Apenas 750 famílias pediram acesso à tarifa social de internet

Anacom responsabiliza operadores pelo curto alcance da medida, cujo universo potencial é de 780 mil agregados. Restrições associadas às fidelizações, falta de ofertas isoladas e iliteracia digital dificultam sucesso da tarifa.
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A tarifa social de internet só foi solicitada por 750 famílias até agora e a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) responsabiliza os operadores pela fraca adesão a um serviço universal desenhado para beneficiar, idealmente, 780 mil agregados. No entanto, o regulador rejeita fazer uma avaliação isolada, pois a medida pode ser melhorada e o contexto do setor pode mudar.

"Até ao dia de hoje existiram 750 pedidos. Destes, 450 foram efetuados por cidadãos que estão elegíveis para a tarifa social", revela fonte oficial da Anacom ao Dinheiro Vivo. E neste momento o número de pedidos ainda em análise "é inferior a 10".

A tarifa social entrou em vigor a 1 de janeiro, mas só ficou disponível para solicitação a 21 de fevereiro. "O número de beneficiários da tarifa social de internet nos primeiros seis meses é inferior ao que seria expectável", sublinha a mesma fonte.

Para o regulador liderado por João Cadete de Matos, o nível de pedidos é "influenciado por vários fatores", sendo o atual contexto das telecomunicações o que melhor explica a fraca procura das famílias mais carenciadas pela tarifa. "A título ilustrativo, as restrições associadas às fidelizações das ofertas comerciais de comunicações eletrónicas dificultam a adesão de potenciais beneficiários", refere fonte oficial do regulador.

Por exemplo, se um potencial beneficiário desta tarifa tiver já um serviço de telecomunicações contratualizado que inclua acesso à internet, e o período de fidelização ainda esteja a decorrer, não deverá cancelar esse pacote para aceder à tarifa social, sob pena de ter de pagar uma penalização por cancelamento antecipado, segundo a atual lei das comunicações eletrónicas.

Acresce "a prática comercial dos principais operadores, que oferecem serviços em pacote, sem oferecer, simultaneamente, ofertas competitivas isoladas". O regulador alega que isso "dificulta que um utilizador deixe o referido pacote e subscreva o serviço de internet associado à tarifa social isoladamente". Mesmo para um potencial beneficiário que subscreva um pacote de serviços que não inclua acesso à internet, adicionar a esse encargo o custo da tarifa social de internet - ainda que tenha um preço simbólico - pode sair mais caro.

A tarifa social de internet não contempla um serviço básico de televisão por subscrição ou de telefone. De acordo com uma análise publicada no site da Deco Proteste, a associação de defesa do consumidor considera que, atualmente, conjugar a outro tarifário já contratualizado - mesmo que um isolado - a "tarifa social de internet sai mais cara do que aderir aos pacotes de TV, net e voz mais baratos do mercado" oferecidos pelos operadores Meo, NOS, Vodafone ou Nowo. Considerando que há hoje 4,4 milhões de subscritores de pacotes de serviços de telecomunicações (o mesmo número de assinantes de televisão paga), a Deco Proteste crê que "a utilidade" da tarifa social de internet vai-se "esvaziar".

"As características da oferta associada à tarifa social e o grau de iliteracia digital da população serão outras potenciais razões para a reduzida adesão verificada", argumenta fonte oficial da Anacom. Esta afirmação reitera o que o presidente, Cadete de Matos, já tinha defendido no Parlamento, a 5 de julho, numa audição regimental na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação: que as condições atuais desta tarifa social "são exíguas e abaixo daquilo que a Anacom recomendou". As condições atuais da tarifa social de internet foram definidas pelo governo, que não acomodou totalmente a proposta final do regulador.

Não obstante, o regulador setorial, que é responsável por fiscalizar o cumprimento e alcance da tarifa que diz ter cariz de serviço universal, apesar de reconhecer a fraca adesão imediata, defende que "o sucesso da medida não deve ser apenas avaliado numa perspetiva isolada e estritamente baseado no número de beneficiários nos primeiros seis meses".

Considerando-a de "grande importância para a promoção da inclusão da população em situação de vulnerabilidade económica" e um "instrumento complementar a vários outras iniciativas e medidas que têm sido tomadas para promover uma sociedade mais inclusiva e conectada", a Anacom realça que esta tarifa social, "por força da sua motivação e ambição, tem um horizonte temporal largo e é passível de adaptações e melhorias". Ou seja, o regulador defende que o setor das telecomunicações tem condições para fazer mais e melhor para facilitar o acesso a esta tarifa.

Lembrando que esta é uma medida do governo e que ao regulador foi atribuída apenas a autoridade da coadjuvação na matéria, a Anacom assegura que irá atuar "no sentido de ajudar a criar condições para que a tarifa social de internet se constitua como um instrumento cada vez mais eficaz".

Em maio, também no Parlamento, o secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo, já tinha admitido que a tarifa social não estava a ter a adesão que gostaria, mas que havia empenho para que esta seja "o mais alargada possível". Este dossiê, contudo, é da responsabilidade do Ministério das Infraestruturas e Habitação, que tem a tutela das comunicações.

A tarifa social de internet entrou em vigor no início do ano, mas só a 21 de fevereiro começou a ser disponibilizada pelos operadores. A medida conta com cerca de 780 mil beneficiários potenciais, o mesmo universo da população que beneficia da tarifa social de eletricidade e da água.

As famílias que acederem a este serviço social pagam mensalmente 6,15 euros (IVA de 23% incluído). O serviço inclui um mínimo de 15 gigabytes de dados por mês e os operadores têm de assegurar uma velocidade mínima de download de 12 megabits por segundo (Mbps) e 2 Mbps de upload. Poderá ser ainda cobrado um valor máximo e único de 26,38 euros (IVA a 23% incluído) para serviços de ativação ou aquisição de equipamentos de acesso. Nesse caso, o valor pode ser pago de uma só vez ou em seis, 12 ou 24 meses.

Só uma tarifa é válida para cada agregado familiar. As pessoas que beneficiem da pensão social de velhice ou do complemento solidário para idosos; do subsídio de desemprego; da pensão social de invalidez do regime especial ou do complemento da prestação social para inclusão; do rendimento social de inserção; do abono de família; e os agregados familiares com rendimento anual igual ou inferior a 5808 euros, acrescidos de 50% por cada membro do agregado familiar que não disponha de rendimento, até um limite de dez pessoas, podem requerer a tarifa.

Quem for elegível para solicitar a tarifa social de internet deverá formular o pedido junto de um operador de telecomunicações. A telecom encaminhará a solicitação para a Anacom, que verificará se os requisitos de elegibilidade são cumpridos. Se todos forem respeitados, o regulador informa o operador, que deverá ativar a tarifa social de internet no prazo máximo de 10 dias.

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