António Topa (1954-2021). Invulgarmente frontal

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Num partido em clima de guerra sem precedente, o falecimento de António Topa, nascido em Santa Maria da Feira há 67 anos, conseguiu reunir alguma solenidade. A dimensão consensual da sua memória entre sociais-democratas sentiu-se no momento da sua partida mas, também e talvez especialmente, no seu percurso público. Topa foi o único dirigente do PSD que transitou da Comissão Política Nacional de Pedro Passos Coelho para a de Rui Rio, em 2018, sendo públicas as profundas divergências entre a linha de Passos e as gentes do ex-presidente da Câmara do Porto. Para Topa, o que estava em causa era algo a que entregou a sua vida, raramente esperando ou querendo algo de volta: o PSD.

António André da Silva Topa foi tudo o que um militante-base pode aspirar a ser. Membro de assembleia municipal e de assembleia de freguesia, vereador, presidente concelhio e distrital, deputado na Assembleia da República, vogal de duas direções nacionais e, sobretudo e além de tudo isso, respeitado - tanto por aliados quanto por adversários.

Das três vezes que liderou a poderosa distrital de Aveiro nunca se propôs a si mesmo numa lista de deputados para o parlamento, chegando a convidar quem antes o havia defrontado pela presidência do distrito. Em 2015, na primeira vez que entra para a Assembleia, é inclusivamente indicado por um concelho que não o seu. Em vez de Santa Maria da Feira, vai por Ovar, onde o povo vareiro a princípio o estranha, mas acolhendo-o depois como um dos seus, tendo-se tornado presença assídua nas praias locais, nas tradicionais "patuscadas" ao sábado entre pescadores.

Salvador Malheiro, presidente do município e diretor de campanha de Rio nas diretas em disputa, lembra-o como alguém que lhe ensinou a máxima "política é povo". "Tinha uma capacidade única de estabelecer amizades para a vida, independentemente do estrato social de onde vinham", relata Malheiro, que entrou para a política pela sua mão e que é igualmente engenheiro de profissão. Politicamente, "era um homem agregador, sem medo nenhum de delegar nos mais novos e promovendo as gerações futuras, muitas vezes em detrimento de si próprio", elogia. No terreno, "conjugava três características raramente tidas ao mesmo tempo: humildade, lealdade e convicção". "Quando ele falava, toda a gente ouvia."

É também assim que quem o acompanhou nas comissões políticas de Passos o recorda. "Tinha aquela figura discreta. O bigode, os cabelos meio no ar, as gravatas mais largas. Ninguém dava por ele. Mas, quando dizia alguma coisa, ficava um silêncio nas reuniões porque queríamos todos ouvir o que ele sentia na rua. Era uma espécie de embaixador junto do eleitorado, sempre muito próximo da população", descreve um outro dirigente.

Topa, que estava em Coimbra no Maio de 68, cultivava essa ligação à sociedade. Oriundo de uma família abastada e empresário durante toda a vida, cantava a Grândola Vila Morena e olhava para o PSD como um partido que devia acolher a Revolução dos Cravos no seu ideário.

Pedro Esteves, diretor de campanha de Paulo Rangel na atual disputa interna, é natural do distrito de Topa e também refere esse dom. "Tinha um faro político excecional porque era capaz de ouvir qualquer pessoa. E a sua humildade fazia que todos o ouvissem de volta". Esteves, que o conheceu jovem, guarda memória da sua atenção constante à juventude partidária do PSD e, igualmente, da sua frontalidade em qualquer discussão política, do militante mais anónimo ao dirigente mais influente.

Luís Montenegro, que com ele disputou o distrito de Aveiro, evoca-o precisamente por esse espírito. "Era muito humano, muito paciente. As pessoas gostavam mesmo muito dele, incluindo quando não estavam ao seu lado." Foi assim que aconteceu com o próprio, estando umas vezes juntos, outras separados, mas "sempre com uma boa relação pessoal". "Nunca nos zangámos, acredito que tínhamos uma relação especial. Ele era uma figura única", conclui Montenegro, que liderava a bancada durante o primeiro mandato de Topa na Assembleia.

Na Comissão de Economia, que presidiu, era conhecido pela tentativa constante de consensos e por não privilegiar o seu partido face à participação dos demais. No partido, era olhado como um game-changer nas eleições internas devido à sua popularidade entre a militância e a agremiação de votos. No país, os mais desinteressados por política talvez tenham dado pouco por ele, mas é afinal de homens como António Topa que uma democracia de partidos, como a nossa, também é feita.

Partiu no domingo.

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