Apesar da crise, 2016 mobilizou as pessoas "como nunca" -- perita irlandesa

A perita em desenvolvimento internacional Suzanne Keatinge, que esteve em Lisboa a participar num curso sobre o tema, realçou que, apesar de 2016 ter sido "um ano de crise", as pessoas mobilizaram-se "como nunca".
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Em entrevista à Lusa, no final do curso de verão sobre desenvolvimento internacional organizado pela Plataforma Portuguesa de Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento, pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, Suzanne Keatinge colocou a tónica nesse envolvimento dos cidadãos -- reconhecendo que, hoje, este acontece mais em torno de "questões concretas" -- e na transformação da sociedade civil.

Os cidadãos olham para as organizações com "desconfiança", acham que elas não prestam contas e "vivem no seu mundo e não no mundo real", descreve a atual diretora executiva da organização irlandesa Dóchas, admitindo: "Somos parte do sistema, da elite tradicional".

Neste cenário, as organizações precisam de "acordar um pouco", "regressar ao mandato" original e "ser-lhe fiel", defende.

"Apercebi-me muito, particularmente durante este período de austeridade, de um foco maior na sobrevivência, ou até no crescimento, do que no que é realmente preciso nestes tempos de mudança", reconhece.

Perante representantes de várias organizações não governamentais portuguesas e estrangeiras, a especialista irlandesa, que participou na sessão de encerramento do curso, na passada sexta-feira, foi frontal na análise.

O Brexit -- termo que se refere à saída do Reino Unido da União Europeia -- é um "sintoma de um mal mais profundo, é muito mais do que deixar a União Europeia, é um desafio à narrativa internacionalista", considera, defendendo que "é preciso não perder de vista os valores desafiados".

Tanto o Brexit como a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos revelaram "um afastamento entre as pessoas e as agências internacionais", que, perante isso, "não podem continuar a trabalhar como se nada fosse", sustenta.

"Tem havido complacência no trabalho que fazemos, particularmente na nossa relação com o Sul", avalia. "Não mudámos a ideia tradicional de caridade. Temos de alterar a nossa narrativa", reconhece, apresentando o conceito de "humildade radical" e defendendo parcerias assentes no "respeito" e na capacidade de nos "ouvirmos uns aos outros".

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são "uma enorme oportunidade", mas oferecem apenas "uma visão de mudança", frisou, em entrevista à Lusa.

"São um quadro de referência, para não termos de começar do início. Mas não podemos ser ingénuos, não são a resposta para tudo. Em comparação com os anteriores Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável tiveram muito mais participação, nomeadamente da sociedade civil", compara.

O importante é que cada um use "toda a influência que puder em todas as esferas em que se mova", diz. "Se pensarmos assim, todos tempos poder. Temos de usar esse poder", apela.

Sublinhando o "sentido de emergência", a perita irlandesa considera que não há tempo para esperar até 2030, data até à qual a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável visa erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento económico, social e ambiental à escala global.

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