Antonio Tajani: "Este Orçamento é um desastre para Itália"
Presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, esteve de visita a Portugal, esta quinta e sexta-feira, tendo-se reunido com o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro António Costa.
Antes de regressar a Bruxelas, o italiano, que chegou a estar disponível para primeiro-ministro do seu país, deu uma entrevista conjunta DN-TSF-JN, na qual teceu duras críticas ao caminho seguido pelo governo eurocético e nacionalista daquela que é a terceira maior economia da Zona Euro.
Isto porque o Executivo composto pelo Movimento 5 Estrelas de Luigi Di Maio e a Liga de Matteo Salvini chegou a acordo na quinta-feira sobre as linhas orçamentais. Contra as recomendações e regras europeias dos países da moeda única, Roma tenciona apresentar um défice muito acima do previsto: de 2,4% do PIB. E não só em 2019. Também em 2020 e 2021.
A decisão foi contra as indicações do próprio ministro da Economia italiano, Giovanni Tria, um tecnocrata, que não queria um défice superior a 1,6%. Além disso, Di Maio e Salvini decidiram aumentar a despesa pública.
Além da situação em Itália, Tajani falou da necessidade urgente de uma estratégica de longo prazo para África, como a única forma eficaz de fazer frente à crise migratória. Disse estar otimista ainda em relação a um acordo negociado para o brexit e tentou desvalorizar o possível efeito que um aumento de eurodeputados nacionalistas nas eleições europeias de maio de 2019 pode ter sobre a sua família política, o Partido Popular Europeu (PPE).
Os países europeus estão a preparar os seus orçamentos para 2019. Há um país que conhece particularmente bem e que é Itália. O que pensa do Orçamento do Estado italiano?
O Orçamento de Itália é, neste momento presente, negativo. É preciso reduzir a despesa pública, precisamos investir mais dinheiro em infraestruturas, só há ajudas estatais para o Sul, isso não é bom para o emprego, para o crescimento, não gosto desta proposta. É contra o povo italiano. É um desastre para o meu país.
Acha que, no pior dos cenários, Itália pode ser a próxima Grécia da Zona Euro?
Eu espero que não. Vivemos um momento difícil. A solução económica proposta por este governo é totalmente louca. Discordo da proposta do [Movimento] 5 Estrelas e da Liga [Norte]. É absolutamente negativa para Itália e para a Europa. Mas acredito que é possível mudar. A Itália não é a Grécia. Felizmente há uma boa rede de empresas, é um país industrial, é possível reagir. Mas claro que isto é uma mensagem negativa para os mercados. Discordo da proposta do governo. A reação dos mercados é negativa para os cidadãos europeus. Este orçamento é contra o povo. É contra os italianos. Vão matar os bancos. A economia. Sem investimentos, só com blá, blá, blá, propaganda...
Está preocupado também com a forma como o governo italiano lida com a crise migratória?
Em relação às migrações há dois aspetos: um é que foi um grande erro deixar sozinho o Sul da Europa [a lidar com isso] e o outro é que não temos uma boa estratégia europeia para lidar com a imigração ilegal. Temos que ter uma boa estratégia para lidar com a imigração vinda de África. Precisamos de mais dinheiro, de um Plano Marshall para África, de trabalhar duro, a curto, médio e longo prazo, para travar os barcos [de traficantes com migrantes], para conseguir a paz e a unidade na Líbia e para ter uma estratégia de longo prazo para África. É preciso, mais ou menos, 50 mil milhões de euros para isto.
Sublinhou insistentemente a falta de uma estratégia para África. Em dezembro próximo, segundo anunciou a presidência austríaca, haverá uma nova cimeira UE-África. No cenário atual, quando olha para os atuais governos dos países do Sul da Europa, parece-lhe que Portugal é neste momento o Estado membro mais bem colocado para ajudar a UE a comunicar com os países da África?
Sim. Claro. Portugal é um país importante para a estratégia europeia em África. Mas também para a estratégia europeia na América do Sul. Precisamos de mais Portugal em Bruxelas no que toca à estratégia para África porque os portugueses compreendem a situação em África, não só na zona do Mediterrâneo, não só na zona Subsariana, mas também na zona do Sul de África. Nós temos que investir em todo o lado em África, não só no Norte, não só na região Subsariana, também no Sul. Penso que nos próximos anos, Angola, por exemplo, será líder e, por isso, temos que fortalecer a situação em Angola. Se queremos reduzir a imigração de África para a Europa é possível trabalhar na criação de empregos para os africanos em países como Angola. Por isso precisamos de uma estratégia e Portugal é crucial para isso.
Acha que a suspensão de Schengen, ainda que temporária, é uma forma de lidar com a crise das migrações?
Não. Para a crise migratória precisamos de uma estratégia. Schengen é uma solução de curto prazo. Precisamos de uma estratégia para África como precisamos de uma estratégia de paz para o Médio Oriente. É preciso olhar para os Balcãs. É uma região que pode não ser muito importante para o vosso país mas é muito importante para a Europa. É preciso trabalhar na estabilidade desta região também.
Como vê a forma como países como Hungria, Polónia e República Checa estão a lidar com esta crise migratória? Há duas semanas, o Parlamento Europeu aprovou um voto contra a Hungria. Na altura, o senhor não falou sobre isso, mas sim sobre Malta e Eslováquia. Considera que a situação nesses dois países é mais condenável do que nos outros três?
Nós temos que respeitar e defender os direitos humanos em todo o lado. As regras europeias são para todos os países da UE. O problema está no assassínio de dois jornalistas, um em Malta, outro na Eslováquia. Quero saber, não só quem é o assassino, mas sim quem são os mandantes dos assassinos. Quem os incentivou? Quem decidiu matar dois jornalistas? Eu não sei. Mas precisamos saber. Quanto aos outros países, a Europa ajudou-os muito durante o regime comunista, agora precisamos que sejam eles a ajudar neste momento difícil para o Sul da Europa [no que toca às migrações]. Se eles querem recusar refugiados, então que ponham muito dinheiro no Plano Marshall para África; não falo em migalhas, mas de muito, muito dinheiro.
Espera um grande resultado dos nacionalistas nas eleições europeias de maio de 2019? E em que medida pensa que isso pode afetar o resultado do Partido Popular Europeu (PPE)?
Penso que o Partido Popular Europeu será o primeiro partido. Somos um partido de centro-direita. Temos os nossos valores, a nossa identidade, identidade cristã, de defesa da Europa. O problema com o partido de [Viktor] Órban é um problema interno. Estamos a pressionar pelo respeito dos nossos valores por parte do Fidesz [partido do primeiro-ministro da Hungria].
Sobre o brexit [quando faltam quase seis meses para a saída do Reino Unido da UE]. Ainda acredita que vai haver um acordo entre a UE e o governo [da primeira-ministra britânica] Theresa May?
Estou otimista. Precisamos de trabalhar muito. Para o Parlamento Europeu há três pontos importantes: a defesa dos direitos dos cidadãos europeus que vivem no Reino Unido e dos direitos dos cidadãos britânicos que vivem na UE, o facto de que é impossível dividir as diferentes liberdades dentro do mercado único e, em terceiro lugar, a fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. Somos favoráveis a uma fronteira flexível, em defesa dos Acordos de Sexta-feira Santa, mas ao mesmo tempo precisamos de um bom controlo dos bens que vêm do estrangeiro, em salvaguarda da nossa saúde, da indústria agroalimentar da UE.