António Sala: o português suave
António Sala, o homem-bigode da pulseirinha Tucson, nasceu às 7h15 de uma sexta-feira, dia 14 de Janeiro de 1949, em Vilar de Andorinho, uma freguesia muito antiga de Vila Nova de Gaia, famosa pelas suas lavadeiras potentes, que outrora esfregavam as cuecas e batiam os lençóis à burguesia do Porto e Gaia, e agora célebre por ter servido de berço, ou ninho, a este andorinho lendário, canário de voz coleante, suavíssima.
"Na altura, as pulseiras Tucson tiveram um êxito estrondoso. Hoje não faria essa publicidade, pois tenho uma outra forma de estar e pensar", diz aquele a quem chamam "o comunicador" ou "o Sr. Rádio", acrescentando: "cheguei a usá-la duas semanas e a única coisa que ganhei foi uma mossa no vidro do carro por ter batido nele com a pulseira". Também na altura, António Sala - ou, se quisermos, António Manuel Sala Mira Gomes - usava fartos bigodes, desses de pendurar balões, retorcidos nas pontinhas, portuguesíssimos como ele, e estava no auge da carreira: em 1983, com Carlos Paião e Luís Baptista, lançara "O Foguete" na televisão pública, a única que então existia; no ano seguinte, o livro Dicionário de Anedotas com piadas enviadas pelos ouvintes e edições sucessivas, prefácio de Fernando Pessa e mais de 100 mil exemplares vendidos, um sucesso bisado dois anos depois, com Anedotas de Sala, prefaciado por Raul Solnado; ainda em 1984, o regresso ao Festival da Canção com "Uma Canção Amiga", ao lado de Maria Guinot (que ganhou, com "Silêncio e Tanta Gente"), Samuel, Paco Bandeira, Adelaide Ferreira, Rita Ribeiro, o eterno Tordo e as meninas Doce (estas com "O Barquinho da Esperança", de Pedro Ayres Magalhães e Miguel Esteves Cardoso); em 1985, com o filho Miguel, o single "Parabéns a Você" e, dois anos depois, espectáculo no Coliseu dos Recreios, assinalando os 20 anos da sua carreira e os 50 da Rádio Renascença, para onde se transferira no dia 1 de Abril de 1979, vindo dos quadros da RDP.
O que somos do que fomos: no jingle do "Despertar", cantado por um elenco de luxo (Nuno da Câmara Pereira, José Cid, Rodrigo, Raul Indipwo, Ana Faria, Luís Filipe Aguiar, Dina, Paulo de Carvalho, Paco Bandeira, Marco Paulo, Simone de Oliveira e Marina Mota), a letra de António Sala, no seu simplismo ou basismo, é um eloquente retrato de um país in fieri, de uma terra que, bem ou mal, lá se fazia e ia, com mortes e nascimentos, na vida toda a fluir:
Nasce o dia, tudo a começar
Nasce o sol, vamos trabalhar
A corrida da casa para a escola
É o transporte para se apanhar
E você é um ouvinte dos nossos
Queremo-lo ajudar
Renascença, Canal Um está no Ar / Renascença, é o Programa Despertar: éramos assim inocentes à porta dos anos 80, cada vez mais urbanos e agitados, é certo, mas muito rurais ainda, e o programa de António Sala e Olga Cardoso, a "Amiga Olga", a todos conglomerava, aos pobres e aos ricos, a velhos e novos, num exercício democrático e intergeracional ímpar, diário, a um tempo recreativo e informativo, servindo, de quando em vez, de mobilizador para as causas dos aflitos e sempre, mas sempre, de antídoto a milhões de solidões. O último "Despertar ao Vivo" seria emitido em 1998 a partir da China ou, melhor, Macau, na companhia do Excesso e do governador Rocha Vieira, mas, antes disso, o programa estivera nas sete partidas do mundo e em muitos pedaços deste país fora. Houve emissões no claustro dos Jerónimos, nas ruínas do Carmo, na Praça Humberto Delgado, no Templo de Diana, a bordo do navio-escola Sagres, da fragata Côrte-Real, nas voltas aéreas a Portugal e à Península. Das mais estrondosas de todas, a emitida a partir da Praça de Toiros do Campo Pequeno, que às sete da madrugada já tinha as bancadas repletas de gente. E, mesmo sem seguro de vida, António Sala chegou a estar cinco minutos dentro da jaula dos leões do Circo Chen, em mais uma emissão ao vivo do programa que partilhou com Olga Cardoso e contou com o apoio de uma "equipa-maravilha" formada por Luísa Espírito Santo, na produção, Armando Rodrigues e Joaquim Carneiro Gomes.
DestaquedestaqueAntónio Sala nunca teve inclinações políticas, mas antes do 25 de Abril chegou a ser chamado ao SNI por causa de uma piadinha inocente, pois afirmara, na previsão meteorológica, que o Sol do dia seguinte era a única coisa que, em Portugal, raiava para todos.
Após as vicissitudes do PREC, e num país com toda a comunicação social estatizada, a Renascença surgia como uma força singular e poderosa, quer por ser a rádio da Igreja, quer por servir de refúgio à massa silenciosa das gentes de centro-direita. A Liga dos Amigos da Rádio Renascença contava então com uns impressionantes 100 mil sócios; e, mais importante do que isso, mas sem que Sala ou Olga se tenham apercebido disso, o "Despertar" fez uma ligação saudável e distendida entre o Sul e o Norte do país, com ele a falar de Lisboa, ela a emitir do Porto, assim contribuindo para morigerar bairrismos estúpidos que ainda hoje persistem. Sem o saber, provavelmente, o "Despertar" foi também, até pela mobilização popular que gerou, um elemento fulcral para a sedimentação de uma esfera pública democrática e, com isso, para a consolidação do novo regime constitucional.
Para se ter uma ideia do êxito alcançado: além de agendas e doutra parafernália, do Calendário do Despertar venderam-se, só em 1989, 700 mil exemplares e o programa esteve no ar durante quase 20 anos, de 1980 a 1998 (Sala entrou em 1981, substituindo Fernando de Almeida), com emissões diárias de segunda a sexta, entre as sete às dez da manhã, e o inolvidável "Jogo da Mala" (O telefone vai tocar / E o Sala vai falar), inspirado no "Le jeu de la valise" da RTL e que Sala trouxe de Paris para a estação. A dada altura, em cada 100 casas para que António Sala ligava (e que deveriam acertar na senha e na quantia guardada na mala), só umas duas ou três não conheciam o jogo ou não estavam a ouvir o "Despertar". Além desse, houve também o "Jogo do Carro", que dava um prémio a quem tivesse um autocolante da Renascença na viatura, o que levou milhares de portugueses a colocarem o logótipo da rádio católica ao lado, ou por cima, dos clássicos "P" (de Portugal), "90" (ou "ovo estrelado") e "Penélope" (a menina estilizada de chapéu e cabelos compridos, símbolo de uma discoteca de Benidorm). E sim, no Portugal da altura muitos recobriam o carro todos os dias, ao chegar a casa, com uma lona protectora e cinzenta, por vezes com a matrícula pintada, outras com os dizeres "Não Tem Autorádio", para dissuadir os gamanços (caso os mais novos não saibam, os portugueses dos anos 70-80 consumiam enorme quantidade de energia, tempo e recursos numa autêntica guerra civil por causa dos leitores-áudio das suas viaturas, na qual foram usadas técnicas altamente sofisticadas de prevenção de furtos, como chaves e códigos, patilhas de segurança, plaquinhas amovíveis, esconderijos ultra-secretos, informadores nas polícias, razias na Feira da Ladra; as lutas automobilísticas da actualidade cingem-se, com tristeza, às máquinas de cobrança da EMEL, diariamente espancadas, quando não assassinadas).
É de óculos escuros Ray Ban, a sua imagem de marca na época (e os blusões e gravata, Deus meu), que o vemos em 1983 ao lado de uma esfuziante Suzy Paula, numa emissão ao vivo do "Despertar". Nesse mesmo ano de 1983, uma emissão bordo do submarino Albacora, que Sala recorda como lendária. E, também em 1983, uma sondagem do Expresso elegeu-o, não por acaso, a "figura mais popular do país", acima de Mário Soares, a léguas de Eanes e de Carlos Lopes.
De um notável profissionalismo, António Sala levantou-se, durante mais de 40 anos, antes das cinco da madrugada, por causa dos programas matinais que fazia, e chegou a apresentar um "Despertar" instantes depois de saber que falecera Sara, a avó materna, a maior referência da sua vida, a quem chamava mãe (à autêntica e biológica, Carmen, tratava por "Cásinha") e com quem foi criado na companhia do avô Manolo, um profissional de hotelaria nascido em Madrid, que conhecera a mulher no Palace do Bussaco, onde chegou a maître d"hôtel. Manolo - ou, se preferirmos, Francisco Manuel Sala Mira - esteve em muitos outros estabelecimentos (Monumental Casino da Póvoa de Varzim, Restaurant Casino Internacional, na Foz do Douro, Palace Hotel da Curia, Hotel Palácio no Estoril, Grande Hotel de Ofir, Hotel do Parque, no Estoril, Negresco, Hotel Batalha no Porto, Hotel Palácio nos Restauradores, Lisboa) e, quando trabalhava em Lisboa, teve um episódio curioso: um cliente habitual do Hotel Palácio pediu-lhe para guardar um embrulho com "valores importantes", coisa que Manolo fez durante meses, até vir a saber que o dito cliente, um tal de Alves dos Reis, andava metido em sarilhos - aos quais não eram alheios os "valores importantes" do malfadado embrulho.
DestaquedestaqueSenhor de uma afabilidade extrema, sala de nome e feitio, ambiciona ser recordado no futuro tão-só como "um gajo porreiro". Em 2007, o Rádio Clube Português elegeu-o a maior figura de sempre da rádio em Portugal e, de facto, o seu reino sempre foi o dos "afectos do éter".
Sala confessou ao seu biógrafo Raúl Ribeiro (António Sala: o Melhor Despertar de Portugal, 1986) que, na infância, tivera uma "vida nómada": até aos seis anos, em Oliveira do Douro, numa casa junto ao Colégio do Sardão; depois, dos seis aos dez, em Vila Nova de Monsarros, Bairrada, a terra da sua avó. Aluno médio, nem sempre bem-comportado, chegou a partir os 25 vidros da sua escola primária, sendo sovado na ocasião pela sua muito querida avó Sara, a qual, conta ele, era seguidora implacável da boa máxima "só se perdem as que caem no chão". Já então, muito miúdo, tinha a atracção do palco e da plateia e, na "estrumeira" da casa de Monsarros, usando as cadeiras e os cortinados da sala de jantar, chegou a improvisar espetáculos para um público composto pelas galinhas e pelos coelhos da avó. Na passagem da 2.ª para a 3.ª classe organizaria au complet um teatrinho para os amigos, prenúncio de uma vocação que se faria na rádio, mais do que tudo o resto.
Aos 11 anos, veio morar com a mãe para Lisboa, onde passou parte da juventude e da adolescência na Rua Gomes Freire, estudando no Colégio Académico, aos Anjos. Com 12, teve a sua primeira actuação ao vivo, cantando num coro gospel em Benfica, e, no ano seguinte, comporia a primeira canção, "Sereia". Não muito depois, aos 16 anos, a primeira canção em disco, "Recordação de Amor", na voz da madeirense Cecília Quadros, com orquestrações de Shegundo Galarza. Cantava em coros de igreja desde os 13, 14 anos, e, aos 17, passou a dirigir um deles, antes de formar uma banda pop rock e, depois, um grupo instrumental. Seguia os ídolos do tempo, hoje mais que esquecidos: os franceses "Les Chats Sauvages", Adamo, Johnny Holiday, Sylvie Vartan, François Hardy, os lusos "Ecos" e "Sheiks".
Sonhava ser actor, foi artista amador e ainda subiu aos palcos por volta dos 15 anos, para fazer de pajem de D. Afonso Henriques numa peça chamada "O Milagre de Ourique", ao lado de Octávio de Matos e de Nunes Forte, o primeiro registo que existe de uma voz hoje mítica (ao vê-lo em placo, Maria Leonor dissuadiu-o da carreira de actor). Conheceu então Lisboa de fio a pavio ("Aprendi a amar Lisboa e a namorá-la"), pois, desde muito cedo, começou a vender de porta em porta os livros e as revistas da Publicadora Atlântico, com destaque para a Saúde e Lar. Com o dinheiro ganho, além de ajudar a mãe, comprou a sua primeira câmara de filmar, uma Canon de 8mm, que ainda hoje conserva. Mais tarde, ao que parece, trabalhou nos escritórios da Fábrica de Cerâmica Vila Nova e, acreditem ou não, chegou a participar, todo garboso, como galã de uma fotonovela, publicada nas páginas da revista Plateia, edição de 11 de Novembro de 1969.
Um primo seu, Artur Carlos Abreu, era locutor na Rádio PAX, em Moçambique, e, talvez por isso, António Sala aceitou sem pestanejar o convite do amigo Nunes Forte para ir trabalhar para a Rádio Ribatejo, de Santarém, sob a égide do capitão Jaime Varela Santos. Aí fez um pouco de tudo, desporto automóvel, discos pedidos, reportagens, até que, em 1966, passou a ter o seu próprio programa, "Caravana das Cinco", gravado num estúdio nas Avenidas Novas e, depois, para as bandas de Moscavide. Daí foi para os microfones da Rádio Graça, à Rua da Verónica e o resto é conhecido, como é conhecido o grupo Maranata, fundado em 1971, onde cantou ao lado da mulher e com o qual chegou a percorrer mais de 50 mil quilómetros por ano, nas estradas do país profundo.
Em 1970, foi chamado à tropa: fez a recruta no RAL1 e, depois, em Engenharia 1, na Amadora, onde teve como comandante o coronel Vasco Gonçalves, com o qual se cruzaria após o 25 de Abril, nomeadamente quando foi fazer a cobertura da cerimónia de independência de Cabo Verde, viajando num avião ao lado do companheiro Vasco, de Álvaro Cunhal, Luís de Sttau Monteiro, Vasco da Gama Fernandes ou Carlos Fabião (na Praia, entrevistaria Aristides Pereira e Pedro Pires, com resultados tão fatídicos que, mal aterrado em Lisboa, decidiu desistir da carreira de jornalista-entrevistador). Depois da Amadora, foi colocado em Caçadores 5, a Campolide, na secção de Fotografia e Cinema, onde se aplicou a fundo nas aulas de Lauro António para obter uma boa classificação e escapar à ida para África. Safo da guerra, foi locutor no programa "Alerta Está", fazendo as ligações telefónicas entre os militares nas colónias e as famílias, as mulheres ou namoradas, ao lado de cantores como Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Carlos Zel e outros, do instrumentista Pedro Caldeira Cabral e do guitarrista Telmo Palma.
DestaquedestaqueTirou o bigode quando teve de fazer de José Cid num programa da televisão, para nunca mais regressar ao piloso, excepto quando contraiu Covid e deixou crescer as barbas.
Por essa altura - mais precisamente, em 28 de Fevereiro de 1971 -, casou com Elisabete, coimbrã do signo de Peixes, que conhecera cinco anos antes num episódio digno de conto: no dia 30 de Outubro de 1965, foi a um aniversário em casa de umas amigas, no último andar de um velho prédio na zona do Conde Barão; quando lá chegou, era o único rapaz presente. Do harém, escolheu uma, que lhe aparentou ter a sua idade, 17 anos. Na realidade, tinha 13. Antes dela, houvera tão só uma Eliana, de Alverca, pouco mais do que isso. Namoraram cinco anos, casaram, foram morar para um rés-do-chão arrendado na Rua dos Remédios, à Lapa, que seria um paraíso não fora o barulho vindo das caves do prédio, os ensurdecedores ensaios musicais de um jovem aspirante a cantor, António Variações, algo que Sala só ficou a saber muitos anos depois. Aos 4 de Agosto de 1975, um Verão quentíssimo, nasceu Nuno Miguel, o primeiro e único filho.
António Sala nunca teve inclinações políticas, mas antes do 25 de Abril chegou a ser chamado ao SNI por causa de uma piadinha inocente, pois afirmara, na previsão meteorológica, que o Sol do dia seguinte era a única coisa que, em Portugal, raiava para todos. A seguir à revolução, levaria um processo disciplinar por ter tido a ousadia de colocar uma música de Amália no ar. Até 1977, esteve com o PS e Mário Soares "contra a tentativa de novas ditaduras", mas, depois disso, virou-se para Sá Carneiro e, desde então, tem alinhado infalivelmente com os sociais-democratas: apoiou Soares Carneiro e Freitas do Amaral, as duas candidaturas presidenciais de Cavaco Silva, foi mandatário de Luís Filipe Menezes à câmara municipal de Gaia, apelou ao voto em Santana Lopes e em Carmona Rodrigues para a edilidade de Lisboa, em Capucho para Cascais (e, depois, Carlos Carreiras), e Moita Flores para Santarém. Como artista convidado, participou em campanhas do PSD, mas declinou reiterados convites para integrar listas de deputados ou para cargos autárquicos.
Quando se dá o 25 de Abril, fazia parte dos quadros do Grupo Alfabeta, da família Brás Medeiros, o qual acabaria nacionalizada, o que o levou a ser transferido para a Radiodifusão Portuguesa, onde esteve de 1975 a 1979, sob a batuta de Igrejas Caeiro. No Outono de 1974, acompanhou Costa Gomes na sua visita à América, e esteve na Casa Branca na companhia de Júlio Isidro e Artur Albarran. Pouco depois, colocaram-na na Imavox, uma subsidiária da RDP que procurava incrementar a produção musical nacional. Foi então que cometeu um dos maiores erros da sua carreira, ao recusar um jovem e desconhecido grupo, os Trovante, mas foi também na altura que conheceu o que era a febre dos fãs: em 1976, com Nunes Forte, foi apresentador de Art Sullivan, um jovem cantor belga com cara de anjo, o astro de "Petite Demoiselle" e outros pavores. Megaconcertos em Lisboa, Porto, Aveiro, Viseu e Covilhã, com as primeiras partes feitas por Maria de Lurdes Resende, o conjunto de José Quelhas ou Cândida Branca Flor, multidões femininas em delírio, a primeira vez que Sala viu seguranças. Muitos anos depois, em 1997, caber-lhe-ia fazer a primeira parte dos concertos de Julio Iglesias no Estádio do Restelo e no Municipal da Maia, chegando a cantar "Coimbra" ao lado do cantor espanhol - e do futebolista Neno. Em 1985, de resto, já tinha sido responsável por uma produção grandiosa, o concerto de Amália no Coliseu dos Recreios, intitulado "O Maior", e nesses domínios monárquicos, foi rei de um Carnaval em Alcobaça, na companhia de Florbela Queirós, além de ter sido apresentador de vários festivais da Canção e do Natal dos Hospitais. Entrou numa revista, "É Tudo a Roubar", no Teatro ABC, início dos anos 80, em que contracenou com Tony de Matos, Carlos Coelho, Simone de Oliveira, António Spina ou Rosa do Canto.
Tirou o bigode quando teve de fazer de José Cid num programa da televisão, para nunca mais regressar ao piloso, excepto quando contraiu Covid e deixou crescer as barbas. Foi vice-presidente do Sport Lisboa e Benfica na conturbada gestão de Vale e Azevedo, a quem hoje trata por "esse senhor". Jamais trabalhou aos sábados por ser adventista do 7.º Dia, coisa que nunca lhe trouxe problemas na Renascença (consultado pela administração aquando da sua entrada, D. António Ribeiro disse ser uma honra contar com aquele cristão de outro credo). O seu rosto figurou num selo dos CTT, venceu um cancro nos rins, é hoje voluntário no Instituto de Oncologia, deu aulas de comunicação na Católica, onde teve como aluno Ricardo Araújo Pereira. Ganhou muitos e vários prémios - por ex., Locutor do Ano, em 1979; Melhor Intérprete do Festival RTP, 1986, com José Cid e Alexandra (para a qual escrevera, anos antes, a canção "Zé Brasileiro Português de Braga"); Melhor Intérprete, da revista Nova Gente; Troféu TVGuia; Medalha de Louvor da Cruz Vermelha; Diploma de Mérito do Rotary Internacional, 1997; Medalha de Mérito Profissional, de Gaia; Medalha de Mérito da Cidade de Lisboa, 2007 -, foi condecorado por um Presidente da República (Cavaco, Ordem do Mérito, 2010) e teve outro a apresentar-lhe a autobiografia (Marcelo, no lançamento de Memórias da Vida e da Rádio dos Afectos, 2011). É presidente do Clube Renascença, sucessor da Liga dos Amigos, atrás referida.
Fez a sua formação literária nas bibliotecas itinerantes que visitavam Vila Nova de Monsarros e ainda hoje é um leitor assíduo, segundo diz. Publicou vários livros: além da autobiografia e das compilações de anedotas, já citadas, uma antologia de poemas, Palavras Despidas de Música, "um desnudar de canções", lançado em 1997, por ocasião das comemorações dos seus 30 anos de carreira, as quais contaram, inclusive, com uma comissão de honra bem extensa, prenhe de notabilidades, com Maria Barroso à cabeça, seguida de Amália Rodrigues, Carlos Cruz, D. Duarte de Bragança, Eusébio, o professor Pádua, o padre Feytor Pinto, Herman José, João Soares, João Vieira Pinto, Júlio Isidro, Jorge Amado, Maluda, Luiz Francisco Rebello, Cargaleiro, D. Manuel Martins, Nicolau Breyner, Maria Elisa, Rui Nabeiro, Simone, Ribeiro Cristóvão, Rui Nabeiro, Salvador Caetano, Thilo Krassman, Ruy de Carvalho, Vicente da Câmara, just to name a few. Aventurou-se até no romance, com Império de Brandos Costumes, de 2000, uma saga familiar no Portugal de 1951-1963 e os ingredientes habituais nesse tipo de obras (ditadura, censura, guerra colonial, sufoco da juventude). Mais recentemente, em 2011, outro atrevimento de risco, a literatura infantil, Histórias Para os Avós Contarem aos Netos, com ilustrações de Patrícia Furtado. Dois anos depois, Entrevistas, resenha apertada das 501 conversas que, de 1997 a Fevereiro de 2010, manteve no programa "António Sala", emitido nas manhãs de sábado. Entre os entrevistados, além de Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Mariza ou Ramalho Eanes, o nome de um especial amigo, António Lobo Antunes, o seu escritor favorito.
Faltou falar do seu pai, Arlindo Gomes, que, por desavenças familiares, António só conheceu quando tinha 20 anos e com o qual estabeleceria uma "relação extraordinária". De um primeiro casamento, Arlindo já tinha duas filhas, mas Sala apenas conheceu a mais nova, Lucete, pois a outra, Maria Helena, morrera muito cedo, aos 22 anos, na sequência do parto. Num Natal, ainda conseguiu reunir os dois lados da família, materno e paterno, coisa que muito lhe aprouve. Até morrer de Alzheimer, com oitenta anos ou mais, Arlindo, "um homem muito meigo", andou entretido com a construção de um piano, que nunca chegou a concluir, dizendo o filho que herdou dele uma inclinação natural para a música, o talento inato que lhe permitiu, mesmo sem ter formação alguma, tocar piano e órgão e até um pouco de bateria. Guitarra ou viola, jamais.
Senhor de uma afabilidade extrema, sala de nome e feitio, ambiciona ser recordado no futuro tão-só como "um gajo porreiro". Em 2007, o Rádio Clube Português elegeu-o a maior figura de sempre da rádio em Portugal e, de facto, o seu reino sempre foi o dos "afectos do éter" - e ele sabe-o, dizendo "a rádio é uma carraça que sabe agarrar" -, apesar de ter feito TV, e muita: começou em 1972, com "Música Maestro", apresentou o concurso "Ou Vai ou Taxa", na RTP, em 1978, com Zanatti e Helena Ramos; depois o "Palavra Puxa Palavra", na RTP2, em 1990; o "1, 2, 3", seguido de "Você Decide", em 1993; "Quem é o quê", de 1995; "Café Lisboa", na RTP-Internacional; o talk-show "Sala de Conversas", etc.
Mantém-se crente num Deus-criador, diz comover-se com facilidade e ter uma enorme "sede de viver", de lidar com os que ama, de ir a lugares, de conhecer pessoas e coisas novas. Chorou no último de trabalho, diz ser um "fala-barato" e, daqui a 100 anos, quer ser recordado pelo que foi e não porque aquilo que fez. Gosta de carros japoneses ou, como ele diz, "oriundos do País do Sol Nascente", e ofereceu ao filho, como prenda de aniversário, o primeiro automóvel que comprou, um Carocha amarelo, decerto estridente. No próximo ano, será inaugurado o Museu da Rádio e da Comunicação António Sala, na Parede, com base na vasta colecção de aparelhos e imagens que o radialista doou a Cascais, concelho onde reside há quase quatro décadas, menos, contudo, das que leva casado com Betty, a sua parceira no grupo Maranata e na vida, que com ele chegou a cantar, no Hotel Ritz de Lisboa, para Ramalho Eanes, Mobutu e respectivas senhoras. Mora em Rana, gosta de ir a um chinês da zona, tem um pequeno apartamento em Oliveira do Hospital, onde se refugia regularmente. Mantém-se bastante activo nas redes sociais, ainda que nelas abunde, parece, com posts melancólicos e tristes, a lamentar os amigos que vão partindo no fluir da vida. Nas suas biografias, oficiosas ou oficiais, há notícia de felídeos com os nomes Gatinha, Kiko, Pantufa e Nhau. No dia do aniversário, coloca ao pulso o relógio Dínamo que comprou aos 17 anos, quando entrou para a Rádio Graça, 800 escudos, pagos em quatro prestações mensais, e, a cada 1 de Janeiro, o Marvin herdado do avô Manolo. António Sala afirma só fazer publicidade aos produtos que utiliza, como um aparelho auditivo ao qual dá hoje o rosto, ou talvez mais o ouvido.
Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.