Aprender a caminhar nas dunas

Enterrar os calcanhares na areia e descer, duna abaixo, até ao banho de água pura. Na boca, é doce e aveludada
Publicado a
Atualizado a

Para chegar até Barreirinhas é preciso quatro horas de autocarro. A vila é a porta de entrada para o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM). Chego às onze da manhã diretamente para a agência de turismo Caetés de Roberdan Caldas, meu anfitrião. Natural de São Luís, o empresário de 31 anos criou a empresa há seis. Uma homenagem aos índios Caetés, tribo que desbravou o PNLM. Foram extintos pelos colonizadores. Ao jantar, Roberdan, que tratou dos meus passeios, falaria sobre os segredos da região. Ficámos amigos. Tornei-me sua hóspede.

Nesse mesmo dia, à tarde, os afamados Lençóis Maranhenses estariam a 40 minutos num todo-o-terreno. Isso depois de passar de ferry pelo rio Preguiças e pelas comunidades Tratada de Cima e Cedro, onde há rumores de descendentes de portugueses. Uma história por confirmar. O que é mais certo é que chegar às dunas gigantes do PNLM, que podem atingir até 40 metros de altura, é como aterrar num deserto indomado de areia fina e clara. Parece cinema: estamos num sonho de 155 mil hectares.

Agora, aprendemos a caminhar nas dunas: enterrar os calcanhares na areia e descer, duna abaixo, até ao banho de água pura. Na boca, é doce e aveludada. Lagoas: Azul, dos Peixes, da Preguiça, Bonita, da Lua. Ficamos até ao pôr do Sol, alaranjado, espreguiçado numa nuvem. Deixa rastos na lagoa que parecem estrelas cintilantes, embaladas pelo vento. Dançam no rosto da água. Tudo quase perfeito, não fosse o barulho dos turistas ao redor.

No dia seguinte: rio Preguiças de pequena lancha até à península de Caburé. Passa-se palmeiras e mangues. Avista-se casas em palafitas. Paramos em Vassouras, onde há os macacos--prego e, depois das dunas, o oceano Atlântico. Seguimos até Mandacaru onde está localizado o Farol das Preguiças (1940), com 160 degraus. Para hidratar: água de coco e gelado de bacuri.

A praia do Caburé está a meia hora: banho de mar, oportuna peixada e cochilo na rede. Até porque o dia seguinte seria mais violento. A viagem até Atins, uma vila piscatória com dunas e lagoas mais selvagens, dura hora e meia num 4x4. Vai-se por um trilho de areia, poças de água, vegetação rija e carnuda. O melhor é deixar o corpo embalado pela trepidação. Chegamos para caminhar mais 15 minutos no "deserto". A recompensa é um mergulho nas águas doces. Primeiro a lagoa Verde. E mais à frente a lagoa Capivara. Atravesso a primeira a pé, dá--me pela barriga. Levo a mochila erguida. Ao fundo, horizonte de água ondulada. Céu azul limpo, nuvens tricotadas e areia entrançada pela crina do vento.

O guia, Raimundo Nonato, 33 anos, já perdeu a conta a quantas noites já dormiu "na caíra das dunas", onde é mais quente. "Ouve-se o som do vento e do mar e vê-se estrelas." Já foi pescador. Aos 10 anos, perdeu-se durante três dias no parque. Fala do assunto com os olhos marejados. Foi quando avistou uma torre que soube onde estava e pôde regressar. Voltou ao PNLM no dia seguinte, para provar a si próprio que saberia orientar-se. Creio que desta vez não nos vamos perder. De qualquer maneira, já aprendemos a caminhar nas dunas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt