As boas notícias primeiro: os Estados Unidos vão regressar ao Acordo de Paris e em 2020 deve registar-se uma quebra global de emissões de gases com efeito estufa na ordem dos 7%. Agora as más: o regresso dos norte-americanos ao tratado internacional não trará efeitos imediatos. A quebra nas emissões deve-se à pandemia e ao facto de no ano anterior a atividade humana ter batido o recorde de emissão de gases. E os especialistas temem que a retoma económica global, resultante de subsídios e apoios governamentais às indústrias, inclusive as poluentes, vá agravar o problema, em contraciclo com o que os países se comprometeram..O Acordo de Paris, celebrado há cinco anos por 195 países (ficaram de fora a Síria e a Nicarágua) e a União Europeia, estabelece um objetivo global de manter o aumento da temperatura média global "bem abaixo dos 2° C" em comparação com os níveis pré-industriais e, se possível, a 1,5° C, um limiar já por si sinónimo de mudanças profundas, de acordo com os climatologistas..A temperatura já subiu 1,2° C, e com 2020 no topo dos anos mais quentes de que há registo é expectável que a trilhar o mesmo caminho se atinja 1,5° C nas próximas duas décadas. O limite de 2° C não é alcançável com os atuais compromissos de redução de gases com efeito estufa que os países assumiram numa base voluntária; e para alcançar o limite de 1,5° C os países precisariam de quintuplicar os esforços. De acordo com o Climate Action Tracker, os atuais compromissos em matéria de emissões veriam provavelmente 2,1° C de aquecimento até 2100..Se o cenário é visto com preocupação, pior ficou quando o presidente norte-americano Donald Trump decidiu retirar os EUA de cena, em 2017. Os efeitos práticos da saída dos EUA serão poucos, uma vez que se concretize o regresso ao acordo anunciado por Joe Biden em 4 de novembro, no dia em que formalmente Washington deixou o Acordo de Paris (e numa altura em que o candidato democrata não tinha certeza se teria vencido as eleições). "Hoje, o governo Trump retirou-se oficialmente do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas. E dentro de precisamente 77 dias, um governo Biden vai integrá-lo", tuitou..É portanto de esperar que no primeiro dia na Casa Branca, 20 de janeiro, o novo presidente vá informar a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas do regresso dos EUA ao tratado, o que deverá demorar um mês a surtir efeito..Os EUA pesam 13% no bolo global de emissões de gases com efeito estufa e a administração Biden deve comprometer-se em cortar em 37% as emissões até 2030 e a neutralidade carbónica em 2050, quando o objetivo da era de Obama, de um corte de 26% até 2025, está longe de se concretizar. Sob o mecanismo do Acordo de Paris, os estados devem aumentar os seus planos de redução de emissões de cinco em cinco anos. A dias do fim do prazo, 31 de dezembro, menos de 20 países, representando 5% das emissões, apresentaram até agora as respetivas metas (Contribuição Nacional Determinada)..Citaçãocitacao"Não há vacina para o planeta".Perante o relatório das Nações Unidas sobre o Ambiente, revelado na quarta-feira, só se reforça a ideia generalizada entre os cientistas de que os objetivos do Acordo de Paris são insuficientes. "É melhor fazermos estas mudanças, porque embora a covid tenha sido má, a esperança está ao fundo do túnel com uma vacina", disse Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. "Mas não há vacina para o planeta.".É aqui que entra o papel de uma nova administração norte-americana tomada pela ambição de liderar a agenda da descarbonização. Na próxima ronda de negociações climáticas da ONU, a COP-26, em Glasgow, Escócia, em novembro de 2021, esperam-se metas mais ambiciosas para 2030, com os EUA à cabeça.."A liderança dos EUA e o acordo bilateral EUA-China para reduzir as emissões de CO2 foram fundamentais para colocar o Acordo de Paris no bom caminho", disse a climatologista Natalie Mahowald à NBC. "A continuação do envolvimento e da liderança dos EUA é fundamental para qualquer esforço no sentido de travar as alterações climáticas", conclui a autora principal do relatório das Nações Unidas sobre as alterações climáticas de 2018..Além de ter sinalizado o regresso ao Acordo de Paris, Biden deu um sinal de querer não só restabelecer as metas anteriores, mas também de imprimir mais ambição, ao nomear John Kerry enviado especial para o clima. O ex-secretário de Estado da era Obama, que assinou o Acordo de Paris com a neta ao colo, é uma das vozes norte-americanas mais ativas no combate às alterações climáticas e a sua experiência enquanto chefe da diplomacia dar-lhe-á um peso específico para pressionar outros países que aproveitaram o exemplo de Trump para baixar as ambições..Ativistas ambientais citados pela AFP apontam o dedo aos governantes da Austrália, da Arábia Saudita e do Brasil. Será também de esperar iniciativas em relação a alguns dos países que assinaram o acordo mas não o ratificaram, casos de Turquia, Irão e Iraque. Ancara é a única capital do G20 nesta posição em parte porque quer continuar a ser tratada como um país em vias de desenvolvimento e poder ser financiado em vez de financiador..Mas o grande interlocutor é o país com o qual os Estados Unidos passaram a ter uma relação de rivalidade e que é o maior poluidor à escala global, a China. Se é certo que Xi Jinping anunciou a meta de emissões zero até 2060 não é menos verdade que Pequim aprovou a construção de 17 gigawatts de centrais elétricas a carvão no primeiro semestre deste ano, mais do que em 2018 e 2019 em conjunto. "O carvão não deve ter lugar em nenhum plano de recuperação racional", disse o secretário-geral da ONU António Guterres, em julho..No que respeita à política ambiental interna, Biden vai reverter a agenda de Trump baseada no regresso ao carvão e ao petróleo e na qual a administração cessante desregulamentou cerca de 80 normas, em especial sobre emissões, perfuração e exploração mineira. Biden deverá recorrer às ordens executivas para restaurar a regulamentação pré-Trump e, segundo a Reuters, as prioridades incluem o regresso aos limites de emissões de gás metano na extração de petróleo e gás - algo que as maiores empresas defendem - e a prevenção da perfuração no Ártico..No seu programa eleitoral, Biden propõe investir dois biliões de dólares em infraestruturas para que os EUA possam atingir a meta de 100% de eletricidade obtida de fontes sem emissões de gases até 2035. No entanto, a agenda de Biden está dependente das eleições de 5 de janeiro na Geórgia: só com a vitória dos dois lugares de senadores é que a nova equipa tem garantias de que qualquer projeto de lei terá sucesso, uma vez que neste momento o Senado tem mais dois eleitos republicanos do que democratas. Em caso de empate, cabe à vice-presidente Kamala Harris o voto decisivo..União Europeia A UE comprometeu-se em 2015 a reduzir as suas emissões de CO2 em pelo menos 40% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Mais tarde a Comissão reforçou a ambição de visar uma redução de 55% das emissões até 2030 e de alcançar zero até 2050..China Responsável por cerca de um quarto de todas as emissões, a China comprometeu-se em 2016 a reduzir a intensidade das suas emissões em cerca de 65% até 2030. Nesse cenário, Pequim planeou atingir o pico das emissões no final da presente década. Em setembro, o presidente Xi Jinping anunciou atingir emissões zero até 2060..Estados Unidos da América Segundo maior poluidor mundial, os EUA tiveram papel fulcral no Acordo de Paris (até em pormenores como a arquitetura do acordo não ser formalmente um tratado, de forma a dispensar a aprovação no Congresso), com um compromisso inicial de reduzir as emissões em 25% até 2025, em comparação com 2005. No programa eleitoral de Biden o objetivo é atingir a neutralidade carbónica até 2050, mas o sucesso da sua política está em parte dependente das eleições para os dois lugares restantes do Senado..Brasil O governo brasileiro reviu as suas metas nesta semana, tendo anunciado o objetivo de emissões zero em 2060, como a China. A diferença para Pequim é que fez saber aos parceiros internacionais que esse prazo pode ser encurtado, embora sem dizer em quanto tempo, caso o país passe a ser financiado, a partir de 2021, em dez mil milhões de dólares anuais para a defesa da floresta..Reino Unido Os britânicos fizeram lei do objetivo de alcançar a neutralidade carbónica em 2050. Na semana passada o governo de Boris Johnson anunciou que iria procurar reduzir as emissões em 68% até 2030, em comparação com os níveis de 1990..Índia O terceiro maior poluidor do mundo, a Índia planeia tal como a China reduzir a sua intensidade de carbono, no seu caso até 35% nesta década em comparação com os níveis de 2005..Rússia Moscovo diz que planeia atingir níveis de poluição em 2030 que são 70% dos níveis de 1990, na realidade, uma queda de 30%. A Rússia ratificou o Acordo de Paris em 2019..Japão Comprometeu-se em 2016 a uma redução de 26% das emissões até 2030. O novo primeiro-ministro Yoshihide Suga disse em outubro que o país seria neutro em carbono até 2050.