Aprender receitas únicas e milenares pela mão de refugiadas

Três refugiadas, duas sírias e uma iraquiana, vão partilhar, esta quinta-feira em Lisboa, receitas milenares e histórias de vida num workshop que visa a inclusão.
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Uma vem do Iraque e as outras duas da Síria. São três as refugiadas que vão estar na frente do workshop de culinária Delícias do Oriente, cuja primeira sessão acontece esta quinta-feira, na cantina da Escola Secundária Camões em Lisboa. "É muito bom partilhar as receitas da minha família com os portugueses para que eles entendam que a nossa comida é saborosa e saibam que no Médio Oriente também se cozinha bem. Fico muito feliz quando eles gostam dos nossos pratos porque mostro-lhes uma coisa boa do nosso país", diz Enas Fathallah, 32 anos, refugiada síria que vive em Portugal desde 2016 e que vai mostrar, por exemplo, como se faz manakesh e mjadara ou a famosa baclava do seu país.

São receitas milenares, passadas de geração em geração, que não estão escritas em nenhum livro e vão ser partilhadas neste workshop que se deverá prolongar até junho de 2022, com uma ou duas sessões por mês.

"A ideia de fazer este workshop surgiu no contexto da Programação Cultural da Biblioteca Pública do Médio Oriente e Norte de África, que tem como missão promover a interculturalidade, isto é, divulgar a nossa cultura portuguesa para estes povos e, ao mesmo tempo, difundir a cultura destas pessoas que escolheram Portugal para morar. Porque é à mesa que as pessoas se entendem", explica Maria João Tomás, especialista em assuntos do Médio Oriente, investigadora e professora auxiliar no Departamento de História da Universidade Autónoma de Lisboa e atual coordenadora da Biblioteca Pública do Médio Oriente e Norte de África, situada na Biblioteca de São Lázaro, em Lisboa.

Todas as refugiadas que vão cozinhar no workshop passaram pelo Alto Comissariado para as Migrações, através do Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes. Enas Fathalllah conta que todo o processo até à chegada a Portugal foi muito duro.

"Vivíamos numa cidade muito antiga e bonita da Síria chamada Palmira. Eu e a minha família tivemos de fugir do país em 2015 porque o grupo terrorista Daesh invadiu a nossa cidade. Além disso, o governo do Bashar al-Assad andava a perseguir pessoas. O meu marido foi espancado numa prisão síria porque éramos opositores do regime. O ambiente em que vivíamos era muito perigoso", salienta.

"Fugimos para a Turquia, onde ficámos nove meses sem conseguir arranjar emprego. Fomos para a fronteira e tivemos de esperar dez dias até que nos deixassem entrar na Grécia. Fomos numa embarcação com mais de 70 pessoas a bordo. Foi muito difícil", lembra.

Com a vinda para Portugal tudo mudou. Enas Fathalllah começou a trabalhar em traduções no Alto Comissariado para as Migrações e diz estar feliz. "Nós gostamos muito de Portugal e sentimo-nos bem aqui porque as pessoas são simpáticas e acolhedoras. Já consideramos Portugal como a nossa casa. Tanto que num ambiente familiar os meus filhos falam mais português que árabe, logo sentem-se mais portugueses do que sírios. Eles estudam em escolas portuguesas e falam bem português", afirma a refugiada, que viveu três anos em Almeirim, onde também deu a provar a sua comida.

"Quero mostrar às pessoas que não existem só coisas más na Síria. Também fazemos boa comida. Não somos pessoas fechadas, muito pelo contrário, somos pessoas de mente aberta, que gostam de dar e que só querem viver em paz", diz Enas Fathallah, que vai ter a companhia de outra refugiada síria, Izdehar, 39 anos, mãe de quatro filhos, que vai ensinar a fazer pratos libaneses.

Wasan Shakir, 44 anos, também veio para Portugal, em dezembro de 2020, à procura de paz. "Morava em Bagdad e a nossa cidade estava sempre a ser atacada, com bombas a explodir em todo o lado. Eu e o meu marido estávamos com medo que algo de mal acontecesse com os nossos filhos", conta. Em 2014 decidiram deixar o Iraque e rumar à Turquia. "Vivi lá quase sete anos", conta esta refugiada que perdeu nove pessoas da família na guerra.

Esta quinta-feira, as três refugiadas vão ensinar a preparar comida com cheiro e sabores do Médio Oriente. Por 25 euros, os participantes têm direito à refeição, que inclui entrada, um prato principal, uma sobremesa e uma bebida. As próximas sessões já confirmadas do workshop, que conta também com o apoio da Junta de Freguesia de Arroios e da Missão Continente, realizam-se a 4 de novembro e a 2 de dezembro (inscrições em geral@jfarroios.pt).

Nesta missão de inclusão, além dos workshops de culinária, existe um programa com aulas de português de nível básico com 90 alunos inscritos e mais 400 em lista de espera, realça Maria João Tomás, que destaca a importância da Biblioteca do Médio Oriente e Norte de África. "Acreditamos que a partir dos livros traz-se conhecimento e por isso não basta estarem nas prateleiras, é preciso promover a sua cultura através de ações e eventos", remata a investigadora..

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