Foi um acaso que fez Guida Oliveira e José Conceição tornarem-se os pais de um dos primeiros bebés apoiados financeiramente pelo Município de Vila de Rei. Rodrigo tem agora 19 anos, é estudante universitário, um entre os milhares do país. Mas em Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, tem um lugar na história..Naquele ano de 1999, em que o pequeno concelho do interior era notícia por causa de um inédito programa de repovoamento (que levou até lá vários casais brasileiros com o propósito de aumentar a natalidade e a população), Guida Oliveira decidiu mudar-se de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, para Vila de Rei, a terra dos pais. E ali ficou, até hoje.."Naquela altura estava desempregada, ainda não tinha a vida organizada e ia ser mãe. O apoio foi muito importante", conta ao DN, ela que em 2005 voltou a beneficiar, de novo, do apoio municipal quando nasceu a filha mais nova, Carolina. Ao contrário de outros casais - que acabaram por abandonar o concelho - Guida e José mantiveram-se por lá. Ela trabalha como ajudante de lar e centro de dia numa das poucas unidades empregadoras, a Santa Casa da Misericórdia..Na Câmara de Vila de Rei ainda se crê que os incentivos à fixação e natalidade deram os seus resultados. "A população existente em Vila de Rei em 1999 seria de cerca de 3354 habitantes e neste momento são cerca de 3452 habitantes, segundo os Censos 2011", diz ao DN Sandra Carvalho, do Gabinete de Ação Social, Saúde e Educação do Município de Vila de Rei..Mas os dados do Instituto Nacional de Estatística não acompanham esses números. Se é verdade que nos anos seguintes ao programa de incentivo os nascimentos aumentaram - de 18 crianças nascidas em 1999 passaram a 33 em 2000 e 24 em 2001 -, voltariam a cair. Nos últimos anos, a média voltou a ser de 18 crianças em todo o concelho..Entretanto, o projeto de repovoamento foi suspenso em 2006. Mas os incentivos à natalidade continuaram. Quando se compara com outros municípios do interior (como Carregal do Sal, Alfândega da Fé, Caminha, Torre de Moncorvo ou Pampilhosa da Serra, entre outros), Vila de Rei ainda contabiliza "um aumento de nados-vivos". "Acreditamos que o apoio existente tenha contribuído para que o aumento da natalidade tenha sido significativo, mas não é fator isolado. As políticas implementadas na área da educação são pedras basilares no incremento da natalidade no concelho. Existe um grande investimento na educação das nossas crianças. A frequência nos equipamentos existentes, desde a creche até ao ensino secundário, é gratuita, as refeições em creche e jardim-de-infância são gratuitas, as explicações para o ensino secundário são gratuitas, são atribuídas bolsas de estudo e bolsas de mérito, férias desportivas gratuitas, entre outras medidas", acrescenta o Gabinete de Ação Social..O primeiro incentivo foi concedido no ano 2000 e contemplou também os nascimentos de 1998 e 1999. O Regulamento para Apoio à Fixação da População Jovem no Concelho de Vila de Rei foi alterado em 2018. O referido regulamento continua a apoiar os casamentos ou uniões de facto (750 euros) e nascimentos: 750 euros para o primeiro filho, 1000 para o segundo, 1250 para o terceiro e seguintes. "Em caso comprovado de recurso à fertilização in vitro acresce o valor de 1500 euros; a estes valores acresce 500 euros em compras de puericultura no comércio local", acrescenta Sandra Carvalho..Tentativa de manter escolas abertas.Depois de Vila de Rei vários foram os municípios que lhe seguiram o exemplo, numa tentativa de debelar a demografia, a desertificação e o abandono. Foi o caso do Vimioso, no distrito de Bragança. Desde 2002 que a autarquia comparticipa com um cheque-bebé o nascimento de todas as crianças. Começou por ser de 500 euros, desde há dois anos que passou para o dobro. Ali, além do dinheiro atribuído como prémio de nascimento, há outros incentivos, como o pagamento de todas as vacinas não comparticipadas pelo Estado..Mas nem por isso o número de nascimento estabilizou no aumento. Segundo o INE, o melhor ano para a natalidade foi 2013, com 43 nascimentos. No ano passado as famílias ficaram-se pelos 25, número que fazia a média quando a autarquia avançou para o prémio Bebé do Ano..Em plena serra da Estrela, a Câmara de Manteigas acabou por render-se ao cheque-bebé no mandato anterior. Reduzido a cerca de 3500 habitantes, o concelho tem vindo a perder população e serviços. Há 20 anos, quando Vila de Rei inaugurava o programa de incentivos à natalidade, ainda Manteigas registava 44 nascimentos num ano. Quando chegou apenas aos 12, em 2011, a Câmara decidiu agir. Porém, apesar de não desistir de apoiar os jovens casais e insistir nos apoios, nos últimos anos nasceram apenas 13 ou 14 bebés, em média. De resto, 2017 foi dramático, com apenas nove nascimentos..A vice-presidente da câmara, Célia Morais (ela própria um exemplo de mobilidade para o interior, pois é natural de Almada), acredita que aquele território "tem todos os requisitos para uma família ter qualidade de vida". "Acho mesmo que esta vai ser uma terra de oportunidades, sobretudo na área do turismo", afirma ao DN, numa tentativa de evitar que as escolas fechem, como o resto dos serviços. O último foi o posto de correios..Ourém quer evitar males maiores.Uma das bandeiras eleitorais de Luís Albuquerque, em Ourém, foi precisamente o incentivo financeiro à natalidade. Quando recuperou a câmara para o PSD, em outubro de 2017, tratou de cumprir a promessa. De modo em que em 2018 o município passou a ser um dos mais recentes no país a aderir ao rol de incentivos..António Carreira e a mulher, Dora Oliveira, foram o primeiro casal a preencher a candidatura. Moram em Fátima, cidade que paradoxalmente torna o concelho de Ourém num dos que mais gente recebe no país, anualmente, mas que não estava a fixar população.."Assim que tomámos conhecimento tratámos logo disso. Era uma boa ajuda, sobretudo quando já íamos para o terceiro filho", que foi, afinal, uma filha: Maria Clara, que no início de abril fez um ano, juntando-se à irmã, de 9 e ao irmão de 5. António Carreira, professor de Eletrónica no Centro de Estudos de Fátima, preencheu cada item da candidatura que, depois de aprovada, lhe garante um apoio financeiro durante três anos. E esse oscila entre os 500 e os 800 euros anuais, consoante os rendimentos.."Todos têm direito a receber, mas temos de ter em atenção as condições de cada família. E em Ourém, embora a situação não fosse dramática, sentimos que era preciso fazer alguma coisa para incentivar a fixação e a natalidade", diz ao DN Luís Albuquerque..Apenas num ano deram entrada nos serviços da autarquia 264 candidaturas. Durante três anos as famílias recebem um apoio monetário em forma de reembolso das despesas com os filhos. O presidente da câmara não tem ainda dados oficiais sobre a natalidade, mas arrisca apontar para "um aumento na ordem dos 10% de nascimentos em 2018, quando comparado com o ano anterior". Além disso, sublinha que "nasceram também várias empresas ligadas à primeira infância e à maternidade"..Em Ourém, tal como na maioria dos concelhos que apostam nos incentivos à natalidade, não basta ter filhos registados na terra. É preciso residir ali há pelo menos um ano..Dinheiro não basta.A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) - em contraciclo com a diminuição da taxa de natalidade no país - acompanha com atenção o rol de medidas que os municípios vão desenvolvendo como forma de apoio. "Mais do que incentivos financeiros e, precedendo estes, defendemos que sejam adotadas medidas que visem a eliminação dos vários âmbitos em que as famílias são prejudicadas. Dois exemplos: custo da água, em que um copo de água pode chegar a custar o dobro ou o triplo por ser tirado da torneira da casa de uma família numerosa, ou o IMI, que é muito mais caro por uma casa ser maior, quando a dimensão é uma necessidade para uma família também maior", afirma Ana Cid Gonçalves, secretária-geral da APFN..A associação não deixa de enaltecer "que sejam tomadas medidas que visem ajudar as famílias nos primeiros encargos com os filhos e simultaneamente cooperar com a economia local ou com a sustentabilidade". E por isso sublinha a importância de "vales que possam ser descontados no comércio local para a aquisição de produtos que visem as primeiras necessidades dos filhos (carrinhos, berço, fraldas...) ou a criação de bancos de puericultura que viabilizem a reutilização destes materiais por várias famílias"..No Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis há vários exemplos desses, sobretudo em concelhos mais despovoados, como é o caso dos que o DN focou nesta reportagem. Porém, as medidas de incentivo não têm bastado para inverter a curva da natalidade.