Aqui, respira-se Nicolau Breyner

Ele perde-se por uma "boa conversa" mas está longe de agir como anfitrião de um <i>talkshow</i>. À frente ou atrás das câmaras, Nicolau Breyner, 71 anos, é mestre e professor de quem o rodeia. A razão? Nada escapa ao seu olhar clínico...
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Camisa de xadrez por fora das calças de ganga, cabelos grisalhos ainda despenteados, escova de dentes na mão. A ida à casa de banho é interrompida pelo vibrar de um telemóvel. Ouve-se: "Liga-me mais tarde, já estou aqui, nos estúdios."

Nicolau Breyner, 71 anos, acelera o passo. Chegou aos estúdios da Cinemate, em Loures, era ainda manhã, mas o relógio não perdoa descuidos. É hora de trocar de indumentária, manda a "caixinha mágica". Aliás, ordenam as câmaras de Nico à Noite.

De volta ao camarim, o anfitrião do talk show da RTP1 aperta os botões da camisa branca e escolhe, em segundos, a gravata. Nem a coleção infindável de outros modelos coloridos, pendurados em cabides e caídos no chão, lhe confunde os olhos. "Escolho sempre as gravatas sem hesitar, sou muito determinado nestas coisas", conta à NTV o ator, comediante e apresentador de televisão. "Eu odeio fazer compras! Odeio, odeio! A pior coisa que me podem fazer na vida é meter-me numa loja para escolher roupas, fico num estado de nervos deprimente. Quando entro numa, digo: 'É isto e isto que vou usar'", adianta.

Nicolau Breyner é um homem prático não só a escolher os acessórios e a roupa. Ser pragmático está-lhe no sangue. Graças a essa marca de identidade nunca se "apresionou" a amuletos da sorte ou a surperstições para atrair êxito e sucesso profissional. "O meu camarim é um espaço personalizado mas muito prático. Eu não sou nada supersticioso", diz o apresentador e comediante. "As coisas que são importantes para mim trago-as comigo", revela.

Uma joia oferecida pela mãe é, até hoje, a sua única proteção divina. Nicolau Breyner é, como o próprio faz questão de se descrever, um homem de fé. "Trata-se de um cordão que uso desde os meus 20 anos, é um fio com uma medalha. Foi-me oferecido pela minha mãe, não é um amuleto, porque sou católico. É um fio com uma imagem de Nossa Senhora e tem também uma cruz", conta Nico, como é carinhosamente chamado pelos amigos e familiares.

51 anos de profissão sem maquilhagem

Renata Figueiredo, maquilhadora profissional, estende o penteador à volta do pescoço de Nicolau Breyner e agarra num frasco de laca. Sentado diante de um espelho, Nicolau Breyner faz, em tom apressado, um pedido: "Renata, não me ponha mais disso! O cabelo fica com ar postiço."

A passagem pela sala de maquilhagem é rápida. Muito rápida. Ao contrário da maioria das estrelas da televisão portuguesa, Nicolau Breyner dispensa a maquilhagem. Prefere enfrentar as câmaras sem brilhos na pele ou lápis nos olhos. "Maquilhagem? Qual maquilhagem? Eu nunca usei maquilhagem em toda a minha vida. Agora é que tenho este cabelo mais comprido, por causa da personagem da novela da TVI", diz o ator, que na próxima novela da estação de Queluz de Baixo, Destino, é protagonista e faz par romântico com a atriz Fernanda Serrano.

Renata Figueiredo, responsável principal pela imagem do apresentador, convidados e artistas do programa Nico à Noite, ainda se lembra do dia em que pediu ao ator para ser maquilhado: "Eu ainda não sabia que ele não gostava de ser maquilhado e, então, pedi-lhe que fosse para a sala de maquilhagem. Ele lá me explicou que não usava maquilhagem, esse episódio, que ocorreu há sete anos, serviu, mais tarde, de piada entre toda a equipa." Um engano que não voltará a repetir-se: "Eu teria todo o prazer em o maquilhar, mas... [risos]. Só tenho autorização para lhe cuidar do cabelo... O Nicolau tem muitos anos disto e por isso respeito a sua opção. Ele é um professor, sabe mais do que ninguém", elogia a maquilhadora.

Nicolau Breyner ajeita a gravata e posiciona-se nos degraus de uma escada que dá acesso à porta principal do estúdio onde é gravado o programa de conversas.

Uma nova voz impõe-se. "Vamos fazer a entrada do Nico, bora lá a isto!", grita o chefe de produção João César Sobral.

O relógio lembra o avançar das horas, são 16.10. Mulheres e homens, sentados ou em pé, batem palmas, para dar as boas-vindas a Nicolau Breyner enquanto o apresentador olha para as câmaras da RTP e cumprimenta o país com um fervoroso "Boa-Noite."

"Sou um bocado ditador no trabalho"

Conduzir Nico à Noite é uma "missão" semanal que Nicolau Breyner cumpre com facilidade, ou não fosse ele, desde a década de 80, protagonista de múltiplos projectos em televisão, no teatro e cinema. Conversar é para Nico uma paixão. "Eu adoro uma boa conversa. Aqui, no meu programa, qualquer um pode ser convidado desde que tenha uma boa história para contar. Não tenho cuidados redobrados com este programa", diz o apresentador, para acrescentar: "Já são muitos anos de experiência, são exactamente 51 de profissão. Para mim, uma câmara de televisão ou de cinema é uma segunda natureza. Não dou por ela, nem sequer sei que está ali... Interajo bem com a câmara, mas não estou preocupado com ela. Mas, claro, há sempre um nervosismo, e tem de haver, porque é saudável."

A falta de tempo para ler biografias e outros documentos é o único elemento de preparação que desperta em Nicolau Breyner um certo desconforto: "Gostava muito de conseguir ler mais, mas não tenho tempo. Chego aqui cedo e começo a ler, leio mais aqui do que em casa... a maior parte dos convidados já os conheço muito bem."

Mas há "regras de ouro" de que não abdica. "Faço muitas vezes cara feia. Sou um bocado ditador no trabalho. Acredito que em arte tem de haver uma certa ditatura, o excessso de democracia não funciona. Toda a gente dá ideias, mas tem de haver alguém para dizer: 'É isto que se vai fazer!', defende Nicolau Breyner, que, entre outros formatos, conduziu o programa humorístico Eu Show Nico (1980), Euronico (1990), Nico de Obra (1993), a novela Cinzas (1993) e Reformado e Mal Pago (1996).

"Eu sei o que quero e como quero. E como até aqui o que eu quis solucionou-se bem, quero continuar a fazê-lo", adianta o apresentador.

Nas horas de maior confusão ou desorientação em estúdio, Nicolau repõe a tranquilidade entre todos.

O ator José Raposo, que interpreta duas personagens em Nico à Noite, é o primeiro a enaltecer o dom do apresentador. "Ele é uma pessoa muito tranquila. Tem capacidade para ultrapassar tudo com muita serenidade e um enorme talento para coordenar, tanto técnica como humanamente. Ele conjuga muito bem todas as vertentes da nossa profissão."

A capacidade de gerir as ansiedades dos outros e de restabelecer a ordem é uma herança do pai, revela Nicolau Breyner à NTV: "O meu pai era uma pessoa muito serena, se calhar herdei esta capacidade dele. Já a minha mãe era uma pessoa mais inquieta. Sou uma pessoa muito ansiosa, mas nos momentos graves sou uma pessoa muito calma. Quando se estabelece o caos, eu sou o gajo que diz: 'Calma aí!' Essa veia tem-me ajudado muito nesta caminhada."

O sucesso de Nico à Noite, RTP1, confunde-se com o êxito de Nicolau Breyner. O ator, realizador e comediante inspira técnicos de som, realizadores e os restantes profissionais que todas as semanas se cruzam com Nicolau Breyner nos corredores. Parceiro e amigo pessoal, o ator José Raposo, que interpreta duas personagens no programa, afiança que este é um programa que vive da alma de Nicolau Breyner: "O Nico é feito à imagem dele. Ele é quem dá a opinião final, é ele quem decide tudo quanto à forma de realizar, a luz, o som e os convidados. Tudo passa pelo Nico. Ele tem muita experiência, tem um conhecimento nato e qualquer coisa, ele resolve. Ele é um mestre da arte de representar, ajuda a que todo o programa se desenrole de forma mais rápida e natural. Ele tem uma energia inesgotável, é uma pessoa muito especial", elogia o ator José Raposo, 50 anos.

Também João César Sobral, chefe de produção do programa, é um admirador de Nicolau. "Todos os dias aprendemos algo com ele. Ele tem um olho clínico para tudo. Ele sabe tudo!", atira.

Despido de vaidades, Nicolau Breyner defende-se dos elogios: "Eu gosto de dar uma olhadela em tudo. Faço-o naturalmente... Estou sentado e estou a olhar para as luzes, atento ao som. Dou um toque final no que se escreve, outras vezes escrevo eu os textos."

É, garante à NTV, a sua "forma de estar" na vida.

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