Ao volante de um fusca, conhecido como carocha em Portugal, o guia estaciona nos aeroportos Antonio Carlos Jobim e Santos Dumont à espera de interessados em mais um de entre tantos passeios turísticos pela cidade do Rio de Janeiro..A primeira paragem da jornada é no mítico Hotel Glória, o mais antigo dos hotéis cinco estrelas do Brasil, alojamento de príncipes e princesas, chefes de Estado e artistas internacionais. O percurso continua pelo centro, onde se destaca dos demais o edifício da Petrobras, maior empresa do país, até parar no Maracanã, o palco dos palcos do futebol mundial..A seguir, a digressão ruma à celebrada zona sul, de caras para o oceano Atlântico e para as suas fabulosas praias urbanas, explorando os apartamentos milionários da Avenida Vieira Souto, em Ipanema, e as ruazinhas entrelaçadas do Leblon, os metros quadrados mais caros do Brasil..Para concluir, o fusca faz surpreendente guinada e cruza a cidade na direção do nada turístico bairro de Bangu, onde se situa o Complexo Penitenciário de Gericinó..Porque este tour, afinal, não é mais um de entre tantos passeios turísticos pela cidade do Rio de Janeiro: é o Corruptour, ideia do tabloide carioca Extra, que oferece aos turistas, como diz o slogan, "um passeio pelos pontos mais maravilhosos da cidade corrupta... ou vice-versa"..O Hotel Glória é hoje o paradigma dos negócios ruinosos do ex-milionário Eike Batista que, com o auxílio de milhões do banco público de desenvolvimento BNDES, deixou as obras de recuperação do local paralisadas ad aeternum. Um prejuízo, mesmo assim, incomparável ao causado pela fábrica de corrupção em que a Petrobras se tornou. O Maracanã, cujo preço das obras para sediar o Mundial de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 foi multiplicado por três para satisfazer os malandros municipais, estaduais e federais, precede a visita à Vieira Souto, onde a polícia federal, semana sim, semana não, vai vasculhar apartamentos de membros da organização criminosa liderada por Sérgio Cabral, o ex-governador do Rio que desviou 70 milhões de euros. É à porta da casa de Cabral que o fusca estaciona na penúltima paragem do seu tour, antes de desviar para a morada atual do político, a cadeia de Bangu..Uma agência de viagens do Paraná já havia tido ideia parecida mas na cidade de Curitiba, onde por cerca de 100 euros oferece um tour de quatro horas pelos locais emblemáticos da Lava-Jato - pela Procuradoria da República, pela sede da Justiça Federal do Paraná, pelo prédio do gabinete do juiz Sergio Moro, pela superintendência da Polícia Federal da cidade e, claro, pelo Complexo Médico Penal, onde estão presos figuras-chave do processo, como Eduardo Cunha, antigo presidente da Câmara dos Deputados, ou Antonio Palocci, ex-braço direito de Lula e Dilma..Em paralelo a estas iniciativas, o presidente da "Turma do Bem", uma organização não governamental de voluntariado que atua no Brasil (e em Portugal), sugeriu a construção de um Museu da Corrupção Brasileira. Em artigo no jornal Folha de S. Paulo, Fábio Bibancos explica que pensou num projeto que detalhasse como funcionaram todos os conchavos eleitorais, todos os subornos e comissões e todos os acordos parlamentares para barrar investigações da história brasileira. E todos os casos de nepotismo, desde o original, escrito por Pero Vaz de Caminha na primeira carta redigida em território brasileiro, a 1 de maio de 1500, dirigida ao rei Dom Manuel, onde já constava um pedido de favorzinho para um genro seu..Um museu para ser visitado por alunos de todas as idades que teriam também a possibilidade de verificar por métodos interativos as consequências do flagelo - das filas intermináveis nos serviços estatais de saúde aos transportes públicos degradados, passando pelas vielas das cidades de periferia com esgoto e violência a céu aberto..No fundo, a ideia que preside aos quase cómicos tours carioca e curitibano e ao museu de Bibancos é a mesma por trás, por exemplo, do nada engraçado Memorial do Holocausto de Berlim: lembrar o horror para nunca mais o repetir.