Trabalha com famílias de jovens que foram para a Síria. Como tudo começou?.Em abril de 2013, através de uma professora, tive contacto com duas mães de dois rapazes menores que tinham desaparecido de casa para irem para a Síria. Um com 15 anos e outro com 16. Este último foi juntar-se a um irmão que já tinha ido antes e na altura tinha 20 anos. As mães estavam em pânico. Eram jovens sem problemas familiares ou escolares. Então comecei a ajudá--las. Elas foram à polícia e lá disseram que não podiam ajudá-las porque eles já estariam na Síria. Depois elas souberam que eles ainda estavam na Turquia e pediram ajuda para os trazer de volta. Mas não obtiveram grande apoio. Uma delas foi procurar o filho na Turquia e ele voltou. O outro não quis regressar e continua lá com o irmão na Síria. O grupo de mães foi crescendo depois. E eu como ensino francês propus criar um ateliê de escrita..É professora em Molenbeek. Essas pessoas são todas de Molenbeek?.Não. Há muitas, por exemplo, de Schaerbeek. Molenbeek foi posto em evidência por causa dos atentados de Paris. Mas a célula terrorista surgiu em Antuérpia, passou por Vilvorde, Schaerbeek, etc. Há jovens de várias comunas. Em Bruxelas há 19 comunas. Fala-se de Molenbeek porque os atentados de Paris foram cometidos por uma pessoa que vivia em Molenbeek. O que constatei ao trabalhar com mães, algumas também de Antuérpia, é que não há um perfil-tipo de família. Há famílias ricas, menos ricas, famílias de casais unidos, famílias monoparentais..Todos os jovens em questão são nascidos na Bélgica?.Sim. Todos. Mas não é possível estabelecer um perfil-tipo destes jovens que vão para a Síria. Este livro que coordenei, Le Bonheur Est Parti avec Toi, é escrito por Samira Laakel, a mãe de uma rapariga de 18 anos, Nora, que foi para a Síria em maio de 2013. A filha era uma rapariga aparentemente normal e sem quaisquer problemas..Que relação tem com Molenbeek?.Eu vivi 15 anos em Molenbeek até 2001. E trabalho lá há outros 15 anos também. Os meus filhos estudaram em Molenbeek..Como evoluiu esta comuna ao longo dos tempos?.Em Bruxelas há aquilo a que chamo o crescente da pobreza, que é formado por comunas que vão desde a Gare du Midi à Gare du Nord. Molenbeek é uma delas. São zonas onde os imigrantes se concentraram. Na Gare du Nord mais os turcos. Na Gare du Midi mais os italianos, os espanhóis, os portugueses, os gregos e depois, numa segunda vaga, também marroquinos. Sempre foram bairros pobres e operários. Em Bruxelas, ao contrário de cidades como Paris ou Londres, os subúrbios são ricos e o centro é que é pobre. É um modelo diferente..Quais os principais problemas hoje em dia?.A pobreza cresceu e a revolta dos jovens contra o controlo da polícia. Estas comunas são encaradas como fontes de insegurança. Todas as políticas destinadas aos jovens são no fundo políticas de segurança que visam controlá-los. Isso cria desconfiança nos jovens em relação a tudo. Muitos polícias são de fora de Bruxelas, falam flamengo com os jovens, que não os entendem..O facto, porém, é que depois dos atentados, toda a gente olha para Molenbeek como um ninho de jihadistas....Sim. Mas não corresponde à verdade. Não há mais jovens de Molenbeek a terem ido para a Síria do que de outras partes da Bélgica. Vilvorde é uma zona flamenga e que também é belga. É preciso ter em conta que o ministro do Interior é do partido nacionalista flamengo NV/A e que há uma tentativa de desacreditar Bruxelas e desviar as atenções da Flandres. É verdade que em Molenbeek há uma grande concentração de pessoas de origem marroquina e que os recrutadores andaram lá..[artigo:5092764].Mas como explica que Salah Abdeslam se tenha escondido, com cumplicidade de outros, durante meses em Molenbeek?.Para fazer isso não é preciso mais de uma dezena de pessoas. São grupos de amigos e não é difícil encontrar quatro ou cinco que, sabendo ou não do que se trata, estejam dispostos a ajudar. Não vamos saber tudo o que aconteceu e o certo é que, até aos atentados de Paris, ninguém quis ouvir estas mães e ninguém quis saber que havia jovens a ir para a Síria. Este livro de que falei ficou pronto na noite do atentado contra o Bataclan e o Stade de France. Uma das mães que estava comigo nessa noite soube posteriormente, pelas notícias, que o seu filho, Bilal, se explodira no Stade de France. Ela não sabia que ele estava na Europa. Nessa noite até estava a falar com outra mãe, cujo filho também se chama Bilal e aceitou regressar da Síria, que a tentava confortar e lhe disse que o dela também acabaria por voltar um dia. Hoje em dia ela está muito mal. Estas pessoas ficam isoladas, até dentro da própria comunidade, estão sob vigilância constante. A conferência de imprensa de apresentação do livro estava marcada para o dia seguinte, mas adiámos uma semana, apareceram lá jornalistas de todo o mundo. Se não tivesse havido os atentados não ia nem um..Como combater a radicalização?.Parar com as guerras, com a discriminação e, enfim, isso poderá desaparecer. Eu sou contra os programas de desradicalização porque só servem para gastar o dinheiro do Estado. Eu financiei este livro. Depois dos atentados já havia um ministro a querer financiá-lo. Recuperei o investimento porque o livro vendeu, por causa dos atentados, caso contrário seria talvez dinheiro perdido. Hoje em dia multiplicam-se os especialistas em desradicalização que nunca entraram sequer num bairro muçulmano..Seis meses após os atentados no aeroporto de Zaventem e no metro de Maelbeek, quais as principais mudanças que as pessoas sentem em Bruxelas?.Os atentados foram a morte de Bruxelas. Uma catástrofe. A minha sobrinha, de 35 anos, estava no metro quando se deu a explosão. Ficou com queimaduras nos braços e no rosto. Perdeu temporariamente a audição e teve microfraturas no corpo. Mas não é a presença de militares nas ruas que garante que não vai haver mais atentados. Eu não me sinto mais segura. Ao olhar para os militares nas ruas as pessoas apenas sentem que estão em guerra..Em Bruxelas, a jornalista viajou a convite da Comissão Europeia