospitais no estrangeiro, mas a sua saúde está envolta em segredo..Em 2013, Bouteflika sofreu um enfarte e ficou hospitalizado durante 80 dias em Paris. Desde então, raramente aparece em público (a última vez que apareceu na televisão foi num Conselho de Ministros, em junho de 2017), deslocando-se em cadeira de rodas. A campanha de 2014 para a sua reeleição foi feita pelo seu primeiro-ministro. As suas mensagens costumam ser escritas, lidas pelos seus próximos colaboradores..Visto como um garante da estabilidade - responsável por retirar o país de uma guerra com os islamitas e pô-lo numa senda de crescimento, graças ao petróleo -, Bouteflika avança, aos 82 anos, para um quinto mandato, sem um claro sucessor à vista. E com o petróleo em valores mais baixos do que há alguns anos..Para os críticos, é uma "múmia" ou um "morto-vivo", símbolo da geração de líderes envelhecidos que retira a sua legitimidade da guerra de 1954-1962 que culminou na independência. A preocupação dos críticos é em relação a quem, na realidade, detém o poder no país - uma questão que se colocam há vários anos..Diante dos protestos dos últimos dias (com apelos para que continuem), Bouteflika propôs neste domingo (data final de apresentação de candidaturas) não terminar o mandato, convocando eleições antecipadas após um debate nacional, indicou o novo diretor de campanha, Abdelghani Zaalane. O presidente está na Suíça desde 24 de fevereiro para um "controlo médico de rotina"..Os principais adversários de Bouteflika nas eleições de 18 de abril são Ali Benflis, um ex-primeiro-ministro, Ali Ghediri, um general na reforma, e Abderazak Makri, líder do partido islamita..Além da saúde, os críticos denunciam a corrupção crónica na Argélia e a falta de reformas económicas para lidar com o desemprego, que é superior a 25% nos jovens.