António Saraiva: "Nas contas da CIP, [o salário mínimo em 2017] não chega a 550 euros"
Diz que os patrões só aceitam o aumento do ordenado mínimo se não houver alterações na legislação laboral, mas o governo já anunciou que o salário mínimo aumenta para 557 euros, mesmo que não haja acordo. Os patrões não fazem greves, como diz, também não fazem manifestações, pelo menos para já. Como vai convencer o governo, que está apoiado pelos partidos de esquerda, a dar aos patrões, às empresas, aquilo que, na opinião da Confederação Empresarial de Portugal [CIP], as empresas precisam?
Ainda bem que me faz essa pergunta porque me permite esclarecer alguma dúvida que se instalou. Aquilo que o governo nos apresentou, em concertação social, foram três cenários: ou não há acordo e o governo decreta o valor do salário mínimo para 2017; ou há acordo, que pode ser um de dois possíveis cenários - ou um acordo para 2017, à semelhança do que aconteceu em 2016 (e aí acordamos os termos e o clausulado desse acordo), ou, como o governo prefere, um acordo para toda a legislatura. Obviamente que nós, honrando o compromisso e o acordo que temos assinado, estamos disponíveis para um acordo para 2017, com um valor que tem de respeitar o que está acordado. Ou seja, os indicadores que lá estão contidos apontam para um valor que, na nossa perspetiva e feitas as contas, está longe dos 557 que o governo... que o Partido Socialista terá negociado com os partidos de esquerda. Por isso, honrando o compromisso, nós apontaremos um valor em concertação social e faremos um acordo. É essa a nossa disponibilidade para 2017.
E qual é esse valor?
Coisa diferente... Desculpe, já agora, para precisar. Coisa diferente é um acordo para toda a legislatura. E se o governo quer, como manifestou vontade de querer, um acordo para a legislatura, então nós aí dizemos: "Não estamos disponíveis para um acordo para a legislatura a não ser que o governo venha com condições que sejam muito favoráveis, para nos motivar para esse acordo."
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Mas há um acordo entre os partidos de esquerda para chegar aos 600 euros em 2019.
Pois há. É verdade que sim, mas esse acordo é político, vive em sede de Parlamento, vive em sede do acordo que o PS fez com o Bloco. Mas são as empresas e nós, que as representamos, que sabemos o estado da arte, permita-me a expressão, [somos nós] que sabemos o que é sustentável. Porque estarmos a aumentar salários, como está em cima da mesa, para 557 euros, isso representa 5% de aumento em relação ao valor atual do salário mínimo, que são 530. Se a economia vai crescer 1%, desejaríamos nós que fossem...
Existem esses dados para fazer essas contas. Por isso eu lhe pergunto qual é...?
Não é possível que os ordenados cresçam para além deste crescimento económico.
A CIP já fez as contas. Qual é o valor que vai apresentar?
A CIP já fez as contas e está aquém dos 557 euros.
Mas diga-nos lá, porque já fez as contas, qual é esse valor? Porque aquém de 557 também é 556.
Não. Não é 557. O nosso valor não é esse valor. Vamos revelá-lo em sede de concertação. E permita-me que não o revele agora porque, enfim, prejudicaria a negociação.
Temos pena. Sendo jornalistas, fazemos perguntas à procura de respostas.
Entendo a vossa posição, mas perceba que prejudicaria também a minha em sede de negociação na concertação social e, por isso, o que lhe posso dizer é que está longe dos 557. Se for 557 que o governo traga para cima da mesa, porque...
Se não houver acordo...
... se houver coerência do governo em relação àquilo que o governo negociou, em sede política, com o Bloco, trará esse valor, mas o governo também não avançou com um valor. Sabemos que politicamente existe esse compromisso, mas o governo, em sede de concertação social, não apresentou os 557.
Está à procura de um acordo?
Estou à procura de um acordo, obviamente.
Admite, de qualquer das formas, chegar aos 600 euros em 2019?
Não! Admito um aumento de acordo com o que for a evolução da economia. Admito negociar de acordo com indicadores que sejam mensuráveis. O salário mínimo tem uma componente social que todos nós respeitamos, todos nós reconhecemos que o salário mínimo é baixo! Agora, em que condições é que a economia está, em que condições estão as empresas, que ganhos de produtividade é que têm, que crescimentos económicos é que o país tem de atingir? Temos de conjugar tudo isto. E, porque somos sensíveis e dependentes desse crescimento que a economia possa revelar, é que no ano passado introduzimos estes critérios de valorização dos aumentos. E, por isso, neste ano, temos referenciais objetivos que definem, feitas as contas com honestidade intelectual, um determinado valor. Podemos incorporar uma componente social e, eventualmente, alongar um pouco esse valor, aumentá-lo ligeiramente com as contrapartidas que, em sede de concertação, possamos encontrar - a TSU, custos de contexto que melhorem a nossa competitividade, questões energéticas, burocracia, etc., etc. Há aqui espaço para podermos negociar um determinado valor.
Permita-me que não desista da minha curiosidade de jornalista e continue à procura de uma resposta. Há um número que está em cima da mesa: 557 euros. Nas contas da CIP, o salário mínimo, que está hoje nos 530, nunca chegará a 550 no próximo ano?
Nas contas da CIP não chega aos 550. Vamos ser razoáveis. Se o governo congela os ordenados da função pública por razões que todos conhecemos e que têm que ver, como é lógico, com as possibilidades que o país tem e as dificuldades que ainda enfrentamos; quando o que está em discussão para as pensões são dez euros; quando temos esta realidade, com o estado em que o país se encontra - e as empresas não são exceção; quando temos as dificuldades do financiamento; quando temos as empresas descapitalizadas; quando não conseguem recorrer a financiamento; quando o investimento está nos níveis em que está; quando o crescimento, lamentavelmente, é este que se regista, querer fazer coisa diferente na política salarial, seja no salário mínimo ou noutros...
Estamos a falar, ainda assim, de pessoas que trabalham e vivem na pobreza, porque os que ganham 530 euros devem ser aqueles para quem se deve olhar primeiro.
Por isso reconhecemos, e eu já o disse aqui hoje, que 530 euros é um valor baixo e temos de crescer nesse valor. Mas o que também é verdade é que hoje vivemos numa economia global, comparamo-nos, mesmo dentro do espaço europeu, com salários mínimos abaixo desse valor e, sendo certo que ele é baixo e que temos de o aumentar, temos de alterar o modelo de desenvolvimento do país, temos de sair desta política de salários baixos, de produtos pouco inovadores, temos de alterar o paradigma de desenvolvimento - e é isso que as empresas estão a fazer, com passos que vão dando nesse sentido. E, por isso, eu digo que temos de obter melhor margem nos nossos produtos ou serviços para podermos ter uma política salarial diferente. Reconhecemos que o salário mínimo é baixo, tem de ser aumentado, tem uma componente social a que tem de se atender - não podemos matematicamente dizer que dá xis -, há, de facto, uma componente social que temos, com a responsabilidade social que as empresas têm, de ter em conta. Agora tem de ser é quantificado de uma forma que mantenha o emprego. Porque tão importante quanto melhorar a massa salarial é preservar o emprego e melhorá-lo, se possível, com novos empregos. E é este equilíbrio que nós temos tentado fazer.
À margem do salário mínimo, as empresas querem ainda o fim das reversões na legislação laboral, que se tornou mais favorável às empresas no período da troika. Além disso, ainda pretendem obter algum ganho eventualmente com a descida do IRC ou da própria taxa social única [TSU]. Parece-lhe possível que este governo caminhe neste sentido?
Vamos por partes. Nós não queremos que ocorram mais reversões, mas não exigimos contrapartidas nesse sentido para poder aumentar o salário mínimo. Nós respeitamos o acordo que está em vigor. E o acordo que está em vigor, no seu clausulado, define as normas, as regras como se pode, e deve, aumentar o salário mínimo. E isso cumpriremos sem contrapartidas, cumprindo aquilo que está acordado desde o ano passado. Coisa diferente é quando sentimos as ameaças que vamos sentindo de um ataque à iniciativa privada, de uma diabolização dos empresários e de tentativas de, permanentemente, reverter legislação, na área laboral, que foi aquela que nos permitiu ser mais competitivos, termos critérios de competitividade diferentes para melhor, o que nós dizemos é que não podemos viver nesta instabilidade permanente de iniciativas parlamentares que põem em causa questões que, para nós, são sagradas. E, como já temos a má experiência, de quando este governo tomou posse... mais do que aquilo que anunciou, aquilo que efetivamente fez, como foi a questão dos feriados. E nós opusemo-nos a isso por uma razão de cumprir acordos. Nós, em janeiro de 2012, com o anterior governo, tínhamos acordado um conjunto de matérias que estavam em vigor. Era em sede de concertação social que se deveria alterar esses critérios - encontrando outros, de uma forma negociada - e não unilateralmente, uma das partes, neste caso o governo, retirar unilateralmente clausulado desse acordo. E foi contra isso que nós nos opusemos, porque sentimos que havia uma deslocalização de discussão, de diálogo social da concertação social levando para o Parlamento esse diálogo político.
Mas percebe...
Desejamos é que o governo, sensatamente, não vá nestes cânticos de sereia dos partidos de esquerda que o apoiam no Parlamento e reverta algumas questões que, para nós, são linhas vermelhas e que não só não negociaremos como nos oporemos na medida das nossas possibilidades.
Perguntava-lhe se percebe que para os sindicatos também é sagrada a negociação coletiva. É sagrado que algumas das coisas que no período da troika foram impostas ao Estado português, através do memorando, agora os sindicatos, sentindo-se numa posição de força, procurem reganhar aquilo que perderam no período da troika.
Bom, mas se a gente estiver a falar de ganhar ou perder numa perspetiva meramente de jogo, eu percebo que uns e outros pensem que "quem entra em jogo é para ganhar".
E sente que é isso que se está a passar?
Sinto que estamos com questões mais de ideologia do que eficácia da nossa competitividade. Nós estamos num país...
Isso esvazia a concertação social?
Isto ameaça o diálogo em concertação social. Nós vivemos numa economia global. O estado das empresas portuguesas é o que é. Nós temos um caminho pela frente, por isso o que nós pedimos é um quadro, uma envolvente de competitividade, um ambiente económico em que possamos desenvolver as nossas atividades. Não estamos a pedir esta ou aquela questão porque queremos ganhar o jogo. Coisa diferente é aquilo que eu tenho sentido dos partidos políticos de esquerda, que tem mais que ver com carga ideológica do que propriamente com competitividade da economia. Vamos olhar para a economia, vamos olhar para a competitividade e não vamos querer ganhar jogos simples, em que, agora que tenho um poder diferente em sede parlamentar, está na hora de poder reverter tudo e mais alguma coisa. Não deve ser essa a lógica - devemos olhar para as empresas, para as suas necessidades, devemos olhar para o crescimento económico, devemos todos ter um crescimento. Porque é através do crescimento (não me canso de o dizer) que resolveremos os nossos problemas, não é revertendo algumas medidas que o obtemos. Porque nós também não queremos que elas se mantenham - é evidente que os sindicatos têm toda a legitimidade de puxar pelos seus interesses -, mas nós não estamos nisto por ideologia. Nós estamos nisto porque sentimos (e, por isso, assinámos o acordo com o anterior governo todas estas matérias) que isto são questões de competitividade da economia. É isso que nos move.