Arábia Saudita e aliados isolam Qatar sob pretexto de apoio ao terrorismo
Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, os países mais poderosos do mundo árabe, cortaram ontem laços com o Qatar alegadamente pelo apoio deste último ao Irão e aos islamitas, reabrindo uma ferida na região duas semanas após Donald Trump ter apelado a uma união das nações muçulmanas no combate ao terrorismo. O corte de relações destes quatro países foi uma ação concertada. Iémen, um dos governos da Líbia e as Maldivas juntaram-se a este grupo mais tarde.
Para o Qatar - muitas vezes acusado de ser um financiador dos islamitas, tal como a Arábia Saudita -, a decisão baseia-se em mentiras sobre o seu alegado apoio a jihadistas. Já o Irão, que tem uma antiga disputa religiosa com a Arábia Saudita e é o alvo encapotado da medida, culpa a visita que o presidente dos Estados Unidos fez em maio a Riade. "O que está a acontecer é o resultado preliminar da dança das espadas", tuitou ontem Hamid Aboutalebi, chefe de gabinete adjunto do presidente iraniano, Hassan Rouhani, numa referência ao facto de Trump se ter juntado ao rei saudita numa dança tradicional.
Cortando todos as ligações aéreas com o Qatar, os três Estados do Golfo deram aos residentes e visitantes do Qatar duas semanas para sair, uma vez que a Arábia Saudita, Bahrein e Egito proibiram aviões do Qatar de aterrar e de atravessar os seus espaços aéreos. A Ethiad Airways, de Abu Dhabi, a Emirates Airline, do Dubai, e as low-cost Flydubai e Air Arabia, avisaram ontem que iriam suspender todos os voos a partir de hoje por tempo indefinido. A Qatar Airways cancelou as viagens para a Arábia Saudita.
Os Emirados Árabes Unidos (EAU) e a Arábia Saudita suspenderam as exportações de açúcar branco para o Qatar, um potencial golpe para os consumidores durante o mês santo do Ramadão, altura em que a procura deste bem aumenta. Alguns moradores do Qatar começaram a armazenar comida e outros bens essenciais, de acordo com os media locais. Cerca de 80% das necessidades alimentares do Qatar são satisfeitas através dos seus vizinhos do Golfo. A par do Egito, no entanto, EAU e Arábia Saudita têm também as suas vulnerabilidades, pois são altamente dependentes do Qatar no que diz respeito ao gás natural liquefeito.
Estas medidas são bem mais duras do que as acionadas durante um bloqueio de oito meses em 2014, quando Arábia Saudita, Bahrein e EAU retiraram os seus embaixadores do Qatar, alegando já na altura o apoio de Doha a terroristas. Foram mantidas, então, as ligações aéreas e não houve expulsão de cidadãos qatari.
Do lado diplomático, este bloqueio ameaça o prestígio internacional do Qatar, país que alberga uma grande base militar dos Estados Unidos e que irá receber o Mundial de futebol de 2022. A FIFA afirmou ontem estar em contacto permanente com a organização do Qatar 2022, não fazendo mais comentários sobre este assunto. Em dezembro fará sete anos que o Qatar foi eleito pelo Comité Executivo da FIFA para organizar o mundial de 2022 - a vitória do projeto apresentado pelo Qatar gerou várias controvérsias, incluindo uma denúncia por irregularidades na votação.
O efeito Trump
O tom usado por Trump no encontro com 50 líderes de países muçulmanos em Riade quando falou sobre o Irão e o terrorismo é visto como uma das bases desta crise diplomática. "Tivemos uma mudança na balança de poder no Golfo com esta nova presidência: Trump é veemente contra o Islão político e o Irão", explicou à Reuters Jean--Marc Rickli, diretor do departamento de risco global do Geneva Centre for Security Policy. "Ele está totalmente alinhado com Abu Dhabi e Riade, que também não querem compromissos com o Irão e o Islão político promovido pela Irmandade Muçulmana", acrescentou o mesmo especialista.
Durante anos, o Qatar apresentou-se como um mediador e influenciador das muitas disputas da região, mas o Egito e os Estados árabes do Golfo ressentem-se do apoio dado a movimentos como a egípcia Irmandade Muçulmana, que veem como inimigos políticos. Estes grupos aliados do Qatar estão marginalizados na região, especialmente depois do golpe militar de 2013 no Egito que derrubou Mohamed Morsi. O novo presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, a par dos aliados Arábia Saudita e EAU, classificaram a Irmandade Muçulmana como uma organização terrorista.
Ontem, Riade acusou o Qatar de apoiar grupos terroristas e de ajudar a transmitir a sua mensagem, numa aparente referência à influente estação de televisão Al Jazeera, cujo escritório em Riade foi ontem encerrado. "O Qatar apoia inúmeros grupos terroristas e sectários visando perturbar a estabilidade da região, incluindo a Irmandade Muçulmana, o Estado Islâmico e Al-Qaeda", escreveu ontem a agência estatal de notícias saudita SPA. Este órgão acusa ainda o Qatar de apoiar o que descreve como militantes suportados pelo Irão em Qatif, a sua província rebelde e de maioria xiita, e no Bahrein. O Qatar foi também expulso da coligação liderada pela Arábia Saudita que intervém no Iémen.